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Dores crônicas atormentam 30% da população
Por Bia Moço
Especial para o Diário
26/11/2017 | 07:00
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André Henriques/DGABC


Gripe, dengue, diabetes, estresse e outras tantas doenças comuns a milhares de pessoas fazem parte das conversas do dia a dia em família, no trabalho ou em grupos de amigos. Mas existe um problema de que pouco se fala, embora signifique sofrimento para cerca de 30% da população brasileira, ou algo em torno de 57 milhões de pessoas. São as dores crônicas, sintomas que muita gente acredita fazer parte apenas de quem chegou à terceira idade, mas que, na verdade, não escolhe faixa etária. Qualquer um pode fazer parte da lista. Existem tratamentos para controle ou minimizar o sofrimento, mas a cura geralmente é algo distante.

Recente estudo do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), mostra, inclusive, a relação bidirecional entre ansiedade ou depressão e algumas doenças físicas crônicas.

Lucimar Piva Faustino, 56 anos, é uma dessas pessoas que não sabe o que é passar uma semana ou, no limite, nem um dia sem sentir dor. Moradora de Santo André, desde os 21 anos sofre com migrânea crônica refratária, mais conhecida como enxaqueca crônica. A digitadora, que até então não era adepta a tomar remédios, por muitas vezes chegou a pensar em medidas drásticas a fim de evitar as dores.

“Antes de dar início ao tratamento, infelizmente tinha pensamentos trágicos, tinha vontade de dormir e não acordar mais. Por várias vezes pensei na hipótese de tomar alguma coisa para dormir de vez”, comenta. De acordo com o blog Singular – Centro de Controle da Dor, diversos estudos apontam forte relação entre a dor crônica e o comportamento suicida. Um trabalho norte-americano, com 5.962 pessoas, concluiu que pessoas que sofrem de dor de cabeça tem chance duas vezes maior de se matar.

Antes de completar 36 anos, Lucimar foi diagnosticada com enxaqueca crônica e hipertensão arterial, o que tornara a dor mais forte e a fazia ter medo de abrir os olhos quando acordava. Em sua última internação conheceu um médico que apresentou a ela um tratamento chamado bloqueio anestésico. “No começo a alternativa me ajudou muito, mas com o passar do tempo meu organismo se acostumou e já não resolvia. O médico então começou a fazer o bloqueio com a toxina botulínica. Então, desde 2006 optei por esse tratamento e ficava seis meses sem sentir dor. Agora fico bem por uns quatro.”

Por causa do problema, Lucimar sofreu graves consequências, como três AVE (Acidente Vascular Encefálico), três paralisias faciais e até mesmo encefalopatia, doença que faz com que a pessoa esqueça o que está fazendo ou falando. Apesar de atualmente estar bem, restaram sequelas para lembrá-la dos tempos difíceis. A andreense não produz mais saliva, tendo de fazer uso de uma artificial, além de não produzir lubrificação nos olhos e cera nos ouvidos.

Os tratamentos ajudaram a reverter a grave situação, mas ela garante: o medo da dor a persegue diariamente.

Tratamento é feito de maneira descentralizada, pelos municípios

O tratamento de quem sofre com dores crônicas no Grande ABC é feito de maneira descentralizada. Não há ambulatório específico na região e os pacientes precisam se deslocar entre equipamentos de Saúde para obter cuidados neurológicos, reumatológicos e ortopédicos. Há também quem opte por sessões de acupuntura.

A falta de endereço capaz de centralizar os pacientes com dores crônicas nas sete cidades, segundo explicou ao Diário a Secretaria de Estado da Saúde, impede que se tenham dados específicos sobre quantos habitantes do Grande ABC sofrem do mal.

Em São Bernardo, segundo o governo municipal, cerca de 35% da população sofre com dores crônicas. Para esse público, disponibiliza tratamento nas 34 UBSs (Unidades Básicas de Saúde), nove UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e nas Policlínicas (Centro e Alvarenga).

Mauá informou que a atenção básica disponibiliza acompanhamento com equipe multidisciplinar e núcleo de apoio à saúde da família. Sendo assim, médico, enfermeiro, nutricionista, fisioterapeuta, psicólogo, fonoaudiólogo e profissional de Educação Física estão aptos a receber os pacientes. O atendimento pode ser feito individualmente ou em grupos, como os de dor crônica, lian gong, yoga e ginástica.

Já em Ribeirão Pires, a Prefeitura disponibiliza serviços de tratamento no Ambulatório de Ortopedia e Neurologia, no Centro de Especialidades Médicas e na Apraespi, inclusive fisioterapia. Em casos de urgência, a rede municipal de Saúde dispõe de ortopedistas 24 horas na UPA Santa Luzia.

As demais Prefeituras não deram informações sobre atendimento a pacientes com dor crônica.

“Acabava com meu dia e humor”

A moradora de São Caetano Naira Nimtz, 36 anos, enfrentou por anos dor na região lombar sem se dar conta de que precisava de ajuda médica. A professora de Educação Física, que sempre esteve ligada aos esportes, em dezembro de 2015 começou a conviver com a dor diariamente, cada vez mais intensa, e foi então que percebeu que o problema se tornara crônico. “Nessa época não precisava de nada para desencadear crises. Dormia e acordava com dor. Tudo ficou mais difícil. Acabava com meu dia e humor. Cheguei a um ponto em que nada melhorava e nenhum remédio fazia efeito.”

Uma nova avaliação médica deu como alternativa hidromassagem e natação, técnicas que costumam aliviar as dores.

Hoje, Naira comemora: “Graças à natação e à hidro estou bem melhor e não vou mais parar de fazer essas atividades. Claro que de vez em quando ainda sinto uma dor leve, diria que suportável, mas agora estou bem.

Médico explica que sinais de alerta têm de ser respeitados

O anestesiologista, médico intervencionista da dor e presidente da Sobramid (Sociedade Brasileira de Médicos Intervencionistas em Dor), Charles Amaral de Oliveira, explica que as dores crônicas são de origem multifatorial. Entre as quais, cita a negligência ao sinal de alerta, representado pela dor aguda, que pode ser fundamental para o diagnóstico. Muitas vezes a dorzinha é tratada sem a devida atenção e, em muitos casos, com a automedicação. Fatores como estes resultam em um problema de origem avançada, até que se torne um quadro crônico.

Outro fator importante são os hábitos posturais dos dias de hoje. “Há ainda as dores crônicas decorrentes de doenças como o câncer, por exemplo. Neste caso, não há uma forma específica de prevenção e o tratamento precisa incluir abordagem multidisciplinar”, acrescenta o profissional.

Oliveira garante que estudo realizado com 919 pessoas, no Brasil, indicou que as dores crônicas são mais relatadas por pessoas com idade próxima a 41 anos.

Ele salienta que, nesse caso, as mais comuns são as dores muscoloesqueléticas e na coluna, normalmente na área lombar, o que pode ser considerado fruto do estilo de vida e da postura inadequada.

Pacientes optam por se tratar com ações multidisciplinares

É cada vez menor a resistência do paciente com dor crônica de procurar ajuda especializada no Grande ABC. O movimento foi notado pelo ortopedista e traumatologista do Hospital e Maternidade Christovão da Gama, em Santo André, Edgar Santiago Valesin Filho. Segundo o médico, o tratamento é feito de maneira multidisciplinar.

“São cuidados que promovem o suporte psicossocial, além de controlar os sintomas através do manejo adequado da causa do problema e do uso racional de medicação apropriada ou procedimentos minimamente invasivos”, comenta o ortopedista.

Já o neurologista Jorge Moscardi, do mesmo hospital, trata seus pacientes com alternativa não tão comum, mas que reputa “muito eficiente”: o bloqueio da dor. “Em princípio toda dor precisa passar pela coluna. Qualquer dor, mesmo a de cabeça, tem relação com o segundo nervo cervical. A enxaqueca funciona um pouco diferente porque tem mediação do nervo trigênico”, explica.

Moscardi salienta que os responsáveis por modular a dor são os gânglios sensitivos, local onde está o corpo do neurônio, responsável por reconhecer a dor. Portanto, toda dor tem uma mediação por esses gânglios. A técnica de bloqueio procura quebrar a sensibilidade desses gânglios. 




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