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Prova deixa de ser protagonista

Educadores defendem conjunto de atividades que detalhem melhor o nível de conhecimento

Juliana Ravelli
Kelly Zucatelli
30/04/2012 | 07:00
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Dia de prova. Livros e cadernos guardados e celulares desligados. O clima fica tenso porque chegou a hora de ser avaliado. Será em uma única chance, no bimestre ou no semestre, que os alunos terão de mostrar o que aprenderam. Esse cenário ainda existe, mas bem raro nos dias de hoje, pois a prova não é mais a protagonista na avaliação dos estudantes.

Mudanças no comportamento social, facilidade no acesso dos professores a cursos de especialização e, o principal, o desafio de conquistar o aluno para participar de um plano de aprendizado que não o faça desistir, integram o pacote de modernidade da Educação brasileira.

No Grande ABC, algumas escolas já estão no próximo passo: o da formação continuada. Esse é um modelo pelo qual a avaliação do aluno, em qualquer grau de escolaridade, faz um conjunto de atividades no lugar de provas. Isso dá a ele a possibilidade de demonstrar seus conhecimentos e habilidade nas disciplinas, sem depender da ‘decoreba'.

Educadores da região frisam que a mudança dá a oportunidade de corrigir erros diariamente e assimilar melhor o que foi ensinado. No entanto, admitem que um dos desafios nesse caminho é o investimento na formação técnica dos professores. Docentes têm dificuldade em conciliar o tempo em sala de aula com os estudos de especialização e pós-graduação, reflexo da carga horária estipulada que também passará por mudanças.

"É cruel pegar um único dia para avaliar o que o aluno fez num tempo longo. Não pode mais existir o dia D para isso. É hora de pensar na avaliação em processos. Aquela que fazemos dia a dia, por meio da redação, exercícios, atividades digitalizadas e participação dos alunos em discussões de temáticas do cotidiano. Assim, fica mais fácil, e menos pesado para o estudante, sabermos como está o grau de aprendizado de cada um", explica a secretária de Educação de Santo André, Cleide Bochixio.

Na visão da secretária de Educação de São Caetano, Maria Cecília Rapuano, dois fatores ajudaram a mudança na forma de avaliar: a facilidade e a rapidez do aluno em se informar por meio da internet e a participação efetiva da família no acompanhamento do aprendizado dos filhos. "Hoje os alunos têm diversas atividades e isso nos leva a ter uma percepção diferente de antigamente, inclusive na maneira de avaliarmos. Eles estão inteirados nos assuntos que repercutem nas redes sociais." A educadora também salienta a necessidade da união das esferas governamentais para a harmonia de pensamento que designe uma boa fórmula para comprovar o que os alunos estão aprendendo.

DECOREBA
Se o dia da prova é motivo de tensão e o volume de informações para estudar é grande, os alunos não pensam duas vezes em apelar para a famosa decoreba - entendida pelos educadores como a falsa impressão de aprendizado. Esse método de estudo, aliás, causou espanto ao físico norte-americano Richard Feynman, quando lecionou no Brasil no início dos anos 1950. Em um de seus livros escreveu: "Não conseguia entender como alguém podia ser educado neste sistema de autopropagação, no qual as pessoas passam nas provas e ensinam os outros a passar nas provas, mas ninguém sabe nada."

"Desde os anos de 1980 é discutida a mudança de pensamento sobre a avaliação dos alunos. Devemos considerar que, diariamente, eles expressam suas compreensões sobre diversas áreas: Matemática, Língua Portuguesa, Biologia e outras. Se decoram o que possivelmente será pedido na prova terminam não assimilando aquele conteúdo e, por fim, não aprendem", detalha a doutora em Educação pela Unicamp (Universidade de Campinas) e professora do mestrado em Educação e Pedagogia pela Universidade Metodista de São Paulo, Maria Leila Alves.

A mediação do conhecimento é algo que a especialista atribui às habilidades dos professores em contribuir para o aprendizado dos estudantes e, quando a escola não consegue atingir esse propósito, fica claro que o problema está na qualidade de formação de seus profissionais.

O coordenador de pós-graduação em Educação da USP (Universidade de São Paulo) Ocimar Munhoz Alavarse defende a permanência da prova no processo de avaliação. No entanto, foca para a discussão de uma melhor elaboração de prova. "Acredito que precisa ter uma mescla de questões difíceis e fáceis."

Conhecimento de docentes requer atualização

A dedicação e o preparo para o momento da avaliação são algo que engloba a participação dos estudantes dos diversos graus de escolaridade, o apoio da família e, fundamentalmente, o dos professores. Sobre os docentes é atribuída boa parte da responsabilidade dos novos rumos de avaliação de seus alunos.

A análise do trabalho pedagógico é a forma mais eficiente para se chegar num consenso sobre qual é o melhor tipo de prova, segundo a supervisora de Educação de Mauá Geraldina Ferreira Canuti. "Aplicar uma avaliação é importante, mas o diálogo e a integração do professor com a vida dos estudantes ajudarão na concepção de outras boas formas de avaliá-los. Se o professor der uma prova de forma impositiva poderá não atingir o objetivo do que chamamos da construção significativa do conhecimento", alerta Geraldina.

Na opinião da secretária de Educação de São Bernardo e presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação), Cleuza Repulho, reduzir o modo de avaliar o desempenho dos alunos num único exame é maneira ruim, que provoca ansiedade e a não certeza para o professor se eles realmente sabem ou não o que foi ensinado.

O desafio de conquistar o estudante para participar efetivamente da sua formação educacional é algo que requer dos docentes a adaptação e o aperfeiçoamento para a avaliação em processo, de acordo com a educadora de São Bernardo. "Redação, aplicação de exercícios e prática de mexer com a informação digitalizada são muito importantes na atuação. O professor precisa ter percepção da comunidade em que a escola está inserida."

Para adaptar a mentalidade dos professores das redes municipais, estaduais e particulares, Cleuza não enxerga outra saída a não ser investir cada vez mais no aperfeiçoamento de formação e cursos de atualização para a classe. "Esse é o caminho para termos mais qualidade no ensino e melhor atuação de todos em sala de aula, sem fazer da prova o grande fantasma."


Família resiste às mudanças no processo de avaliação

Os pais, em geral, veem com desconfiança as mudanças nos métodos de avaliação, segundo a professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) Silvia Colello. "Quando se trata de Educação, cobram aquela de 30 anos atrás. Esperam que a escola reproduza nos filhos o ensino que receberam no passado."

Para enfrentar essa resistência, o colégio precisa se aproximar da família e fomentar o diálogo. De acordo com a educadora, diretores e professores têm de se reunir com os pais para fornecer detalhes sobre o funcionamento da instituição e metodologia de avaliação.

A escola tradicional - arraigada na cultura familiar - olha os alunos pela perspectiva do erro, em que a perfeição é tida como meta. A modernização do método de avaliação, ao contrário, os observa sob o aspecto positivo, levando em conta o progresso apresentado no decorrer do ano letivo.

Na opinião da psicóloga e professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina do ABC Maria Regina de Azevedo, não se pode ignorar que cada estudante tem um modo individual de entender conteúdos e questões. Mas há um problema: "Numa sala com 40 alunos como um único professor vai avaliar todos esses olhares?"

Além disso, a prova não deveria avaliar somente o estudante, mas todo o processo de aprendizado. "Seria mecanismo para o professor replanejar atividades futuras", explica Silvia.


Prova transforma a rotina dos estudantes

Produto da avaliação tradicional, a perfeição - simbolizada pela nota 10 - tem efeito direto na vida de muitos estudantes. Há quem se dedique demasiadamente em busca dela. O esforço, entretanto, às vezes é desnecessário, segundo a professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina do ABC Maria Regina de Azevedo. "Também precisa de um pouco de lazer."

Victória Passioti Teodoro, 16 anos, é a típica boa aluna: presta atenção nas aulas e faz todas as lições. Mas basta a semana de prova se aproximar para modificar a rotina. Abdica de passeios com os amigos e até mesmo do acesso à internet. "Não gosto de pegar uma prova e não saber o que fazer", diz a aluna do 2º do Ensino Médio da Escola Municipal de Ensino Professora Alcina Dantas Feijão, em São Caetano.

Apesar da preocupação, Victória acredita que atividades alternativas, principalmente as feitas em parceria com colegas, são mais produtivas. "São coisas que nunca vamos esquecer, tanto das conversas com o grupo quanto o que vimos sobre o assunto. A gente aprende mais", afirma a aluna, que deseja estudar Medicina em uma universidade pública.

Larissa Santana Philot, 10, de Diadema, também fica muito ansiosa em dia de prova. "Tenho medo de tirar nota ruim." Aos poucos, a menina, que cursa o 6º ano do Ensino Fundamental, tem aprendido a controlar o nervosismo.

A prova está presente em várias etapas da vida acadêmica e profissional; por isso, é pouco provável que seja suprimida algum dia. Sabendo disso, o administrador de empresas Douglas Lavechia, 24, de Santo André, teve de mudar a forma de encará-la ao entrar para a universidade.

Durante a infância e adolescência, sofria com as avaliações, sobretudo das matérias que tinha dificuldade. Não sentia motivação para estudar. "Hoje consigo lidar bem com isso. Com o tempo, é normal adquirir experiência não só em fazer provas, mas principalmente em se preparar", diz Lavechia, que faz a segunda faculdade: Engenharia Civil.




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