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Megaprodução ‘Tróia’ funciona e patina
Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
13/05/2004 | 18:31
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O cinema redescobriu o épico e Tróia, a pretensão de grandeza. A megaprodução que estréia nesta quinta em circuito nacional (13 salas na região) funciona como espetáculo, patina como narrativa épica e seu calcanhar-de-aquiles é justamente o vínculo com a obra de Homero, a Ilíada, mãe de toda narrativa ocidental e inspiradora fundamental do filme dirigido pelo alemão Wolfgang Petersen (O Barco – Inferno no Mar e Mar em Fúria).

A história é a célebre discórdia entre gregos e troianos, narrada pelo poeta Homero no século VIII a.C., sobre acontecimentos de 500 anos antes dele. A Grécia, então, era dominada por povos aqueus, com várias monarquias entre si. As cidades-estados, ou pólis, são do tempo de Homero. A união dos aqueus para invadir Tróia, cidade-fortaleza chamada Ílion, em grego, significaria dominar o mar Egeu e as rotas comerciais do mundo antigo. Os restos arqueológicos de Tróia foram descobertos no século XIX na atual Turquia. Mas isso é história.

A tradição sobre a Ilíada diz que a guerra foi motivada pelo rapto de Helena, a mais bela mulher da Terra (no filme, Diane Kruger), casada com o rei aqueu Menelau (Brendan Gleeson), levada pelo troiano Páris (Orlando Bloom), filho do rei Príamo. Agamenon (Brian Cox), irmão de Menelau, reúne os reis, soldados e heróis para invadir Tróia e resgatar Helena. Forma uma frota de mil navios e 50 mil guerreiros, entre eles o semideus Aquiles, o maior de todos os aqueus, interpretado por Brad Pitt, ator que está no Festival de Cannes apresentando o filme e que teria até tomado anabolizantes para envergar o papel. Outros heróis são Odisseu (ou Ulisses, vivido por Sean Bean), Ájax e outros.

A Ilíada começa quando Tróia está há nove anos cercada pelos gregos e entra em seu 10º ano de cerco, com derrotas e vitórias para ambos os lados. Aquiles se retira do combate, porque Agamenon, para compensar a devolução de uma prisioneira, exige que o herói lhe dê sua escrava Briseida (Rose Byrne). Para não matar o rei, Aquiles faz o que lhe pede, mas abandona a luta. Os gregos passam a sofrer derrotas até Heitor (Eric Bana), líder guerreiro de Tróia, matar o protegido de Aquiles, Pátroclo. O grego volta, vinga a morte do amigo e decide o combate, mas morre por uma flecha dirigida por Apolo que o atinge no calcanhar, único ponto vulnerável de seu corpo.

Livre adaptação – Tróia começa apresentando o herói Aquiles em ação em uma luta simples. Seguem-se o rapto, a união dos exércitos e as batalhas descritas por Homero, bem como o ardil de Ulisses, o cavalo de Tróia (episódio que consta na Eneida, de Virgílio, narrativa dos feitos de Enéias, troiano que escapou do cerco). O filme é livremente adaptado sem ser uma reprodução fiel à Ilíada, porém há semelhança no caráter de imortalidade que a guerra daria a quem dela participasse, citado em várias passagens. Uma referência direta a Homero, que enfatiza a característica transtemporal dos feitos heróicos, mais do que a guerra propriamente, aspecto esse ressaltado no filme.

Tróia, e não a Ilíada, tem na guerra seu acontecimento principal, por isso as caprichadas tomadas aéreas para mostrar a grandeza dos exércitos, da frota e do objetivo final, a Tróia dos belos muros, um epíteto homérico. Na Ilíada a palavra “violência” surge apenas duas vezes e a guerra em si é qualificada negativamente como “penosa”, “multilacrimosa”, “destruidora de homens”, assim como Ares (ou Marte), o deus da guerra, tem como epítetos “funesto aos mortais”, “odioso”, “duas-caras”.

O filme ressalta que a guerra não é só entre nações, mas entre homens. Na Ilíada, os embates pessoais são o centro da obra. Começa como uma história de resgate de honra e termina ressaltando o valor da amizade, pois a glória de Aquiles dependeu da morte do amigo Pátroclo (no filme, seu primo). Os conflitos humanos são insignificantes perante os deuses e deidades mitológicas na Ilíada, mas toda a mitologia foi eliminada do filme, o que seria a graça da história. Sobrou a descrição de uma guerra, como qualquer outra.

A função poética da Ilíada é transmitir um conjunto de saberes literários, crenças, atitudes e valores de uma cultura, e seu caráter épico confere ao desejo de glória imperecível que domina o herói a base institucional e a legitimação social, sem as quais não seria senão fantasia subjetiva. A função de Tróia é mostrar como espetáculo uma guerra que está no imaginário ocidental há séculos.




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