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Renê inova o futebol
Raphael Ramos
Especial para o Diário
07/11/2004 | 14:43
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A fama veio em 1998 ao classificar a Jamaica, pela primeira vez na história do país, para uma Copa do Mundo. Seis anos mais tarde, surgiu o reconhecimento na Seleção Brasileira feminina, que conseguiu um feito inédito na conquista da medalha de prata em Atenas. Agora, o técnico Renê Simões adota um discurso mais político. Entre outras coisas, diz não se preocupar em orientar clubes de massa, como Corinthians ou Flamengo. Afinal, os planos profissionais estão voltados para projetos que tenham "início, meio e fim" – detalhes que considera impraticáveis nos grandes times. Cita o exemplo da Portuguesa – "fui o primeiro a cair". Simões também nega que seja vítima de preconceito só porque possui um currículo recheado de títulos e, mesmo assim, não faça parte da lista dos treinadores top do país. Confiram os principais trechos da entrevista exclusiva concedida ao Diário.

DIÁRIO – Depois de trabalhar tanto tempo no futebol masculino, você passou a comandar as mulheres. Como aconteceu a mudança?

RENÊ SIMÕES – Me encontrei com as mulheres desde que me entendo como homem. Sou casado há 28 anos, tenho três filhos.

DIÁRIO – Fale dessa nova experiência na carreira.

SIMÕES – Não foi nada difícil trabalhar com elas. Não posso dizer que é mais difícil ou mais fácil, só que é diferente. Me deu muito prazer. Acho que o grande problema do Brasil é que os projetos têm início e fim, mas não tem meio. É no meio que você encontra a maturidade, porque você vai sofrer, você vai aprender a se apurar. Na seleção feminina, o que encontrei foi um projeto com início, meio e fim. Portanto, sempre me sinto feliz e produtivo quando tem alguma coisa deste tipo. Meu objetivo de vida é me sentir feliz e produtivo.

DIÁRIO – Mas era um sonho comandar um time feminino?

SIMÕES – Não sonho em estar num grande clube, num clube pequeno ou em outro país. O meu sonho é sempre ter um projeto que eu saiba que vai ter um início, meio e fim e que eu seja feliz e produtivo.

DIÁRIO – Mas você pensa em treinar um time de massa?

SIMÕES – Não. Penso em pegar um projeto que possa atingir as massas. Pegar time só por pegar, não. Não tenho o mínimo de vontade, não passa pela minha cabeça dirigir Flamengo, São Paulo, Vasco ou Internacional. Não penso nisso. Penso, sim, em pegar um projeto em que possamos atingir as massas e nesse projeto da seleção feminina, por exemplo, atingimos muito bem. É isso que me realiza.

DIÁRIO – Nos grandes, existem as cobranças pelo resultado imediato...

SIMÕES – Te dou um exemplo que aconteceu comigo. Fizemos um projeto fantástico na Portuguesa. Tudo funcionou muito bem durante dois meses e meio, até que o vice-presidente de Futebol (Ilídio Lico) retornou. Aí o Brunoro (José Carlos, consultor de Marketing Esportivo) teve a ética de dizer 'vamos apresentá-lo aos jogadores'. Depois, esse vice-presidente queria detonar o Brunoro, achando que ele não queria apresentá-lo ao elenco. Fui contra e, ao ir contra, pronto... Já fui o primeiro a cair, depois caiu todo mundo. Tenho absoluta convicção de que a Portuguesa não estaria como hoje se tocassem o projeto.

DIÁRIO – Hoje, poucos técnicos no Brasil são considerados top de linha. Felipão, Luxemburgo, Parreira... Você entraria nesse grupo?

SIMÕES – Estou extremamente feliz e realizado. Não estou à procura de reconhecimento. Nem de fama ou de um trabalho que vá me colocar na mídia o tempo todo. A minha procura é interior. O que os outros pensam é importante à medida do que eu quero tocar as pessoas. Não me preocupa esse tipo de realização. Se eu sou top ou se não sou top de linha, não tenho a menor preocupação.

DIÁRIO – Em que pé está o projeto para o futebol feminino que o você apresentou para a CBF (Confederação Brasileira de Futebol)?

SIMÕES – Apresentamos o projeto ao presidente Ricardo Teixeira e ele ficou de analisar. Ele vai ver e discutir com os pares dele, com os diretores, com o secretário-geral e nacional. Ainda não vou falar sobre projeto porque ele não pode ser um projeto Renê Simões, mas um projeto CBF.

DIÁRIO – Mas como sentiu a receptividade do Ricardo Teixeira?

SIMÕES – O presidente está cheio de idéias. Ele está entusiasmado com o futebol feminino. A Fifa tem conversado muito com o Brasil sobre isso, o Joseph Blater, inclusive, é apaixonado pelo futebol feminino. Ele me mandou recados lá em Atenas e disse que o futebol feminino brasileiro é o que ele gostaria de ver no mundo todo.

DIÁRIO – Mas o projeto vai sair do papel?

SIMÕES – Acho que o futebol feminino do Brasil jamais será como antes de Atenas. Tem de começar com passos bem lentos, para que seja um progresso com desenvolvimento sustentado, que é a palavra que está na moda hoje em termos de economia. Para isso, é preciso começar pequeno, com medidas bem pensadas, para não fazer nada megalomaníaco e depois parar com tudo.

DIÁRIO – Você cogitou a possibilidade de ser diretor técnico. Isso quer dizer que pensa em ir para a cartolagem e abandonar o gramado?

SIMÕES – O diretor técnico não é um cartola. Na Jamaica, por exemplo, eu era diretor técnico. O que é isso? Ele traça toda a filosofia do futebol, faz todos os planejamentos, contrata as pessoas que vão trabalhar ao seu lado, fiscaliza. Como fiz na Jamaica, faria aqui no futebol feminino e também dirigiria as equipes. Não quero sair do campo.

DIÁRIO – Mas, em 2000, como superintendente de futebol do Flamengo...

SIMÕES – Me senti muito mal porque acho que não dá para sair do campo. Via as coisas, queria interferir, mas não podia, porque naquela função não tinha de interferir durante um jogo ou durante um intervalo no vestiário. Podia fazer isso depois, aconselhar, cobrar resultados. Mas para mim foi muito duro, então não penso em sair do campo.

DIÁRIO – A experiência que você teve na Jamaica e na seleção feminina é um diferencial em relação aos outros?

SIMÕES – Acho que fiz alguma coisa que os outros brasileiros não fizeram. Na Jamaica, tive uma federação para trabalhar, tive o futebol do país nas minhas mãos e consegui organizar. Hoje, eles têm ligas femininas, ligas escolares, campeonatos sub-20, campeonatos de 1ªdivisão e 2ªdivisões.

DIÁRIO – Você se considera um técnico aventureiro por aceitar desafios como a seleção feminina e a seleção jamaicana?

SIMÕES – Aventureiro não. Nunca me meti em aventuras. Sempre me meti em projetos. Muito pelo contrário; não sou aventureiro; não aceito qualquer coisa. Só aceito aqueles convites que sei que posso colocar em prática.

DIÁRIO – Como o senhor vê o futebol feminino brasileiro daqui para a frente?

SIMÕES – Acho que temos de trabalhá-lo como um produto, não tem de ser um subproduto do futebol masculino. Tem de ser trabalhado, tem de ser dada um roupagem nova, não pode ser um esporte que você coloca apenas como preliminares dos jogos masculinos. Não é um jogo em que você convida os homens para assistir. Você convida as famílias, como nos Estados Unidos e na Europa.

DIÁRIO – A idéia é se basear no que é feito no exterior?

SIMÕES – Ao convidar as famílias, você não pode ter só um jogo, chegar cinco minutos antes de começar a partida e sair dez minutos antes de acabar o jogo. Na Europa não é assim que funciona. Eles têm bons restaurantes, boas salas de reuniões dentro do próprio estádio. Depois que você assiste o jogo, comemora ou bebe suas tristezas pela derrota de seu clube dentro do estádio. Então você passa o dia dentro da arena, fica pelo menos cinco a seis horas num jogo. É isso que a gente quer fazer no futebol feminino no Brasil.

DIÁRIO – Outros negócios também seriam agregados ao esporte?

SIMÕES – Para atrair o público aos estádios haveria eventos paralelos para as crianças, para as mães, como desfile de moda, atividades múltiplas, para que a família não vá ao estádio somente para ver o jogo de futebol feminino, mas sim para participar de um dia agradável, um dia de família.




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