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O ano cujo palco foi a luta por territórios
31/12/2017 | 06:45
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Não é possível encarar a produção de teatro paulistana desvinculando a cena da experiência de teatro de grupo. Isso não implica em dizer que o fruto desse tipo de pesquisa cênica esteve entre os mais saborosos de 2017. Para eles, o ano começou amargo com a notícia do congelamento de 43,5% do orçamento municipal para a Cultura.

Provando o poder mobilizador e sendo espinho na carne da atual gestão, os artistas estiveram nas ruas contra a descontinuidade de editais e, na internet, com vídeos e campanhas. O resultado, não tão animador, foi acompanhado de atrasos em pagamentos de prêmios e ocasionais descongelamentos dos recursos. A onda de protestos também alcançou as cerimônias de prêmios e festivais tradicionais no primeiro semestre. Na abertura da quarta edição da Mostra Internacional de São Paulo (MIT), no Teatro Municipal, apupos foram direcionados aos políticos, que não compareceram.

Na mesma mostra, inspirada no Festival Internacional de Teatro, criado pela atriz Ruth Escobar que morreu este ano, a peça Branco: O Cheiro do Lírio e do Formol despertou a crítica, que nunca escreveu tanto sobre um mesmo espetáculo. Ao ser acusada de racista, a montagem foi a bola da vez tal qual A Mulher do Trem, de 2015, impedida de estrear no Itaú Cultural, sob a mesma acusação. Agora, em Entrevista com Stela do Patrocinio, peça de mais de 10 anos, Georgette Fadel foi interrompida por parte da plateia que alegou que a atriz, branca, não poderia interpretar uma mulher negra.

Manifestações individuais à parte, as artes cênicas também sofreram com proibições oficiais. A performance de Wagner Schwartz, La Bête, no MAM-SP, quase provocou sua intimação para depor em uma CPI e até fake news circularam na internet afirmando que o artista fora assassinado enquanto voltava para o hotel em que estava hospedado. Em julho, o performer Maikon Kempinski foi detido em Brasília por se apresentar nu em DNA de DAN. Como resultado, o mesmo trabalho foi encenado em um galpão fechado no Sesc Belenzinho, diferente da proposta original de ser ao ar livre. A atriz trans Renata Carvalho também esteve na mira com O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, ao ser impedida pela Justiça de ser apresentar em Jundiaí.

Em outras batalhas, de ordem histórica e quase mítica, não há final aparente para o embate entre o Teatro Oficina e o Grupo SS. O projeto de construção das torres residenciais no terreno ao lado do teatro, tombado em 1983, recebeu novos episódios como uma reunião entre o diretor Zé Celso, Silvio Santos e o prefeito João Dória, sem trégua. Mais tarde, o Condephaat, órgão estadual, votou a favor do Grupo SS autorizando a construção no terreno ao lado do teatro da arquiteta Lina Bo Bardi - considerado o melhor do mundo pelo The Guardian.

Criou-se então na internet o movimento #VetaAsTorres que ganhou coro com o anúncio da privatização do Teatro Brasileiro de Comédia, pelo MinC. No mês de dezembro, a Justiça suspendeu duas vezes a sessão no Compresp - a derradeira antes da decisão -, lançando a guerra de Zé e Silvio para 2018. Por outro lado, o Oficina também festejou a volta de O Rei da Vela, espetáculo que completou 50 anos de estreia, ocasião em que sacudiu a São Paulo lançando a Tropicália na pista do teatro. Do elenco original, Renato Borghi embarcou no Abelardo I de 1967 com Zé Celso na direção e também no palco, e a cenografia tropicana de Hélio Eichbauer.

Também houve destaques que ultrapassaram fronteiras, seja na linguagem ou na geografia. O espetáculo Adeus Palhaços Mortos, da Academia de Palhaços, e a performance Cegos, do grupo Desvio Coletivo, figuraram na programação do World Stage Design 2017, em Taiwan. Já na Europa, a encenadora carioca Christiane Jatahy tem mais que carta branca para trabalhar. Depois das bem sucedidas temporadas de E Se Elas Fossem para Moscou e Senhorita Julia, a diretora dirigiu a trupe de Molière na Comédie-Française em A Regra do Jogo, uma adaptação do filme de Jean Renoir. Em 2018, Christiane promete nova montagem na Comédie inspirada na Odisseia, de Homero, com elenco mundial.

No quesito novos espaços, o brilhante Teatro de Contêiner, projeto da Cia Mungunzá, se tornou lugar mais que bem-vindo, movimentando a cena na Luz, com mostras e shows, e sobrevivendo à ação da polícia na Cracolândia. Já o espaçoso Sesc 24 de Maio agitou o Centro - e testou a paciência de quem queria assistir Conferência sobre Nada (2012), de Bob Wilson, na pequena sala de espetáculos. Os ingressos foram distribuídos a conta-gotas, minando a esperança dos que esperavam ver o diretor de Garrincha em cena.

Além da despedida de Ruth Escobar, 2017 foi para dizer adeus ao diretor musical Paulo Herculano, à atriz Eva Todor, ao ator Nelson Xavier e à atriz e cantora Rogéria.

E, para 2018, se as denúncias de assédio no cinema norte-americano servirem para ensinar algo, que encorajem as coxias paulistanas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.




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