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Técnico em cinema
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
08/10/2006 | 18:58
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Com Dália Negra fresco nos cinemas brasileiros, são 35 os filmes que Brian De Palma já concluiu, contabilizados aí curtas iniciais como Icarus (1960) e longas pouco freqüentes em revisões, como O Fantasma do Paraíso (1974) e Terapia de Doidos (1980). São, mais do que simples filmes, 35 evidências de que o diretor norte-americano, 66 anos, é um dos poucos adoradores de fato do cinema. Cinéfilo, historiador, técnico, artista. Enfim, cineasta com C (e provavelmente todas as demais letras) maiúsculo.

São poucos os que podem se igualar a De Palma, ao mesmo tempo artista e cientista do audiovisual. Em suas convicções, filme é ciência, objeto que deve ser dissecado antes de ser reelaborado. Sim, porque a obra de De Palma é uma obra de reelaboração, de reconstrução do visual, que desmonta tanto a história como a técnica cinematográficas para obter um novo conjunto de imagens que, uma vez reunidas, representam uma idéia, uma manifestação artística. Mas, no caso do diretor, em separado elas têm consistência incomum, pois quase todos os enquadramentos (senão todos) são construções independentes, meticulosas, resultados unitários de um acentuado conhecimento da técnica, da carpintaria do cinema.

Há uma sensível oposição, entre a crítica, dessa característica sua. Acusações de academicismo, luxo gratuito e exibicionismo são freqüentes. Alegações infundadas. Jamais De Palma revisita Hitchcock ou Welles para gabar-se de seu conhecimento sobre decupagem. Jamais organiza um tecido minucioso para comprovar que sabe preencher um quadro com exuberâncias sem sentido. Em boa parte de seu cinema, e de seu ímpeto em torná-lo particular, sobram argumentos visuais.

Não existe casualidade em ser o suspense o gênero cultivado pelo cineasta. Todas as suas particularidades favorecem as obsessões de De Palma – a elasticidade do tempo como fator de suspense, relacionamentos afetivos que constituem relações de interesse extra-amoroso, uma infinita desconfiança da intimidade e muito mais. A menção obrigatória dos créditos, de Hitchcock a Welles, de Kubrick a Billy Wilder, é a forma de o diretor ilustrar que o cinema é uma arte que não se formou da noite para o dia. Ao mesmo tempo, conta a história do cinema e dos efeitos dele sobre o olhar. E reaplica esses conceitos de forma a revalidá-los e questioná-los simultaneamente: já é hábito as cenas iniciais da maioria de seus filmes serem resumos dos temas abordados ao longo deles e também charadas a serem desvendadas pelo espectador.

Uma outra característica do filme depalmiano é a relativização de caráter dos protagonistas. O monstro de Carrie – A Estranha, o mafioso cubano de Scarface, o atormentado de Síndrome de Caim, as mulheres dúbias de Vestida para Matar, Femme Fatale e Dália Negra e até o agente secreto que sofre uma crise de idoneidade em Missão: Impossível, que é a acareação de De Palma com seus conceitos ideológicos; são, todos, personagens que vivem uma situação de vilania aparentemente incontestável, para serem analisados e entendidos do ponto de vista psicológico e/ou a partir das pressões de seu meio ambiente. E também de como são vislumbrados pelos que os rodeiam – porque a vilania pode não residir nos atos de quem supostamente os comete, mas nos olhos alheios. Talvez não existam anti-heróis no cinema de De Palma, já que ao bandear para retratos heróicos, ele elege heróis absolutos como o Eliot Ness de Os Intocáveis, ou o soldado-testemunha de Pecados de Guerra, ou, novamente, o agente Ethan Hunt de Missão: Impossível. Seu cinema é, de certo modo, uma coleção de antivilões.




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