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Nem luxo nem lixo, o sonho de Esther Mazzini era ser imortal

Grande parte do acervo da artista plástica, que ia virar lixo, é resgatada e vai para museu de Ribeirão

Por Miriam Gimenes
06/03/2018 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


Era janeiro do ano passado quando o fotógrafo Ubirajara Kaiser Cobra, de Ribeirão Pires, recebeu a ligação de uma conhecida, que lhe ofertava quadros antigos. Na conversa, alertou que se não fossem retiradas por ele, as obras teriam como destino uma caçamba de lixo, que estava em frente ao local onde ficaram abrigadas, no Centro da cidade. O lugar ia virar casa de repouso de idosos.

Apaixonado por antiguidades, Bira, como é conhecido por lá, tratou de ir ao endereço indicado. E ao chegar levou um susto: os quadros que seriam descartados eram da artista plástica Esther Mazzini Le Var (1927-1993), que nasceu em Santos, cresceu em Ribeirão Pires e, depois que se casou com Walter John Le Var, passou o resto da vida em Santo André. “Infelizmente nós vivemos uma época sem cultura, sem conhecimento, não temos memória de nada. Tudo é lixo. (Quando me deparei com o acervo) Eu vi o valor histórico. Porque, se você for no nosso antigo teatro (Euclides Menato), a sala de entrada chama-se Esther Mazzini.”

E detalhe: não eram só pinturas – um total de 150 – que estavam no local. Cerca de 3.000 fotos (muitas que retratam o processo de produção da artista), catálogos de suas obras, correspondências pessoais e profissionais, recortes de jornais, tudo estava organizado em pastas e caixas.

Antes dele, Octavio David Filho, da Associação Pró-Memória de Ribeirão Pires, ganhou oito quadros da artista que, segundo ele, faziam parte deste acervo. “Uma sobrinha-neta dela me ligou e me deu os quadros. A maioria foi resgatado pelo Bira. Vou ficar com dois e os demais estou doando para os órgãos públicos.” Segundo ele, um quadro está com a Prefeitura de Rio Grande da Serra, outro foi doado à Seção de Memória de São Bernardo e, um terceiro, prometido à Basílica da Boa Viagem, em São Bernardo.

Bira passou um ano buscando por familiares de Esther, sem sucesso. O Diário também tentou contato com o proprietário da casa onde estava o material, mas não obteve retorno. “Não sei se a casa pertence a alguém da família, deixei meu contato lá e nunca me ligaram. Postei algumas fotos no Facebook, ninguém se manifestou. Talvez agora vá aparecer um monte de dono do acervo, mas já é tarde, agora está no museu.” O museu o qual ele destinou é o Municipal de Ribeirão Pires. Há cerca de duas semanas conversou com o diretor de patrimônio da cidade, Marcílio Duarte, que tratou de buscar as obras e começou a catalogá-las.

Duarte diz que as pinturas de Esther vão da natureza morta ao abstrato. Há também edifícios religiosos – no início da década de 1990 produziu vários desenhos de óleo sobre tela de igrejas do Grande ABC e as imagens ilustram o livro Antecedentes Históricos do ABC Paulista, de Wanderley dos Santos, lançado em 1992 –, imagens figurativas, realistas e bastante paisagem. “A ligação dela com Ribeirão é infância e juventude, por isso a gente vê retratado nas obras esse resgate, da época em que ela passou por aqui”, reflete o diretor de patrimônio, que acrescenta: “Ao analisarmos parte do acervo pudemos ver que eles (o casal Le Var) eram muito influentes. Um dos álbuns fotográficos mostra ela recebendo o (alemão) Walter Levy (1905-1995), um grande nome da pintura moderna, em sua casa de Santo André.”

Para ele, o possível descarte deste material é lamentável. “É triste porque isso depõe contra o legado que deixou. Foi uma artista importante não só para Ribeirão Pires, mas para todo Grande ABC. Esther tem obras espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. Já expôs fora do País.” O que cabe ao museu agora, acrescenta, é analisar todo este material – o que pode levar até um ano e meio – com a ajuda das outras pinacotecas da região.

Marcílio destaca também o papel da artista como ativista cultural, que defendeu o acesso às artes (teatro, dança e artes plásticas) em toda região. “O que importa é que seu trabalho está a salvo. Está aqui, guardado e acessível ao público. Pelo jeito que ela deixou as coisas, acho que o seu desejo era esse: fazer com que esse acervo não ficasse confinado em um quarto, abandonado.” E não vai mesmo. No dia 19, aniversário da cidade, já está sendo organizada a exposição Esther Mazzini – 25 Anos de Saudade no saguão que leva seu nome. Que seja feita a sua vontade.




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