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‘Decisão do STF é a ditadura do Judiciário e pior que o AI-5', diz Campos

Deputado estadual critica decisão do STF que permitiu prisão de réus condenados em segunda instância

Júnior Carvalho
Do Diário do Grande ABC
03/03/2016 | 07:00
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Denis Maciel/DGABC


O deputado estadual Campos Machado (PTB) criticou, ferrenhamente, recente decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de rever entendimento jurídico e autorizar prisões após condenação em segunda instância. Anteriormente, o réu considerado culpado só poderia ser preso quando a sentença fosse transitada em julgado, ou seja, depois de esgotados todos os recursos.

Como o sr. avalia essa decisão do STF ?
A Constituição diz, em seu artigo 5º, que ninguém será considerado culpado até que (o processo) seja transitado em julgado. Por exemplo, quando um juiz de Santo André condena, aí eu posso recorrer para segunda instância, que é o TJ (Tribunal de Justiça). Enquanto não estiverem esgotados todos os recursos, não posso ir preso. O que o Supremo fez, alegando que a Justiça não vai ser mais morosa, foi porque estão influenciados pela ditadura do Judiciário. Estão interferindo em tudo. Cerca de 10% das pessoas (que serão presas) têm posses. Ou seja, políticos. E os outros? Os menos favorecidos? Eles representam 90% dos casos. Sob alegação de se punir poderosos, estão esmagando os mais humildes.

Foi por isso que o sr. decidiu iniciar uma mobilização contra a posição do STF?
Decidi apoiar porque eu nasci na advocacia, sou advogado criminalista, embora não tenha hoje a atividade que tinha antes. Conheço perfeitamente que nem todos os condenados têm sentenças justas. Santo Agostinho dizia: ‘Eu prefiro a absolvição de 1.000 pessoas que tenham culpa do que a condenação de uma pessoa que não seja culpada.’ Quantos casos eu não consegui reverter em Brasília? Por que esse retrocesso?

O sr. encara o novo entendimento do Supremo como um retrocesso?
Não só retrocesso como ofensa ao direito das pessoas de terem até o último suspiro da defesa. (A decisão) Só vai prejudicar os pobres, os mais carentes, os necessitados. Olha o perigo. Sob a alegação que não vão deixar (soltas) meia dúzia de pessoas que tenham condições financeiras (para reverter a sentença). De maneira discriminatória, vão prender todo mundo. Não existe interpretação.

Faltou debate no STF?
Evidentemente que sim. Eles não ouviram os ministros mais antigos. Não ouviram o decano (integrante mais antigo da Corte) Celso de Mello, e Marco Aurélio (Mello), os ministros que têm história. É retrocesso, ditadura. O pior: não pode fazer discriminação entre o cara que roubou uma padaria e o que desviou R$ 30 milhões.

Se essa não é a solução, qual seria a melhor saída?
Vamos imaginar que centenas de pessoas consigam reverter as condenações no STJ (Superior Tribunal de Justiça). Eles vão entrar com indenizações contra o Estado. Será um caos. Todas as prisões que vão acontecer serão profundamente injustas, arbitrárias e desumanas. O único jeito é mudar a Constituição. E só quem pode alterar a Constituição é o Congresso Nacional.

Se eles defendem isso aí (alteração), têm que convencer o Congresso a alterar o artigo 5º para mudar o trânsito em julgado. Eles (STF) estão legislando. O Executivo existe para executar, o Legislativo para legislar e o Judiciário para julgar. Eles estão julgando, legislando e executando. Eu não posso me silenciar.

O que o sr. já fez na prática contra essa decisão?
Ontem (anteontem) eu apresentei uma moção de repúdio no colégio de líderes (da Assembleia Legislativa) e todos os partidos assinaram (o texto). Esse documento vai ser enviado para o Congresso. E nós vamos tentar, no dia 11, nos reunirmos lá em Brasília para que seja apresentada alguma coisa. O que não pode é pessoas, nesse tempo, terem os direitos tirados.

O sr. acha que esse assunto será reavaliado pelo STF?
Espero que o Congresso se manifeste sobre esse caso. (A decisão) É um atentado aos direitos individuais. Seguramente, o STF vai ter oportunidade de reapreciar isso. Porque foi uma decisão estapafúrdia, sem sentido. O STF vai verificar que houve um grande dano à liberdade das pessoas. Eu volto a dizer: os mais necessitados é que serão prejudicados. Uma parte fica em regime especial e domiciliar. E os pobres? Aqueles que não têm nível universitário? Vão ter que ser presos.

E aqueles que usam dos recursos na Justiça para protelar o processo a ponto de a pena prescrever?
Essa análise é um erro crasso. A culpa é do Estado, do próprio Judiciário. Se eles tivessem condições de julgar com mais agilidade. Se não tem recursos, o Estado é culpado. Eu não posso punir um indivíduo em função da falha do Estado. Eu vou prender as pessoas pela ineficiência do Judiciário? Eu vou punir as pessoas porque o Estado não tem dinheiro e por que tem problemas de (falta de) juízes?

Há uma morosidade do Judiciário ou a atual legislação permite que brechas possam prolongar um determinado processo?
Se existirem dez recursos, todos são válidos desde que você possa defender a sua liberdade. Se tem dez ou 15 recursos, pouco importa. Que mudem a lei. Hoje, os recursos existem para serem usados. Como que eu posso em função da existência de recurso prender todos os condenados em segunda instância e acabar com a liberdade de todos? Os ministros que tomaram essa decisão não tiveram a sensibilidade para entender um País que nem o nosso, com todas as dificuldades do Judiciário.

Como o sistema penitenciário vai ficar com essa norma?
Olha o círculo vicioso. Onde vão colocar esses presos? Na casa dos ministros que votaram a favor? Será que no quintal deles cabem todos os presos? Eu acho que nesse STF tem muitos civilistas e não penalistas. Gente que entende do (Direito) Civil, do tributário, mas que não conhece o Direito Penal. Eles não imaginaram que pode ser um caos. É uma decisão que fez o Brasil regredir uns 120 anos. Essa ditadura que o STF promulgou é pior que o AI-5 (Ato Institucional número 5, instaurado em 1968, durante a ditadura militar, que cerceou o direito à liberdade de expressão, censurou a imprensa e cassou direitos políticos), dura e ditatorial.

Tem a esperança que isso seja mudado em curto espaço de tempo?
Tenho certeza. Não estamos num País de loucos. Isso foi um ato tresloucado, mas o País inteiro não é louco, não.

Acha que a sociedade vai se mobilizar?
São as OABs de todo o País, o próprio Congresso começa a se manifestar. As assembleias (legislativas) vão fazer isso e a sociedade civil como um todo. Ninguém está aceitando isso. E nós estamos amparados em quatro excepcionais ministros que votaram contra. O próprio ministro Celso de Mello escreveu um artigo (criticando). Seguramente, (os que votaram a favor) são ministros novos, são debutantes no Supremo. 




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