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Região gasta R$ 3 mi com demandas judiciais por remédios

É o reflexo do aumento de pessoas que têm procurado garantir o custeio dos medicamentos via Justiça

Por William Cardoso
Do Diário do Grande ABC
12/10/2008 | 07:01
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O Grande ABC gastou cerca de R$ 3 milhões até o início deste mês com a compra de remédios de alto custo e equipamentos médico-hospitalares por determinação judicial. A situação é reflexo do aumento de pessoas que têm procurado garantir o custeio dos medicamentos via Justiça.

Exemplo emblemático da situação é o que ocorre em São Caetano, onde a Diretoria de Saúde viu crescer cinco vezes, em menos de um ano, o gasto destinado a cobrir as determinações para atendimento a pacientes.

A cidade não é a única a enfrentar este tipo de problema. As liminares se acumulam em toda a região. Em Santo André, o volume financeiro empenhado para a compra de remédios e equipamentos solicitados por pacientes e determinados por juízes cresceu 50%. Mauá gastou, até outubro, mais do que o dobro do investido no ano passado inteiro.

Em Diadema, os gastos continuam estáveis, embora estejam longe daquilo que é considerado ideal pela Secretaria de Saúde.

São Bernardo é a exceção no quadro regional. Até agora, a Prefeitura consumiu cerca de 30% a menos em relação a período igual do ano passado. A explicação dada pela administração é de que a Procuradoria do Município tem conseguido recursos contra as ações que fatalmente terminariam em liminares. O número de processos em trâmite aumenta, mas diminui a concessão. Outro motivo seria o atendimento espontâneo, desde que o receituário seja expedido por serviços públicos e que o medicamento não seja padronizado.

O questionamento dos gestores públicos é até que ponto os medicamentos novos e caros não poderiam ser substituídos por outros mais baratos e com o mesmo efeito. O problema levantado por quem despende verba pública esbarra em outro dilema relevante, entre a necessidade real do paciente e um possível conforto dispensável.

O suposto lobby da indústria farmacêutica e a cooptação de advogados em ações planejadas para a introdução no mercado de remédios que ainda não tiveram patentes quebradas - e por isso mesmo, mais caros - também está na pauta do dia.

O poder Judiciário participa da discussão e argumenta que quem deve refutar os laudos provocadores das liminares são os advogados do poder público, pois isso não seria competência dos juízes.

Um exemplo bem-sucedido da ação dos gestores públicos foi a criação de protocolo para fornecimento de medicamentos a portadores do HIV (o vírus da Aids) no passado. Atualmente, não se registra caso em que paciente com Aids necessite de auxílio judicial para obter remédio.

Ex-presidente da Anvisa cobra ação de gestores públicos

Ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Gonzalo Vecina Neto, defende a atuação propositiva dos gestores para resolver a questão das demandas judiciais em excesso. "De um lado, há de fato o abuso, mas também existem falhas no gerenciamento, e isso é um problema do poder público", explica.

Professor doutor da Faculdade de Saúde Pública da USP, Vecina Neto afirma que os responsáveis pelo setor precisam se organizar e estabelecer parâmetros que possam ser utilizados antes que as ações cheguem ao Judiciário. "O gestor público é fundamental para definir os protocolos e discutir com a Justiça a melhor forma de se tratar a doença, tanto do ponto-de-vista econômico, quanto da saúde", afirma.

Membro do grupo que auxiliou o então ministro da Saúde, José Serra, a quebrar patentes de remédios contra a Aids, o ex-presidente da Anvisa cita justamente o caso de portadores de HIV como emblemático. "Atualmente, não se vê pacientes soropositivos entrando com ações contra o Estado para a concessão de medicamentos, diferentemente das outras áreas", diz.

Ele minimiza o papel do poder Judiciário por si só. "O Executivo é que tem de demonstrar que o direito é respeitado", aponta.

Aumento de liminares assusta secretários

Os secretários municipais de Saúde do Grande ABC estão em alerta com o crescimento de demandas judiciais para a compra de medicamentos. Os gestores apontam sobreposição do direito particular em detrimento do coletivo e solicitações abusivas como os principais motivos deste aumento drástico. Porém, reconhecem que parcela considerável dos processos é de quem depende do poder público para sobreviver com dignidade.

A situação de São Caetano chama a atenção pela diferença no volume de gastos nos últimos meses. "De forma geral, as ações de marketing de laboratórios farmacêuticos têm chegado ao ponto de fornecer até mesmo assessoria jurídica para pacientes. É uma estratégia que já vem de um tempo e agora tem ocorrido com mais freqüência", aponta a diretora de Saúde e Vigilância Sanitária, Regina Maura Zetone.

O secretário de Saúde de Mauá, Valdir Russo, também critica parte das ações. "Isto não é uma questão de Saúde pública, mas sim uma atitude oportunista. Deixa-se de atender o público em geral para acatar interesses pessoais. É preciso um amplo debate, ou teremos graves problemas de orçamento", explica.

Em Santo André, as demandas cresceram cerca de 50% neste ano. "É preciso investigar e apurar essa situação, porque há associações de doentes crônicos amparadas por laboratórios que querem colocar produto de alto custo no mercado", afirma o secretário de Saúde, Homero Nepomuceno Duarte.

O secretário de Santo André compara o problema a uma viagem de avião. "Não estamos negando o direito de se chegar ao destino. Apenas questionamos a necessidade de que seja com bilhete de primeira classe", explica.

O assessor da Secretaria de Saúde de São Bernardo, Alessandro Neves, diz que o órgão municipal tem tentado coibir a prática. "Fazemos levantamento social e encaminhamos ao setor jurídico. Descobrimos até pessoas que viviam bem." Em Ribeirão Pires, o secretário Ednaldo Paulo dos Reis diz receber "demandas aos quilos".

Em 2007, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, empenhou cerca de R$ 1 bilhão para atender 300 mil pessoas com remédios de alto custo. E gastou outros R$ 400 milhões para atender pessoas que garantiram o medicamento por meio de 30 mil ações judiciais. 

Aposentado economiza R$ 600 por mês

Morador de São Caetano, o aposentado Achile Chin, 76 anos, garantiu o direito de receber da Prefeitura a insulina de ação rápida para atenuar os problemas decorrentes da diabete. Com isso, consegue economizar o equivalente a R$ 600 por mês.

Ele procurou ajuda jurídica e, baseado em laudo médico, afirmou, em depoimento perante o juiz, que não teria condições de arcar com as despesas do tratamento. A Justiça então determinou a entrega do medicamento ao aposentado, como costuma ocorrer nestes casos.

Chin trabalhou por 33 anos na montadora GM, luta ainda contra um câncer e leva uma vida de classe média. Porém, caso saísse do próprio bolso, o gasto com medicamentos poderia consumir a casa e o automóvel que conseguiu comprar com suas economias. "Fiz questão de explicar isso ao juiz. Não quero me desfazer do que consegui com muito sacrifício."

Também aposentada, Bartira Martins, 58, trabalhou durante quase toda a vida como telefonista. Ela passou por quimioterapia para se livrar de um câncer no intestino, e conseguiu o medicamento ministrado por via oral. "Caso contrário, seria obrigada a passar por uma internação bastante dolorosa, que iria me consumir", explica.

A aposentada afirma que não teria como arcar com os custos se não conseguisse o medicamento pela via judicial. "Foram seis ciclos, e cada um custaria entre R$ 2.500 e R$ 3.000. Seria impossível arcar com esse valor com aquilo que recebo", diz.




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