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Quanto tempo a Billings aguenta assim?

Sem fiscalização da Lei Específica, ocupações irregulares continuam prejudicando a represa

Por Camila Galvez
Renan Fonseca
12/12/2010 | 07:10
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Quem olha para a Billings hoje não imagina que, no passado, pelo menos 520 famílias viviam dos peixes fisgados de suas águas. Nas melhores épocas (dos anos 1940 aos anos 1960), era possível obter 25 toneladas de pescado por dia, vendidos em São Paulo e até em Minas Gerais. O lazer também era ponto forte do reservatório. Além da prática de natação e esportes náuticos, até mesmo um nazista teria passado por aqui com seu hidroavião.

Nos dias de hoje, pesca na represa só se for de garrafa PET. Para aqueles que nadam em suas águas, o risco de doenças de pele e do trato intestinal é cada vez maior. Ao longo de 85 anos de existência, a Billings virou esgoto a céu aberto, perdeu um terço de sua capacidade por causa do assoreamento e reúne mais de 700 mil pessoas que vivem irregularmente em seu entorno.

A Lei Específica da bacia, aprovada em 2009 com promessas de regularização fundiária e preservação ambiental, ainda não saiu do papel.

A formação do Grupo de Fiscalização Integrada, composto por funcionários de órgãos do governo do Estado e dos municípios banhados pela represa, só deve ocorrer no fim do primeiro semestre de 2011. Mas a Billings aguenta esperar até lá?

Para o engenheiro ambiental Murilo Vale, a lei foi aprovada tardiamente e, quanto mais demora em ser executada, maior é o risco de os danos à represa se tornarem irreversíveis. "Os efeitos são cumulativos e o grau de risco, tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente, ampliam-se dia a dia", alertou.

Vale acredita que a questão do uso e ocupação irregular do solo é o que mais prejudica o reservatório. "A carga de esgoto irregular desses imóveis é altíssima. Além disso, há muitos pontos de desova de lixo e entulho que contribuem para a poluição da represa".

Na opinião do engenheiro, é exatamente no controle da ocupação que a Lei Específica da Billings deixa a desejar. "A legislação regulariza imóveis que, para mim, não deveriam ser regularizados jamais. Não há proteção ambiental nesse ponto, somente regularização fundiária", afirmou.

OCUPAÇÃO
Os imóveis irregulares também impermeabilizam o solo, dificultando o ciclo natural da água na área de manancial.

Segundo o geógrafo Márcio Ackermann, esse processo contribui para a poluição da represa. "A água da chuva chega mais rápido ao reservatório porque o solo não tem capacidade de absorvê-la. Com ela, carrega todo o tipo de poluição difusa, ou seja, detritos que estão no chão, para dentro da represa", explicou.

O assoreamento também é um fator preocupante. "Dados oficiais da Sabesp dão conta de que a água da região metropolitana de São Paulo tem capacidade de abastecimento apenas até 2020. Hoje, 50% da região recebe água que vem de fora, apesar da rede hidrográfica do Alto Tietê ser bastante volumosa. Mas o recurso hídrico está tão poluído e degradado que o custo de recuperação ultrapassa o custo de trazer a água de outras cidades", afirmou.

Para Ackermann, poder público e sociedade civil precisam se unir em prol da recuperação do manancial. "É imprescindível que os municípios banhados pela represa iniciem o mapeamento das nascentes e cursos d'água e das áreas de preservação desses veios", alertou.

Famílias sofrem com mau cheiro na água

A degradação da Represa Billings não prejudica apenas aos olhos de quem considera o manancial um cartão-postal paulista. Nas margens do aquífero, área de proteção ambiental, as famílias que vivem irregularmente ali sentem o mau cheiro do lixo encoberto pela água. No verão, o leito recua e deixa à mostra os veios de esgoto proveniente das precárias residências. Dermatite, asma e bronquite são comuns entre a população residente.

Até a promulgação da Lei Específica da Billings - em janeiro deste ano - , as famílias em APP (Área de Proteção Permanente) não podiam ter acesso a esgoto e água encanada. Por décadas, elas tiveram de improvisar a encanação rumo à represa. "A gente não gosta de jogar esgoto na água, mas não temos alternativa", se lamentou dona Maria Eliza, 70 anos, e que vive da pequena renda de um ferro-velho que toma conta no bairro Alvarenga, São Bernardo.

Ali é o cenário comum para todas as margens ocupadas da Billings. Pequenas taperas se acomodam nos braços da represa e dividem os poucos recursos que possuem. "Às vezes, três barracos dividem o mesmo encanamento de água. É terrível, porém não tenho para onde ir", contou a dona de casa Ivonete Souza Mangabeira, 40 anos, também moradora do Alvarenga.

"As pessoas passam e perguntam como a gente consegue ficar dentro de casa com esse cheiro", relata a dona de casa Ana Lucia Teodoro, 33 anos. Ao menos duas vezes por semana ela têm de lavar a roupa do marido e da filha em uma torneira, no fundo da residência. Atrás de Ana, a represa fecha o horizonte.

Um fio d'água escorre entre os pés da dona de casa e faz caminho na vegetação rasteira, para depois se juntar ao mar de água doce e poluída - que um dia serviu de pista para o hidroavião do nazista Heberts Cukurs. "Se eu tivesse outra oportunidade, mudaria. É ruim contribuir para a poluição da represa", queixou-se.

SEM SOLUÇÃO
As administrações dos municípios banhados pela Billings (Diadema, Santo André, São Bernardo, Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires) foram procurados pelo Diário. Apenas Santo André informou que Pris (Programa de Recuperação de Interesse Social) do Núcleo Pintassilgo, bairro em área de manancial, envolve a remoção de 580 moradias do interior do Parque do Pedroso, das APPs e de áreas de risco. Além disso, cerca de 1.000 habitações foram urbanizadas na área do parque.

A limpeza das margens é de responsabilidade das administrações públicas, segundo a Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia). "Todo o esgoto que vai para a Billings vem das cidades, dos córregos poluídos, da falta de fiscalização em áreas de proteção. Portanto, as prefeituras devem arcar com a limpeza", comentou o gerente da empresa Paulo Sérgio Ponti. "São 700 quilômetros de margem. A Emae não pode limpar tudo sozinha", sustentou.

Propostas para a bacia colecionam atrasos

Os temas que envolvem a proteção do ecossistema da Represa Billings e a regularização das moradias das famílias que se estabeleceram no manancial colecionam atrasos há décadas.

Quando a Lei Específica foi sancionada, em julho de 2009, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente prometeu que o código estaria regulamentado em 90 dias, mas o texto só em seis meses.

Quando a regulamentação foi anunciada, o governo divulgou que, em 180 dias, um GFI (Grupo de Fiscalização Integrada) seria criado e estaria pronto para entrar em ação.

As discussões começaram, mas o prazo expirou e as normas ainda não foram colocadas em prática. A nova promessa é iniciar o trabalho até no começo de 2011.

Se voltarmos para a Billings anterior à legislação, os atrasos são ainda maiores. O texto que deu origem à Lei Específica é fruto de debates travados por mais de dez anos entre políticos, ambientalistas e a população local.

Depois de pronto, na Assembleia Legislativa, o projeto de lei tramitou por oito meses, até ser apreciado em plenário pelos deputados.

Sem o GFI, a Billings acaba contando apenas com ações isoladas dos municípios, ou mesmo realizadas por empresas e grupos engajados.

O governo do Estado justifica que o último atraso tem um bom motivo, pois, além da fiscalização, a represa irá ter um grupo de planejamento, mas para o manancial o tempo não para e a degradação continua.




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