Política Titulo Entrevista
‘Administrações devem sair do casulo onde se encastelaram’
Wilson Moço
Do Diário do Grande ABC
15/01/2017 | 06:00
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Analista, consultor político e professor de Comunicação Política da USP (Universidade de São Paulo), Gaudêncio Torquato avalia que o eleitorado está mais crítico e exigente, quer participar mais do processo decisório e, por isso, “as administrações municipais devem sair do casulo onde se encastelaram”. Não por acaso, critica o PT por ter se acomodado com a chegada ao poder e virado as costas para determinados princípios, como a transparência, o zelo, a disciplina, a meritocracia, a eficiência e a eficácia.

E o cientista político entende que esse comportamento do partido, anabolizado pelos escândalos de corrupção investigados pela Operação Lava Jato, foi determinante para que o PSDB e seus aliados conseguissem desmontar o chamado ‘cinturão vermelho’ na Região Metropolitana de São Paulo.

Com a língua afiada, diz que o PT está sangrando e que a derrota no Grande ABC, berço do partido, “estiola sua identidade”.

Nesta entrevista ao Diário, Gaudêncio Torquato fala também da eleição presidenciail de 2018, na qual descarta a participação de Lula como candidato do PT. No entanto, diz que se ele disputar e houver racha no ninho tucano terá chances de vitória. Mas não acredita que o PSDB vá jogar fora a chance de chegar à Presidência, assim como não acredita que o presidente Michel Temer vá tentar a reeleição: “Vejo Michel Temer como o grande comandante do pleito de 2018.

O PSDB e partidos aliados conseguiram desmontar o chamado ‘cinturão vermelho’ na Grande São Paulo, tirando o PT do poder em importantes cidades, inclusive na Capital, onde um estreante na política venceu no primeiro turno, algo impensável até a contagem dos votos. A nova hegemonia é boa ou ruim para a Região Metropolitana? Por quê?

O desfazimento do ‘cinturão vermelho’ na Grande São Paulo fará um bem enorme à região. Nos últimos anos, o Partido dos Trabalhadores acomodou-se, virando as costas para princípios que devem balizar a administração pública: a transparência, o zelo, a racionalização, a disciplina, a pluralidade e a meritocracia na montagem de quadros, a eficiência e a eficácia. O PT fechou-se em torno dele. Separou o Brasil entre ‘nós (do PT) e eles (os outros)’. Essa divisão acirrou os ânimos sociais. O partido acabou se tornando símbolo da corrupção. Os tempos, hoje, sinalizam novos horizontes. Temos um eleitorado mais crítico e exigente. A sociedade quer maior participação no processo decisório. As administrações municipais devem sair do casulo onde se encastelaram. A Região Metropolitana de São Paulo terá seus pulmões mais abertos. E o PT deverá se refazer, renascer das cinzas, se quiser voltar a ser competitivo.

Aliás, o senhor acredita que João Doria (PSDB), prefeito de São Paulo, tem condições de fazer um bom governo ou é mais um produto de marketing? Acredita que é possível fazer com que uma máquina pública tão grande como a da prefeitura de São Paulo funcione como uma empresa?

Doria é um perfil de empresário determinado e exigente. É evidente que se cerca de simbolismo. Mas a real politik exigirá dele pisar no chão duro da realidade. As primeiras medidas com sinalização para a racionalização da máquina administrativa são boas. Corta gastos, cria maior interação com os programas do governo do Estado. Doria sabe que as exigências sociais pedem resultados. Promete um choque na gestão da Saúde. Minha leitura é a de que fará um bom governo. Tem carisma. Não será um prefeito de gabinete como Fernando Haddad. Ele sabe que, para ser bem-sucedido em seu plano, tem de mostrar resultados. Trata-se de uma pessoa com ambições maiores. Se der certo, podem esperar João Doria disputando cargos mais elevados. Tentará imprimir um ritmo empresarial à administração. Não conseguirá realizar essa meta em todas as áreas. Mas os resultados, no geral, serão positivos.

No caso do Grande ABC, é a primeira vez na história, desde a fundação do PT, que o partido não está à frente de nenhuma prefeitura. Além de perder em Santo André e Mauá, onde buscava a reeleição de Carlos Grana e Donisete Braga, não foi sequer para o segundo turno em São Bernardo com o candidato Tarcisio Secoli, embora o então prefeito por dois mandatos Luiz Marinho tivesse boa avaliação. Como avalia a situação do partido na região onde o PT nasceu?

O PT, como frisei acima, se fechou em copas. Parece um grupo que só olha para seus interesses. O PT do Grande ABC acabou sendo alvo do tiroteio geral que assolou o PT nacional. Marinho não conseguiu que a imagem negativa do partido o livrasse da grande derrota que sofreu. O ciclo petista em São Paulo só terá continuidade com Edinho Silva, em Araraquara. E Edinho já ameaça sair do partido se Lula não aceitar comandar o PT. O PT está sangrando. E a derrota no ABC estiola sua identidade.

A derrocada do partido, inclusive em âmbito nacional, pode ser creditada basicamente à atuação da Lava Jato ou foi a mescla desta com erros do partido e a crise que teima em resistir e deixa rastro de desempregados?

A derrocada do partido se deve a um conjunto de fatores: 1 – Operação Lava Jato; 2 – Encastelamento na redoma; 3 – Geração de animosidade social com o slogan ‘Nós e Eles’; 4 – Partidarização das máquinas administrativas; 5 – Desgaste do partido e envelhecimento precoce; 6 – Autossuficiência; 7 – Descompromisso com partidos de sua própria base.

O senhor acredita que o PT poderá ressurgir das cinzas, voltar a rivalizar com o PSDB e reconquistar prefeituras em cidades importantes daqui a quatro anos? E como o partido poderia se reconstruir?

Daqui a alguns anos. Essa recuperação não se dará imediatamente. Pode resgatar o prestígio em algumas cidades. Antes, porém, deverá fazer uma apropriada leitura da sociedade nesse momento que se clama por mudança. Seu sucesso vai depender, ainda, do insucesso de administrações de outros partidos, a partir do PSDB.

E quanto tempo o senhor acredita que o PT levará para voltar a ser protagonista na Grande São Paulo? Há quem aposte que isso não ocorrerá já nas próximas eleições municipais, em 2020. Mas se o partido ou aliado levar a Presidência esse quadro não pode mudar?

Se a situação econômica do País piorar até 2020, é possível que o PT tenha condições de voltar aos comandos. Não acredito nisso. Tendo a acreditar que o País sairá dos escombros deixados pelo PT. Por isso, não acredito no sucesso de Lula caso venha a ser candidato em 2018. Pode, até, ser condenado em segunda instância e, nessa condição, ter sua candidatura inviabilizada. Não creio que o STF, ante eventual recurso do PT, venha a dar nova interpretação à lei que proíbe candidaturas a partir de condenação em segunda instância. Devemos considerar, porém, o fato de que Lula continua a ser o mais carismático dos nossos políticos. E pode ser uma forte viga no PT, ajudando seus companheiros em alguns espaços.

Até que ponto o governador Geraldo Alckmin se fortalece para pleitear ser o candidato do PSDB à Presidência em 2018 com a hegemonia conquistada pelo partido e aliados no Estado de São Paulo?

Alckmin conta com o maior eleitorado do País, o de São Paulo, com seus 33 milhões de eleitores. Se sair bem avaliado do governo, Geraldo não apenas tem condições de ser o candidato tucano à Presidência da República, em 2018, como sairá na frente de outros. Contará, ainda, com a força de João Doria, na Capital. Mas ele precisar tomar cuidado: tem escrito na testa – candidato de São Paulo. Falta a Geraldo Alckmin compor uma identidade nacional. Precisa ser muito bem identificado com problemas e questões das regiões Nordeste e Sul. E ganhar a simpatia do segundo maior colégio eleitoral do País, o de Minas Gerais, onde Aécio Neves é o tucano-mor. Alckmin saiu do pleito de 2016 como o grande vitorioso. E essa condição certamente o ajudará na caminhada.

Caso não seja o candidato do PSDB, o senhor acredita que Alckmin vai procurar outro partido para disputar a eleição? Qual seria então o melhor caminho para ele?

Se não for candidato pelo PSDB, o PSB do vice-governador Márcio França o receberá de braços abertos. Mas acho muito difícil ser rifado pelo partido. O racha entre Alckmin, Aécio Neves e José Serra seria pernicioso para o grande objetivo dos tucanos: eleger o presidente da República em 2018. O PSDB é o favorito ao pleito.

Caso o senador Aécio Neves seja o candidato do PSDB, fala-se também que José Serra poderia se aninhar no PMDB para disputar a Presidência. O senhor acha que esse quadro pode se confirmar?

É possível. José Serra é um sujeito ambicioso. E competente. Está se saindo muito bem como ministro das Relações Exteriores. Se o quadro se complicar na floresta dos tucanos, é possível se distinguir o perfil de Serra abrindo alas nas hostes do PMDB. Este partido tem dito que sairá com candidato próprio em 2018. O presidente Michel Temer não será candidato. Ele quer resgatar a força de nossa economia, pacificar o País e ser o magistrado do pleito de 2018. Nesse cenário, Serra não estará fora da disputa. O PMDB carece de um grande nome.

Ou o senhor acredita que Michel Temer poderia vir a disputar a reeleição, em que pese ter dito ao longo do processo de impeachment que não se candidataria? Acredita que ele teria viabilidade eleitoral?

Não. Vejo Michel Temer como o grande comandante do pleito de 2018. Isso lhe basta, pelo que tenho interpretado.

O PT desde sempre fala em Lula como candidato em 2018, e deverá mesmo ser o nome, até porque não existe outro na sigla com força nas urnas, caso não seja condenado em alguma ação em curso e se torne ficha suja. O racha no ninho tucano não facilitaria a vida de Lula?

O racha na floresta tucana poderia, sim, facilitar a vida de Lula. Mas acho que ele não terá vida de candidato. Creio que segunda instância criará uma barreira intransponível à sua candidatura.

Ou todas as acusações que pesam hoje contra ele terão algum impacto em 2018?

As acusações que assolam o PT farão o caldo do discurso em 2018. Sem dúvida. O povo tem memória curta, diz-se. Mas quando as acusações são permanentemente lembradas, a memória se aviva.

Se Lula disputar, quais as chances de ele vencer? E se for condenado em alguma ação não se tornará um mártir, inclusive porque muito se fala em investigação dirigida?

Não acredito que Lula sairá como mártir, se for condenado. Há, sim, grupos que sairão às ruas em sua defesa. Mas há grupos que sairão às ruas em comemoração. Vejo uma forte reação a Lula no meio da pirâmide social. E lembro que a pedra jogada no meio da lagoa cria marolas que correm até as margens. A reação negativa contra Lula, no meio da sociedade, tem o efeito de pedra jogada no meio da lagoa. Reverberá e acabará chegando às margens, às classes sociais da base da pirâmide.

Em 2013 as ruas de dezenas de cidades do País foram tomadas por atos de protesto que começaram por causa de um aumento de R$ 0,20 nas tarifas de ônibus em São Paulo. Na sequência, outras demandas entraram na pauta dos manifestantes e o movimento descambou para atos de vandalismo. Agora, as tarifas aumentaram em torno de R$ 0,30 e não se vê nada contra. O que houve? O Brasil está anestesiado ou os manifestantes conseguiram a vitória política que queriam?

Os movimentos de rua entraram na rotina. Banalizaram-se. Mas é possível que, em fevereiro, alguns tentem novamente mobilizar as massas. Serão movimentos mais pontuais. Vejo que a questão das tarifas poderá ressurgir, apesar do refluxo. A sociedade está saturada. Não quer ver as mesmas coisas. Mas os horizontes mostram que o Brasil com maior participação das massas no processo político veio para ficar.
 




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