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Acelerador com música

A Tenente, que atendia ao chamado, estava acompanhada de um Cabo. Ficou parada ao lado do pobre homem por alguns segundos, enquanto escrevia algo

Por Creso Peixoto
29/07/2017 | 07:15
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A viatura policial para no meio da rua, intenção já de fechar o trânsito. Um carro tombado à sua frente. Um dos policiais bate a porta, com uma prancheta à mão. Respira fundo para demonstrar controle. Ainda estava escuro, quase seis horas da manhã naquela fria noite de agosto São-Bernardense. O ruído de suas botas no chão molhado, enquanto ainda caía fina chuva, se contrastava com um choro baixinho, de senhor ajoelhado ao lado do carro, com os braços estendidos sobre a lataria.

A Tenente, que atendia ao chamado, estava acompanhada de um Cabo. Ficou parada ao lado do pobre homem por alguns segundos, enquanto escrevia algo.

Na noite anterior, um jovem motorista para defronte
a um prédio. Um amigo o esperava.
– E aí? Beleza? Entra o esbaforido amigo. Bate a porta.
– Belê! O amigo motorista responde, sem olhar para
ele, sorriso nos lábios, enquanto olha para o retrovisor.
Acelera e sai.
– Vamos! Disse o motorista, abaixando o som. Música alta era sua marca ao guiar. Dedo indicador tocando no painel enquanto a outra mão, espalmada sobre o volante, girava para sair da vaga. Um gesto que demonstrava prática e familiaridade com o automóvel.
– Claro! O amigo, enquanto afivelava o cinto, fitando sua mão no volante. Para eles, a noite apenas começava.
Pegaram a Via Anchieta, som alto novamente.
– E aí? E a facú? Enquanto olha os prédios do bairro ao lado.
– Tô muito feliz, cara! Assisti as primeiras aulas nesta
semana. O motorista fala, sem olhar para o amigo.
– Já tem projeto pra... vocifera um palavrão, que soa
quase como um elogio à faculdade.
Em São Paulo, encontram amigos em bar na Vila Madalena.

Um estudo do Instituto Para Prevenção de Problemas com Álcool e Drogas, da Suíça, publicado em 2015, indica que há relação entre a quantidade de álcool consumida e o número de amigos. Quanto mais chegam, mais se bebe, em cada hora. A partir da concentração de um grama de álcool no sangue (CAS) uma das reações é o vômito. Outra, a fala alterada, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde).

A volta para São Bernardo, tarde da noite, manteve o mesmo menu musical. E alto. O motorista parecia aparentar bom controle veicular, apesar do medo de encontrar fiscalização policial. Afinal, ambos beberam e não foi pouco. O amigo ainda pergunta se não era melhor deixar o carro no estacionamento e voltar de uber. Não corriam, mas os movimentos veiculares eram bruscos, quase a dar ação à música.

Um estudo da Universidade de Groningen, Holanda (2012), indica que o desempenho da condução ao se ouvir música, pode combater tédio, gerador de sono. Fato positivo. Motoristas tendem a contrabalançar a ação de guiar com a tarefa de ouvir. Contudo, a excitação se agrava pelo efeito do álcool, quando o motorista tende a perder a capacidade de compensação cognitiva. Há sites que incitam ouvir alto e correr. O que fazer? Buscar conscientizar jovens à respeito da excepcional gravidade entre direção, álcool e até música alta. Os jovens que assimilam, tendem a convencer e até a brigar contra os que não se importam. Talvez, um bom começo.
– Senhor, posso conversar contigo? A policial não tem resposta. Tenta novamente. Agora, coloca mão em seu ombro, e pergunta, curvando um pouco o corpo em sua direção. Voz ainda mais baixa.

À volta, na calçada, um grupo de jovens observa, à distância. Dois jovens abraçados lado a lado. Olhos marejados. Não falam nada. Eventualmente soluçam. O Cabo se aproxima destes e pergunta o que ocorreu.

O Senhor se levanta, devagar. Gira o corpo para a policial. Olhos ligeiramente para baixo, enquanto passa a mão sobre a testa. Parecia arrumar o cabelo com a mão direita, gesto mecânico. Não falava nada. A mão esquerda encostada na calça.
– O Senhor é parente?
– Pai.
<EM>Uma sirene ecoa à distância. Ambulância do Samu chegando. Já era tarde. Ele nunca mais vai fazer os projetos da faculdade.
 




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