Cultura & Lazer Titulo
Democracia musical
Por Gislaine Gutierre
Do Diário do Grande ABC
03/09/2006 | 19:37
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Na próxima quarta-feira, cerca de 50 pessoas da Orquestra de Violeiros das Comunidades de Mauá embarcarão num ônibus com destino ao Rio Grande do Sul. Será a viagem mais longa do grupo e certamente um destino inédito para a maioria. Eles têm um motivo muito especial para encarar os quase mil quilômetros - só de ida - que os separam da Serra Gaúcha: as seis apresentações que farão em quatro cidades - Santa Lúcia do Piaí, Gramado, Canela e Caxias do Sul.

A notícia da ‘turnê’ deixou os músicos em polvorosa. Os que vão, não escondem a ansiedade; os que ficam, lamentam a ausência e torcem por uma próxima oportunidade. É que muitos permanecerão em Mauá: em seu terceiro ano de existência, a Orquestra já tem aproximadamente 140 integrantes, mas só vão os que puderam desembolsar R$ 180 que cobrem todas as despesas. O grupo será acolhido pelo Seminário dos Cônegos, em Santa Lúcia do Apiaí, se apresentará em missas e praças, além de fazer passeios. A volta será no dia 11.

Comunitário - Verdade que a intenção de João Aletto Filho, fundador e maestro, é ensinar música com qualidade, dentro de um repertório que inclui música sacra, caipira e folclore brasileiro. No entanto, o que se sobressai é o clima comunitário e o espírito democrático do grupo, formado por donas de casa, trabalhadores, desempregados e estudantes, com idades entre 5 a 73 anos. Gente como o sanfoneiro Raimundo Custódio Filho, de 73 anos (na foto acima) que aprendeu a tocar o instrumento ainda jovem, na roça, e que até levou para o grupo um menino “danado”. “Agora ele tá bom no violão e no piano e até ajuda a igreja, na parte elétrica”, diz o mestre, orgulhoso.

Apesar do nome Violeiros, viola, na orquesrtra, só tem uma. O que não chega a ser problema num conjunto que comporta a massa sonora de 50 flautas doces, 40 violões, coral de 40 vozes, 3 sanfoneiros, um violinista e, pasme, dois berranteiros. São três grupos que ‘abastecem’ a formação: o Conjunto de Flauta Doce, o Coral das Comunidades (que só canta música religiosa) e a própria orquestra, com seus violões. “Quanto mais gente tiver, melhor”, diz Aletto, que ainda pretende colocar dez berranteiros e distribuir apitos que imitam cantos de pássaro para as crianças fazerem suas intervenções.

“Só não abro mão de me apresentar com as flautas. Esta é uma marca registrada”, enfatiza Aletto. É nesse grupo que está a maior parte das crianças. E este é, de cara, um dos diferenciais em relação à Orquestra de Violeiros de Mauá, fundada há 16 anos pelo próprio Aletto, que deixou o grupo em 2001.

Longe de alimentar rivalidaes, o maestro diz: “Somos a irmãzinha caçula deles. Gostaríamos de convidá-los para, em breve, fazermos o primeiro encontro das duas orquestras. Isso seria histórico, porque no Brasil, Mauá é a única cidade com duas orquestras do tipo”.

O Conjunto de Flauta Doce já gravou 2 CDs cuja venda, a R$ 15 cada unidade, ajuda a manter a orquestra. E em breve a orquestra também terá seu próprio CD. Como fonte, há também a mensalidade de R$ 5, que nem todos podem pagar.

Aletto, que ganha dois salários mínimos para trabalhar de domingo a domingo, comanda ainda outro grupo de flauta doce mantido pelo Mauá Plaza Shopping, onde recebe outro tanto. Pretende, dentro desse espírito democrático, reunir os dois grupos em um concerto.

“Não saberia viver sem isso. É a minha vida. É um projeto social, sim, mas dizer que afasta as crianças da rua, não é só isso. É uma oportunidade das pessoas desenvolverem seus talentos musicais no próprio bairro. É um direito que todos têm, independentemente do professor. Tem tanta gente com dons. Se a gente colocasse esses dons a serviço da comunidade, cada um de sua forma. a vida seria melhor”.

Site: www.institutoculturalspa.org.br



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