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Pêra, a prima pobre da maçã
Sílvio Lancellotti
Especial para o Diário
29/07/2007 | 07:10
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Em estado selvagem, a pêra tem, ao menos, cerca de quatro mil anos de idade. Originou-se, provavelmente, na Europa Central – e, aos poucos, os seus pomares se espalharam na direção de Portugal e da Grã-Bretanha, a oeste, e de regiões da Ásia, a leste.

Naquele tempo, o homem já conhecia e já preferia a maçã, também uma fruta das Rosáceas. Preferia porque a maçã nativa exibia um aroma mais agradável e um sabor mais apetecível.

Amarga em demasia, a pêra selvagem só não afugentava determinados insetos lepidópteros, como as borboletas e as mariposas – que, na sua casca, depositavam as suas larvas.

DESVANTAGEM?
Talvez por isso o homem decidiu domá-la. Cuidados com o solo, com a poda de galhos, com a criação de novas sementeiras, transformaram os povos romanos em mestres no cultivo da pêra, antes mesmo de introduzirem a maçã no rol dos seus hábitos agrícolas.

No decorrer das eras, de todo modo, a maçã assumiria uma primazia majestosa: hoje, para 7,5 mil tipos diferentes de maçã, colhidos no mundo inteirinho, existem somente 850 variedades de pêra.

Ruim para a pêra? Não necessariamente. Duas das suas 850 variedades, afinal, parecem imbatíveis em comparação a qualquer dos tipos de maçã.

WILLIAMS
Primeiro, aquela que, no século XVII, um certo Williams, horticultor de Berkshire, Inglaterra, evoluiu a partir de mudas compradas de John Stair, um professor vizinho que não dispunha de tempo para cuidá-las.

Fascinado com a Williams, em 1812 o viajante Enoch Bartlett a implantou em Massachusetts, Estados Unidos, e a rebatizou com seu nome. Quem prova uma Williams, ou uma Bartlett, logo depois de colhida, não esquece a experiência.

No visual, se trata de uma fruta deslumbrante, de casca verde com máculas avermelhadas e/ou amareladas; no desfrute, o seu sumo faz delirarem as papilas gustativas.

COMICE
Segundo, a Comice, que cientistas norte-americanos desenvolveram, no Oregon, Estados Unidos, em meados do século XIX, a partir de sementeiras francesas. Seu apelido: “Rainha no Universo da Pêra”.

Extremamente macia, a Comice pede maneiras meiguíssimas ao ser colhida, embrulhada em papel-de-seda, embalada em caixas bem rasas e transportada suavemente. Um esbarrão basta para machucar a sua superfície. Daí, claro, o seu preço bem mais alto do que qualquer fruta.

No Oregon, uma Comice chega a custar o equivalente a vinte reais. É dificílimo, praticamente impossível, encontrá-la em plagas mais distantes. Vale o sacrifício da procura, porém. Desfruta-se tal preciosidade com uma colher, mesmo, como se a sua polpa fosse um mingau refrescante.

Uma ironia, a pigmentação rubra que a Williams assume funciona como uma sinal de resistência às doenças – mas, no ponto em que exibe a pele mais avermelhada a pêra tem a polpa um tanto mais rija.

Nenhum problema em comê-la como sobremesa e mesmo na parceria de queijos, do Camembert ao Brie, do parmesão ao pecorino, inclusive o bem radical Gorgonzola, que se provam seus colegas impecáveis.

No entanto, uma pêra que vá à panela, ou ao forno, precisa ser homogênea e revelar, na sua casca, uma tonalidade só, de preferência verde.

A seguir, dicas interessantes sobre o parentesco entre a pêra e a maçã e sobre as suas propriedades nutrientes. Mais, como sempre, duas receitas, uma da lavra de meu avô Giovanni Battista, que adorava a pêra em molhos pungentes, e a clássica franco-italiana, levemente cozida no vinho.

Saiba mais

Um parentesco sem amizade
- Apesar do seu parentesco botânico, a pêra e a maçã simplesmente não conseguem manter bons laços de amizade.

- Já faz séculos que o homem tenta casá-las – como fez, por exemplo, com o pêssego e com a ameixa, no nobre matrimônio que redundou na nectarina.

- Enxerta-se um ramo de pereira numa macieira e a planta morre. Enxerta-se um ramo de macieira numa pereira e a planta falece.

- Acontece que, por sua própria natureza, diante da rusticidade e da resistência da maçã, a pera é muito mais sutil, e muito mais vulnerável.

-Mesmo como fruta de base, na fabricação de aguardentes, a maçã leva uma enorme vantagem: o seu brandy, o Calvados, é infinitamente superior à Poire, uma bebida destilada que só fica palatável quando servida bem gela0,dinha.

- O saudoso Ulysses Guimarães, o “Senhor Diretas”, idolatrava um gole de Poire.

Muitos nutrientes e poucas calorias

- A pêra é a fruta essencial de quem precisa crescer ou até convalescer de um mal qualquer.

- Bastante rica nas vitaminas do chamado Complexo B, ajuda na revigoração dos ossos, dos dentes e das unhas, na regulagem do sistema nervoso e do aparelho digestivo – e, principalmente, na tonificação do músculo cardíaco.

- Ótimos teores das vitaminas A e C, além de sais mineraisoro, o Enxofre, o Magnésio, o Ferro, o Silício e o Sódio, se somam às poucas calorias que requer ao ser ingerida, meras 53 por cada cem gramas.

- A sua providencial quantidade de fibras ainda faz a pera excelente contra a prisão-de-ventre e os males da bexiga.

- De textura leve e delicada, invariavelmente perfumada e sumarenta, de absorção veloz e suave, concede prazer a um doente mesmo nas dietas mais sacrificantes.

Receitas

PÊRA GRELHADA DO VÔ BATTISTA
Ingredientes, para uma pessoa: 1/2 xícara, de chá, de iogurte natural. 1 colher, de sopa, cheia, de pedacinhos de queijo do tipo Gorgonzola, bem amolecido à temperatura ambiente. 1 colher, de sopa, de azeite de olivas. 1 colher, de sopa, bem cheia, de folhas picadinhas de hortelã. 1 pêra Williams.

Modo de fazer: Em uma cumbuca, misturar o iogurte e o Gorgonzola. Passar numa peneira bem fina. Ao resultado, agregar o azeite e a hortelã. Mexer e remexer, até obter uma emulsão. Aparar as pontas da pera e cortá-la ao meio, no sentido da sua altura. Delicadamente, eliminar as sementes. Numa frigideira ranhurada, levemente untada com mais azeite, em fogo médio, dourar as metades da pêra, com a polpa para baixo, três minutos. Colocar as metades num prato. Cobrir com o molho. Enfeitar com um ramo de hortelã.

PÊRA NO VINHO TINTO
Ingredientes, para uma pessoa: 1/2 litro de vinho tinto, bem seco, de ótima qualidade. 1 haste de canela. 3 dentes de cravo. 1 pêra Williams, verde.

Modo de fazer: Despejar o vinho uma panela funda e estreita. Colocar a canela e o cravo. Levar à fervura. Paralelamente, com o máximo de cuidado, descascar a pêra. Depositá-la na panela com o vinho. Cozinhar, por cinco minutos, banhando e rebanhando com uma concha. Retirar, escorrer e servir.

Observação: Não desperdice o vinho da preparação da pêra. Aproveite para cozinhar mais algumas unidades – ou para bebê-lo, nestas noites de frio.



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