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Você não imagina

Saí do banco e ela me perguntou se queria ajuda

Carlos Ferrari
06/04/2011 | 00:00
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Saí do banco e ela me perguntou se queria ajuda. Fomos até a calçada e me chamou atenção o comentário: "Deve ser terrível viver na escuridão"! De repente me senti o Conde Drácula e deu uma vontade enorme de rir, mas pensei então que talvez seja por essas e outras que a leitura sobre as deficiências pela sociedade ainda acaba sendo tão deturpada. As pessoas partem do seu referencial para entender uma situação difícil, para não dizer impossível, de se compreender, sem que se tenha vivenciado. Vivência aqui não se trata do uso de uma cadeira de rodas ou de vendas que privam do sentido da visão momentaneamente. Essas práticas podem ser interessantes para trabalhar alguns conceitos junto a professores ou mesmo promover dinâmicas abordando alguns valores. Cabe ressaltar, no entanto, que não se consegue com isso traduzir para quem venha a participar dessas atividades, as sensações de um indivíduo nessa condição real.

Não há dúvidas que uma pessoa sem deficiência pode sim falar e até lutar contra os inúmeros problemas enfrentados pelos diversos segmentos de pessoas com deficiências, e cabe lembrar que temos exemplos brilhantes nesse sentido. Porém, não significa que, seja lá qual for o nível de experiência e contato com a causa de quem quer que seja, isso lhe permitirá sequer imaginar a ideia do que significa por exemplo não ouvir ou não enxergar. Muitas vezes a deficiência acaba sendo um problema maior para quem faz a leitura do fato, do que para quem está na condição.

Tratar então com uma pessoa que nunca enxergou sobre a luz e as trevas é milhares de vezes mais subjetivo do que discutir sobre a qualidade do transporte público da Capital paulistana com a Paris Hilton.

Avançamos muito ao longo do tempo e a construção de estratégias inteligentes de descrição, viabilização de processos metafóricos e correlações que permitem a educadores, familiares, enfim, à sociedade em geral, caminhar junto com as pessoas cegas que nunca enxergaram pelo mundo das cores e de tantas outras coisas e situações que não podem ser tocadas, é cada vez mais bacana e repleta de criatividade. Acredito que esses exercícios têm grande contribuição para com o processo de inclusão, pois garantem ao indivíduo, seja ele cego ou não, o direito de tratar do que quiser e com quem quiser, obviamente a partir de sua perspectiva.

Contei para a simpática moça que conversou comigo no dia do banco que, mesmo já tendo enxergado, hoje o que tenho à frente dos olhos não é claro nem escuro, é simplesmente ausência de cor. Assim, não tenho problemas de viver na eterna escuridão e também não preciso conviver com outra condição que seria igualmente assustadora, ou seja, a iluminação eterna. Imaginem o problemão que seria na hora de dormir, ou mesmo naqueles momentos bons que a gente quer fugir para o escurinho.




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