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Gilberto Gil reinventa a boa invenção tropicalista
Por Alessandro Soares
Do Diário do Grande ABC
30/11/2004 | 11:12
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Sem ter de cumprir compromissos ministeriais nos dias 10, 11 e 12 de setembro deste ano, Gilberto Gil despiu-se da toga de ministro da Cultura, deixou a burocracia em Brasília e fez o show Eletracústico, no Canecão, Rio, ocasião em que foram gravados CD e DVD homônimos que chegam às lojas (R$ 29 em média o CD; R$ 54 em média o DVD). Foi refazendo um ato tropicalista de seu repertório de fusões musicais que o cantor-ministro incorporou a música dos DJs e rappers, música eletrônica baseada em computador, samplers e sintetizadores, aos timbres da viola, bandolim, cavaquinho, acordeon e violão. Música de festa misturada com o pop brasileiro e regional, com baião, samba, pop rock, funk, reggae - como faz há quase 40 anos, e sem novidades a dar na praia.

O nome Eletracústico é uma adaptação entre o termo música eletroacústica, de caráter erudito, e o termo música eletrônica, das raves. Reinventando a invenção, Gil fez CD e DVD produzido por Tom Capone, morto uma semana antes da gravação ao vivo e a quem o cantor dedica o trabalho. Foram 22 músicas no show, 19 pinçadas para o DVD e 14 para o CD.

Quando sobe no palco, Gil se sente bem. Sua rotina de shows e composições foi substituída pela rotina de gabinete: proposta de agência reguladora do setor audiovisual, polêmicas com cineastas e emissoras de TV, reuniões, audiências, viagens e fóruns internacionais. "O trabalho no Ministério me poupa da rotina de shows. Cantar agora me dá mais satisfação do que antes. De uma forma sedenta", diz Gil na entrevista presente nos extras do DVD.

Como não está compondo - talvez lance no ano que vem um CD de sambas -, Gil aproveita resíduos de shows passados. Eletracústico é inspirado na apresentação do ministro-cantor na ONU, em 2003. O DVD tem cenas desse show, menos - por questões de direitos de imagem - a jam session entre ele e o secretário-geral Kofi Annan. "Insisti na formação eletrônica e acústica para um show internacionalista, pacifista, humanista, que apela à harmonia dos povos e à mestiçagem. Pluralidade que existe em meu próprio trabalho", afirma. Daí Imagine (John Lennon, 1971), mais pacifista impossível; ou as internacionais Cambalache, tango de 1934 de Enrique Santos Discépolo, e o reggae Three Little Birds, de Bob Marley. A pluralidade vem com Chuck Berry Fields Forever, de Gil (1976), a mais mestiça das canções dessa mestiçagem sonora e cultural do cantor-ministro.

Há momentos mais acústicos, como em A Linha e o Linho (Gil) e Se eu Quiser Falar com Deus (Gil). Mas a proposta de fusão eletrônica é mais evidente em Maracatu Atômico (Nelson Jacobina e Jorge Mautner, de 1974). Tem participação do próprio Mautner tocando uma rabeca eletrificada, e distorções sonoras de berimbau e acordeon.

A adaptabilidade de Gil em adotar tendências modernas em roupagem nova não cria paradoxo entre o poeta-compositor e o ministro-cantor. Artista e político seguem coerentes à moda Gil. No show - e no DVD - Gil abre com Refavela (Gil, 1977), samba de sotaque brasileiro, mas com tema social de linguagem universal. Encerra o DVD - e o show - com Barracos, cujos versos, aplaudidos pela platéia classe média alta da casa noturna carioca, revelam sem pudores políticos: "O governador promete/ Mas o sistema diz não./ Os lucros são muito grandes/ Mas ninguém quer abrir mão". E o refrão segue assim: "Ô, ô, ô, ô, ô/ Gente estúpida/ Ô, ô, ô,ô, ô/ Gente hipócrita". Gil iniciou a última canção daquela noite dizendo "Vamos embora pra casa que amanhã é dia de branco". Está ou não à vontade?




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