Em estado selvagem, a pêra tem, ao menos, cerca de quatro mil anos de idade. Originou-se, provavelmente, na Europa Central – e, aos poucos, os seus pomares se espalharam na direção de Portugal e da Grã-Bretanha, a oeste, e de regiões da Ásia, a leste.
Naquele tempo, o homem já conhecia e já preferia a maçã, também uma fruta das Rosáceas. Preferia porque a maçã nativa exibia um aroma mais agradável e um sabor mais apetecível.
Amarga em demasia, a pêra selvagem só não afugentava determinados insetos lepidópteros, como as borboletas e as mariposas – que, na sua casca, depositavam as suas larvas.
DESVANTAGEM?
Talvez por isso o homem decidiu domá-la. Cuidados com o solo, com a poda de galhos, com a criação de novas sementeiras, transformaram os povos romanos em mestres no cultivo da pêra, antes mesmo de introduzirem a maçã no rol dos seus hábitos agrícolas.
No decorrer das eras, de todo modo, a maçã assumiria uma primazia majestosa: hoje, para 7,5 mil tipos diferentes de maçã, colhidos no mundo inteirinho, existem somente 850 variedades de pêra.
Ruim para a pêra? Não necessariamente. Duas das suas 850 variedades, afinal, parecem imbatíveis em comparação a qualquer dos tipos de maçã.
WILLIAMS
Primeiro, aquela que, no século XVII, um certo Williams, horticultor de Berkshire, Inglaterra, evoluiu a partir de mudas compradas de John Stair, um professor vizinho que não dispunha de tempo para cuidá-las.
Fascinado com a Williams, em 1812 o viajante Enoch Bartlett a implantou em Massachusetts, Estados Unidos, e a rebatizou com seu nome. Quem prova uma Williams, ou uma Bartlett, logo depois de colhida, não esquece a experiência.
No visual, se trata de uma fruta deslumbrante, de casca verde com máculas avermelhadas e/ou amareladas; no desfrute, o seu sumo faz delirarem as papilas gustativas.
COMICE
Segundo, a Comice, que cientistas norte-americanos desenvolveram, no Oregon, Estados Unidos, em meados do século XIX, a partir de sementeiras francesas. Seu apelido: “Rainha no Universo da Pêra”.
Extremamente macia, a Comice pede maneiras meiguíssimas ao ser colhida, embrulhada em papel-de-seda, embalada em caixas bem rasas e transportada suavemente. Um esbarrão basta para machucar a sua superfície. Daí, claro, o seu preço bem mais alto do que qualquer fruta.
No Oregon, uma Comice chega a custar o equivalente a vinte reais. É dificílimo, praticamente impossível, encontrá-la em plagas mais distantes. Vale o sacrifício da procura, porém. Desfruta-se tal preciosidade com uma colher, mesmo, como se a sua polpa fosse um mingau refrescante.
Uma ironia, a pigmentação rubra que a Williams assume funciona como uma sinal de resistência às doenças – mas, no ponto em que exibe a pele mais avermelhada a pêra tem a polpa um tanto mais rija.
Nenhum problema em comê-la como sobremesa e mesmo na parceria de queijos, do Camembert ao Brie, do parmesão ao pecorino, inclusive o bem radical Gorgonzola, que se provam seus colegas impecáveis.
No entanto, uma pêra que vá à panela, ou ao forno, precisa ser homogênea e revelar, na sua casca, uma tonalidade só, de preferência verde.
A seguir, dicas interessantes sobre o parentesco entre a pêra e a maçã e sobre as suas propriedades nutrientes. Mais, como sempre, duas receitas, uma da lavra de meu avô Giovanni Battista, que adorava a pêra em molhos pungentes, e a clássica franco-italiana, levemente cozida no vinho.
Saiba mais
Um parentesco sem amizade
- Apesar do seu parentesco botânico, a pêra e a maçã simplesmente não conseguem manter bons laços de amizade.
- Já faz séculos que o homem tenta casá-las – como fez, por exemplo, com o pêssego e com a ameixa, no nobre matrimônio que redundou na nectarina.
- Enxerta-se um ramo de pereira numa macieira e a planta morre. Enxerta-se um ramo de macieira numa pereira e a planta falece.
- Acontece que, por sua própria natureza, diante da rusticidade e da resistência da maçã, a pera é muito mais sutil, e muito mais vulnerável.
-Mesmo como fruta de base, na fabricação de aguardentes, a maçã leva uma enorme vantagem: o seu brandy, o Calvados, é infinitamente superior à Poire, uma bebida destilada que só fica palatável quando servida bem gela0,dinha.
- O saudoso Ulysses Guimarães, o “Senhor Diretas”, idolatrava um gole de Poire.
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