Setecidades Titulo Violação dos direitos humanos
Negligência gera três denúncias por dia

Levantamento do Ministério dos Direitos Humanos na região aponta 1.034 registros por falta de cuidado

Por Tauana Marin
Do Diário do Grande ABC
20/05/2018 | 07:00
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Agência Brasil


Os casos de negligência lideram os registros denunciados via Disque 100 do Ministério dos Direitos Humanos no Grande ABC ao longo de 2017. No total, das 2.641 queixas, 40% estão atreladas à falta de cuidado, o correspondente a quase três reclamações por dia.

De acordo com a advogada mestre em Direito Penal e docente da Faculdade de Direito de São Bernardo Célia Regina Nilander de Sousa, negligência é quando uma pessoa deixa de tomar alguma atitude diante de uma situação, mesmo tendo condições de ajudar. “Há os casos médicos, os familiares, aqueles que envolvem crianças. Por exemplo, quando, por falta de algum tipo de cuidado, a pessoa vem a morrer, é negligência. Muitas vezes, ou na maioria delas, os responsáveis não têm a intenção de prejudicar, mas deixam de agir corretamente.”

A dona de casa Jessica de Jesus Menezes, 30 anos, de Ribeirão Pires, acredita que não fosse pela negligência de médicos, seu filho Yago Ruan, 10, teria qualidade de vida. O menino, atualmente internado em hospital público da Capital, foi diagnosticado com câncer neurológico aos 2 meses de vida. “A doença progrediu muito, mas quando ele era mais novo, os médicos interromperam o tratamento por dois anos, alegando que não era mais preciso. E ele só piorou. Não fosse por isso, viveria mais e melhor”, acredita a mãe.

Insumos como fraldas, gazes e até mesmo a alimentação diferenciada só foram adquiridos gratuitamente depois de Jessica entrar com processo contra o Estado. “Nunca obtive ajuda nenhuma dos órgãos públicos. A cama dele e os instrumentos necessários para a parte respiratória  consegui por doação de outras mães, que passam pelas mesmas coisas. Meu filho depende 24 horas de mim e não tenho como trabalhar”, explica Jessica, que recebe R$ 800 de benefício pela condição do filho. O valor é usado para pagar o aluguel, além de gastos com luz e água, alimentação e medicamentos. “A conta nunca fecha. Não tenho família aqui, sou da Bahia, e o pai dele mora lá. Sou os olhos dele. Enquanto ele respirar, vou lutar por seus direitos.”

A situação de Yago é delicada. No hospital, o menino recebe cuidados paliativos, já que a doença não tem mais como ser freada. “É importante dizer a outras pessoas que todos temos direitos. Não é fácil conquistá-los, mas temos”, ressalta Jessica.

“Toda situação que viola a vida de uma pessoa é um crime. Essa é a função de um disque denúncia, dar voz às pessoas que estão tendo seus direitos violados. É um crime contra a humanidade. Todos têm garantias de uma vida digna”, destaca a advogada.

TIPOS

Além da negligência, outros tipos de violação dos direitos humanos podem ser denunciados ao Disque 100. De acordo com o levantamento, a violência psicológica foi o segundo tipo de reclamação mais apontado no ano passado (26% do total). Na sequência aparecem a violência física (18%) e o abuso financeiro/violência patrimonial (5,49%).

“Em nosso País, é difícil falar em dignidade. Muitas pessoas não têm condições, moram nas ruas. Outras sofrem agressões, como muitas mulheres. Todos devem denunciar, notificar a polícia. Hoje, as denúncias são anônimas, mas eficazes. Então vizinhos, pessoas próximas, podem ajudar uma vítima. A Lei Maria da Penha (11.340/2006), por exemplo, é um avanço na questão dos direitos. Quantas mulheres se libertaram, se conscientizaram?”, observa Regina.

Um quarto das reclamações envolve idosos

Conforme o levantamento realizado pelo Ministério dos Direitos Humanos no Grande ABC, um quarto dos casos denunciados via Disque 100 é relacionado a violações de direitos dos idosos. No total, foram 348 reclamações do tipo no ano passado – 25,78% das 1.350 registradas dentro do grupo de violação, que envolve ainda crianças e adolescentes (824 chamados), igualdade racial (um), LGBT (11), pessoas com deficiência (98) e em restrição de liberdade (41), população em situação de rua (12) e outros (15). Vale ressaltar que cada pessoa pode fazer mais de uma denúncia, por isso o total de queixas é maior que o volume de reclamantes.

Não à toa, a região conta com distritos policiais especializados para crimes do tipo. Os principais abusos são psicológico e financeiro. “De seis meses para cá, houve aumento entre 20% e 30%”, exemplifica Armando Correia, chefe dos investigadores da Delegacia do Idoso de Santo André (Rua Filinto de Almeida, 123, Vila Boa Vista).

Segundo Correia, geralmente as denúncias são feitas por conta de problemas com familiares. “Infelizmente, muitos filhos, por exemplo, acabam assumindo a vida financeira do idoso, tirando sua autonomia, até mesmo para uso próprio. A questão psicológica também é muito presente, a forma como são tratados, principalmente se adoecem.”

No entanto, Correia observa que 95% das denúncias acabam sendo inconsistentes. “Quando chega a notificação do (Ministério dos) Direitos Humanos para nós, a primeira coisa a se fazer é pesquisar para saber se há registros passados que envolvem a família e o idoso. Apuramos o texto do denunciante. Depois vamos até o local e conversamos com o idoso, com as partes envolvidas, falamos com testemunhas possíveis, como vizinhos, e, claro, verificamos a condição do denunciante, parte física, local em que fica”, detalha o investigador.

Se o caso ocorre numa clínica de repouso, por exemplo, a Vigilância Sanitária e o setor de assistência social também são acionados (dependendo do caso, até a promotora do idoso). Se for efetivada a denúncia, o inquérito é instaurado, acompanhando e julgado.

De acordo com a psicóloga clínica da Associação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas do Grande ABC Aline Lopes Bezerra, o que falta, muitas vezes, é o idoso ter a informação do que é ou não abusivo. “Falamos muito sobre o que não é aceitável, mesmo que venha de um filho. O que acontece é que nessa fase da vida muitos se sentem sozinhos, até mesmo abandonados. Alguns até desenvolvem quadro depressivo. Nos atendimentos, as queixas são frequentes em relação a isso.”

Aline conta que muitos parentes acabam ‘pegando’ empréstimo no nome dos aposentados, por terem facilidades, como taxa de juros, e essas pessoas acabam não arcando com as prestações. “Os idosos passam a adquirir uma dívida que não é deles, deixam de comprar alimento e remédio, mas sofrem com isso para não precisar brigar com aqueles que ama. Tentamos passar para eles que não podem aceitar essas coisas e precisam olhar para seus direitos, na vida pessoal, financeira. Em tudo.”  




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