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Os sem-noção
Carlos Brickmann
29/01/2014 | 07:00
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Às vezes o problema não é a quantia, nem a legalidade. Comprar um picolé e saboreá-lo ao lado de um garoto que pede pão envolve pouco dinheiro e é totalmente legal. Mas é indecente. É coisa de, para dizer o mínimo, gente sem noção.

Pode-se escolher um nome mais duro. Mas evitemos chamar de cafajestada um anúncio em rede nacional sobre as maravilhas do governo maranhense, enquanto no presídio de Pedrinhas nem houve tempo para lavar o sangue do chão.

Sua Excelência a governadora Roseana Sarney, a propósito, foi quem, no meio de toda a crise das decapitações, dispôs-se a abastecer a despensa do Palácio e de sua casa de praia com lagostas, camarões, uísque 12 anos. Sem noção.

Há crianças fora da escola, hospitais públicos em mau estado, às vezes sem remédios básicos. Temos presos amontoados em celas inadequadas, comandados pelo crime organizado. Mas não faltam verbas para os espetaculares edifícios dos tribunais – projetados, claro, por Niemeyer. Os prédios do STJ, TST e Procuradoria-Geral da República, mais um anexo do Supremo, custaram quase R$ 1,5 bilhão. Nos Estados Unidos, só o presidente da Suprema Corte tem carro oficial. Aqui, de desembargador para cima, todos têm carro oficial com motoristas. Sem noção.

Maria Antonieta, rainha da França, era popular. Mas os gastos da Corte e um presente que recebeu do marido, Luís 16 – o belo palácio Petit Trianon – foram mal vistos pelo país em crise. Ela, sem noção, só percebeu que seu prestígio se esvaíra quando o povo se revoltou. Como os presos do Maranhão, foi decapitada.

Mas a festa continua

Renan Calheiros, presidente do Congresso, foi flagrado duas vezes usando desnecessariamente aviões da Força Aérea Brasileira (numa delas, foi fazer um implante de cabelos no Recife). Cid Gomes, governador do Ceará, levou a família inteira, incluindo a sogra, para um passeio aos Estados Unidos, em avião fretado com recursos públicos. O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Joaquim Barbosa, está de férias na Europa, interrompe o descanso duas vezes, para duas palestras, e recebe onze diárias por isso, no valor de R$ 14 mil. A presidente Dilma Rousseff vai a Davos com uma comitiva monumental, fala do combate à pobreza e garante que o deficit público será controlado. Na viagem de volta, dá uma paradinha em Portugal, oficialmente para reabastecimento do avião, e ocupa 45 aposentos em dois dos hotéis mais luxuosos de Lisboa. Só sua suíte presidencial custa, a preço de balcão, R$ 26 mil reais por dia. A presidente poderia ter se hospedado na Embaixada do Brasil, um belo prédio seiscentista. E a noção?

Lisboa, bela cidade

E por que a presidente Dilma e a copiosa comitiva fizeram escala em Lisboa, já que saíram de Zurique com destino a Havana, em Cuba, onde inaugurariam um porto cubano feito com dinheiro brasileiro? Simples: segundo um grande jornal impresso, o avião precisava de reabastecimento por não ter autonomia para voar da Europa a Cuba. Tudo muito bom, tudo muito bem. Mas em que continente, mesmo, o cavalheiro que escreveu a notícia pensa que se localiza Portugal?

A marcha do cabelinho

O bloco Pacotão, formado por jornalistas, que desde 1977 desfila no Carnaval de Brasília (sua primeira marchinha era uma sátira devastadora ao Pacote de Abril, baixado pelo presidente militar Ernesto Geisel), já divulgou seu refrão para o Carnaval de 2014. Numa singela homenagem ao senador Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas, Bota o cabelo na testa, tira o cabelo da nuca, ficava mais barato ter comprado uma peruca. Mas, cá entre nós, Renan de cabelo novo, seguindo o exemplo do colega de partido Paulo Skaf, não vai ficar uma gracinha?

Palavras precisas

O presidente estadual do PT no Rio, Washington Quaquá (que, nas horas vagas, é prefeito de Maricá), já se declarou tranquilo com relação ao futuro dos companheiros petistas que estão sendo descartados de seus empregos públicos pelo governador Sérgio Cabral, do PMDB. Frase textual de Quaquá: “O pessoal vai se alocar no mercado”. Em tantos anos de jornalismo, poucas vezes este colunista viu um político falar de forma tão sincera, com palavras tão precisas, de seus colegas de partido.




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