Setecidades Titulo
Na vinícola, a sabedoria de 90 anos
Fabio Leite
Especial para o Diário
11/12/2005 | 08:16
Compartilhar notícia


As noites de segunda-feira na residência dos Balderi não poderiam ser melhores. Degustação de vinhos e licores bem acompanhada por pães caseiros com patê. Uma ceia tipicamente italiana. Entretanto, o encontro de amigos e familiares não teria um gosto especial se não fosse o senhor de cabelos brancos, movimentos lentos, mas totalmente lúcido, sentado ao centro da mesa.

Com vinho à meia taça e muita disposição, o patriarca da família, Letício Balderi, 90 anos completados no último dia 2, discorre, ainda que timidamente, do quase um século de histórias vividas em Santo André. Descendente de italianos – o pai morava numa cidade próxima a Piza e a mãe veio de Veneza em meados de 1900 –, Letício é um andreense com um pé na Itália.

É nos fundos de sua casa, na Vila Assunção, que Letício conserva há mais de 40 anos uma de suas maiores paixões: sua própria vinícola. Lá ele passa a maior parte do dia colocando em prática o ofício que aprendeu com o pai em 1935. Além do consumo próprio, o vinho feito com uvas catarinenses também esquenta o paladar dos clientes da Massaria Balderi, sustentada pelas filhas na própria casa.

E, se deixarem, Letício esquece do mundo em meio aos tonéis e garrafões de vinho. "Se a patroa não me chamar para comer, eu esqueço de tudo", conta. A patroa é dona Emília Manetti Balderi, 86 anos, com quem está casado há 65 anos. Embora conviva diariamente com a bebida, Letício diz que segue as instruções médicas, "só uma taça no almoço e outra na janta". Talvez seja esse o segredo da longevidade. "Nunca esperava chegar aos 90 anos. O tempo passa tão depressa", completa.

Também foi na casa de Letício que nasceu outra grande paixão: o Clube Bochófilo de Santo André. Extremamente modesto, ele nega, mas o currículo não esconde que o andreense foi um dos melhores jogadores de bocha do continente. "É o que dizem. Mas acho que não. Nunca me vi jogar", reluta. Entre as principais conquistas estão o hexacampenato paulista (1950 a 1955) e um terceiro lugar no torneio sul-americano realizado na Argentina na mesma década.

Infância – Pelas ruas de terra da "pacata" Senador Fláquer da década de 30, em Santo André, Letício era um garoto como os outros da época. Gostava de jogar fubeca, caxeta e um outro jogo que, pelo menos na roda de amigos e familiares da última segunda-feira, só ele conhecia: "botão na parede". "Você jogava o botão na parede e ele tinha que ficar o mais próximo possível do outro botão", explica. Talvez tenha vindo daí o talento para a bocha.

Com apenas o estudo primário completo, algo de se que envergonha um pouco, o andreense não temeu os desafios da vida. Trabalhou por quase dez anos na Pirelli, quando esta havia acabado de se instalar no país, outros tantos na Rhodia e demais fábricas da região. Do casamento com dona Emília, em 1945, vieram três filhos e seis netos.

Lamenta apenas as centenas de amigos que já se foram. São poucos que como ele conseguem chegar aos 90 anos e com a saúde que tem. Além do problema de audição, minimizado por um aparelho auditivo, Letício precisa apenas reforçar sua dieta com algumas vitaminas. Óculos só para a leitura matinal do Diário. Por isso, os próprios parentes e amigos não duvidam de que o ‘velhinho‘ chegue ao centenário.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;