Política Titulo Obscuro
Marco Zero viola regras de leilão

Pagamento terceirizado e criação de consórcio
com contrato firmado ferem edital em S.Bernardo

Por Gustavo Pinchiaro
Do Diário do Grande ABC
16/04/2015 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Pagamento terceirizado e formação posterior de consórcio na compra de terreno público de São Bernardo para construção do empreendimento de alto padrão Marco Zero, no Parque Anchieta, feriram regras do edital do leilão promovido pela Prefeitura. Na visão de juristas, o procedimento, em tese, é suficiente para cancelar o certame vencido pela Big Top 2, que se aliou à Even Construtora e Incorporadora S/A e à Braido Comercial e Administradora Ltda – derrotadas no processo – para repartir o pagamento de R$ 14 milhões pela área de 15,9 mil metros quadrados. Empresas negam irregularidades (veja mais abaixo).

O terreno foi leiloado em 10 de julho de 2008, ainda na administração de William Dib (PSDB), e arrematado pela Big Top 2, de propriedade de Milton Bigucci. O Diário teve acesso a documento datado do dia 15 de julho do mesmo ano – cinco dias depois do leilão – em que mostra que o empresário organizou carta de intenções para atuar como um consórcio ao lado da Even e da Braido na edificação do Marco Zero (veja fac-símiles abaixo). A proposta assinada pelas três construtoras repartiu de forma igualitária o pagamento dos R$ 14 milhões pelo espaço e destacou liderança de Bigucci. O documento não foi reconhecido em cartório, como determinam as regras do leilão.

O item 2.1.1 B2 do edital diz que é “facultada a reunião de pessoas jurídicas para fins de participação neste leilão”, mas permite apenas adesão de consórcios em caso de união formalizada antes do certame.

O Diário teve acesso a comprovantes de pagamentos ao Paço pelas duas construtoras que participaram e não venceram a concorrência – outras três estiveram no leilão: Absoluta Construtora e Incorporadora, Santos Pereira Construtora e Incorporadora e Construtora e Incorporadora Kabajá. A Braido pagou à Prefeitura, em 10 de novembro de 2008, por meio de transferência bancária, a quantia de R$ 843,27 mil. Já a Even efetuou duas transferências financeiras. A primeira foi de R$ 555,76 mil, em 10 de setembro, e a segunda de R$ 559,38 mil, em 10 de outubro.

A atitude contradiz o item 5.6 do edital. O artigo exige que apenas a arrematante do terreno, no caso a Big Top 2, pague pela área. “O pagamento junto à 2ª seção de fiscalização tributária (...) deverá ser feito através de TED (Transferência Eletrônica Direta) ou de cheque administrativo emitido pelo próprio arrematante ou seu representante legal.”

A conduta adotada após o leilão configura formação de cartel e pode inviabilizar a transação, segundo os juristas Alberto Rollo e Anderson Pomini. Especialistas destacaram que o edital funciona como a lei máxima de concorrências públicas e que a violação das regras, automaticamente, cancela o tramite.

“O procedimento correto seria cancelar o leilão e verificar se houve dano ao erário. Ocorreu afronta ao edital, isso não pode ocorrer”, afirmou Rollo. Para Pomini, o desfecho da venda do terreno “cheira mal”. “Parece mais cartel do que um leilão. É ilegal. É caso típico de impugnação. A partir do momento em que se inicia a formação de consórcio, entendo que todos os atos já estão maculados.”

A venda do terreno público para construção do Marco Zero foi alvo do Ministério Público. No entanto, o inquérito, que não se ateve aos apontamentos desta reportagem, foi arquivado. Os motivos apontados pela Promotoria de São Bernardo e homologado pelo Conselho Superior do MP foram que não estavam evidenciados “elementos que permitam comprovar quebra de competitividade ou subfaturamento, a ensejar danos ao erário”. Há possibilidade de reabertura da investigação em caso de novos elementos não aferidos anteriormente.

Governo Marinho cita lisura do processo; Dib não se manifesta

O governo do prefeito Luiz Marinho (PT), de São Bernardo, afirmou, por nota, que o leilão do Marco Zero seguiu todas as regras do edital.

“A Prefeitura de São Bernardo, por meio da Procuradoria Geral do Município, informa que as alienações de bens, móveis e imóveis, efetuadas por este município seguem rigorosamente os princípios e as diretrizes estabelecidos pela Lei Geral de Licitações. Com base nestes procedimentos legais, o município procedeu ao leilão da área pública em questão, o qual foi precedido de idônea avaliação de preço”, comentou.

A administração petista declarou que todos os trâmites seguiram as regras do edital, que “se ampararam irrestritamente nas normas legais, conferindo a idônea publicidade e isonomia aos interessados”. “Assegurou-se assim a lisura e a legalidade do certame, com a obtenção da proposta mais vantajosa, alcançando a finalidade prescrita em lei e o interesse público almejado.”

Já o ex-prefeito William Dib (PSDB), que exercia o cargo à época do leilão, não se manifestou oficialmente sobre o caso.

Proprietário do terreno, Bigucci diz que caso é ‘uma bobagem’

Proprietário da Big Top 2, compradora do terreno de 15,9 mil metros quadrados que pertencia a São Bernardo, Milton Bigucci afirmou que o caso é “uma bobagem”, negou ter firmado consórcio com outras construtoras e disse ter respeitado as regras do leilão.

“Isso é uma bobagem, não vamos mudar as regras do jogo. Não sei quem lhe deu o número do meu telefone porque não era nem para você tê-lo. Meu departamento jurídico vai responder aos questionamentos”, reclamou Bigucci, por celular.

Em nota, o empresário afirmou que, após ter vencido o leilão com o maior lance, R$ 14 milhões, o terreno, mesmo sem estar totalmente pago, passou a ser 100% dele. Entretanto, o item 6.1 do edital contradiz Bigucci, já que informa que o município só iria outorgar a escritura definitiva da área depois de pagamento integral do valor acordado.

“Não há e nunca houve nenhuma sociedade no terreno e, mesmo que houvesse, isto não seria nenhuma ilegalidade, haja vista que a Big Top 2, enquanto proprietária de 100% do terreno, pode fazer o que melhor lhe convier com o mesmo”, informou, apesar de o Diário ter tido acesso à carta de intenções que formalizou o consórcio com a Even Construtora e Incorporadora e a Braido Comercial e Administradora.

A empresa ainda destacou que, em razão do arquivamento da investigação do Ministério Público e aprovação do leilão pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado), o empreendimento tem garantia e estabilidade jurídica. “Não houve prejuízo a ninguém, muito menos à Prefeitura. Com o recebimento integral das parcelas do preço, a Prefeitura outorgou quitação geral e irrevogável.”

A equipe do Diário esteve na sede da Even e da Braido ontem. A primeira afirmou, por meio de nota, que o caso foi arquivado no MP e que por isso não se pronunciará. Funcionários da recepção da Braido repassaram informação do diretor João José Dario que a “parceria não existe mais”.




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