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Em busca do blues perdido
Gislaine Gutierre
Do Diário do Grande ABC
28/03/2005 | 12:11
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O Grande ABC pode voltar a ser epicentro do blues. Disposta a recuperar o prestígio que a região possuía nesse segmento na época em que o bar Jazz’n’Blues de Santo André reunia em seu palco os principais nomes do gênero, a pizzaria Don Quixote, em São Bernardo, lança seu projeto Terça’n Blues. Nesta terça-feira, recebe como convidado o guitarrista André Christovam. Ele será acompanhado do grupo residente da casa, o Prado Blues Band. O show começa às 20h30.

A idéia de criar a programação veio do gerente da casa, Maciel Nicolau, de 34 anos. Ele próprio é um dos tantos órfãos da saudosa casa Jazz’n’Blues: “A Jazz só funcionava porque o dono era apaixonado por blues e manteve a qualidade de sua programação o tempo todo. Em todos os lugares onde falo, a referência é sempre a Jazz. Todo mundo a conhece”, diz.

Para tornar o Don Quixote o novo reduto de blueseiros, ele pretende seguir à risca a lição deixada pelo empresário andreense, que mudou o cenário do blues na região nos anos 80. Também contou com a assessoria do produtor Sílvio Alemão, da Allfama. Nicolau diz que começa “com o pé direito” ao trazer Christovam, que também deixou sua marca na história da Jazz’n’Blues. Ainda hoje, quem acessar o site do guitarrista vai encontrar uma foto antiga, em que ele aparece ao lado dos integrantes da extinta banda Fickle Pickle, no Jazz’n’Blues. Na época, estavam gravando seu último disco, no estúdio Cameratti – outro saudoso símbolo daquela efervescência musical na região.

Quem viveu a época do Jazz’n’Blues sempre tem uma história na ponta da língua. O gaitista andreense Vasco Faé (do Blues Etílicos) certa vez lembrou de um show do próprio Christovam com a Fickle Pickle na casa. Faé, então iniciante, ficava lustrando sua gaita diante do palco, na esperança do músico convocá-lo para uma canja. Claro que hoje Faé ri daquele gesto, mas não se esquece do momento em que Christovam fez um solo de guitarra com as luzes apagadas.

O guitarrista é pioneiro do gênero no Brasil. E em seus mais de 30 anos de carreira, escreveu um currículo de sonhos. Tocou, por exemplo, com Buddy Guy, Albert Collins, B.B. Odon, Carlos Santana e Taj Mahal. E se apresentou no famoso Legend’s de Guy, em Chicago, na noite de lançamento do disco Family Style (dos irmãos Jimmy e Stevie Ray Vaughn) diante de uma platéia formada por nomes como Junior Wells, Dr. John, Dave Mason do Trafic e B.B. Odon. A previsão é de que nesta terça-feira Christovam mostre seu talento tocando clássicos do blues, acompanhado pela Prado Blues Band.

Visceral – Igor Prado, 23 anos, e Yuri Prado, 22, ainda eram crianças quando Santo André fervia como reduto do blues. Nunca foram à casa, portanto. Mas sentiram na pele a falta que faz ter um novo endereço do gênero no Grande ABC. “É bem difícil a gente tocar na região”, diz Igor. E olha que a banda é genuinamente regional: os irmãos Igor (guitarra) e Yuri (bateria) são de São Caetano; o baixista Marcos Klis é de São Bernardo e o gaitista e vocalista Ivan Márcio, de Santo André.

Mais irônico ainda é que se conheceram longe de qualquer uma das setes cidades. “Foi pura coincidência”, admite Igor. A Prado Blues Band existe há três anos, mas os irmãos há muito circulam pelo universo do blues. Já dividiram o palco, por exemplo, com Marcos Ottaviano (da Blue Jeans), Sérgio Duarte, Robson Fernandes, Nuno Mindelis e Flávio Guimarães.

Mindelis, inclusive, disse em uma entrevista ao Diário que os irmãos Prado são uns “pequenos endiabrados” e que eles “serão a pós-graduação do blues brasileiro”. O exímio e exigente guitarrista reforçará o prestígio dos rapazes com uma participação no segundo CD da banda, previsto para este semestre.

O ligação dos Prado com o blues é visceral. Igor começou a tocar aos 10 anos e Yuri, aos 9 – ambos influenciados pelo pai, um engenheiro por formação e baterista nas horas vagas, que tocava em uma banda de surf music. “A escolha pelo blues foi muito natural. A gente ouvia o som do grupo do meu pai, que também tem a ver com o blues”, diz Igor. Cresceram ouvindo nomes como The Beatles e Ray Charles. E vibravam em assistir pela TV as edições do festival Nescafé Blues. Com o tempo, elegeram seus ídolos. Mas escutam de tudo, inclusive música brasileira, com preferência para Hermeto Pascoal, Bocato e Tom Jobim.

Para quem nunca ouviu o som dos rapazes, o show de terça-feira é uma boa oportunidade. Nas últimas duas terças-feiras, eles fizeram o “aquecimento” do Terça’n Blues, mas com uma formação diferente: o trio acústico com baixo, gaita e guitarra. Nesta terça-feira, estarão com força total para mostrar o Jump Blues ou West Coast Blues – uma fusão do blues tradicional com o swing-jazz dos anos 1930 e 1940. “Ele tem um apelo popular, porque é bem dançante”, explica Igor.

A Prado Blues Band é, segundo o guitarrista, a primeira a defender o estilo no Brasil. E tem um diferencial curioso: em vez de baixo elétrico, possui o acústico na formação. No Jump Blues, a gaita muitas vezes soa diferente: “os gaitistas tocam fraseados parecidos com o sax, com os metais”.

“É um som legal para quem nunca ouviu blues”, afirma Igor. Nesta terça-feira, a Prado Blues Band mostrará algumas releituras de clássicos, como My Babe (de Willie Dixon) e composições próprias que figuram no álbum de estréia, High Custom Fidelity. Primeiro, fazem um set sozinhos. Depois, recebem Christovam. O grupo continuará tocando às terças-feiras, às 20h30 (couvert a R$ 5).

Animado com o sucesso que a Terça’n Blues pode ter, Nicolau já pensa em novos vôos: abrir espaço nesse dia também para o jazz. “Penso no Bocato (trombonista), no Arthur Maia (baixista)... É um sonho”. diz.

Terça’n Blues – Show de André Christovam e Prado Blues Band. Nesta terça-feira, às 20h30. Na Don Quixote – av. Kennedy, 605, São Bernardo. Tel.: 4337-4548. Couvert: R$ 25.



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