Cultura & Lazer Titulo
Voltar a ser Brechtnianos
Por Ricardo Lísias
Especial para o Diário
13/08/2006 | 09:19
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É difícil não banalizar quando o assunto é Bertolt Brecht: dramaturgo mais importante da modernidade (e há quem diga de toda a literatura universal), o autor da Vida de Galileu Galilei foi estudado por praticamente todos os intelectuais mais importantes do mundo. É ilusório pensar, porém, que tudo já foi dito. Se Brecht é mesmo importante, sem dúvida nenhuma merece reatualização contínua.

O pensamento de Brecht, original e muito provocador, manifestou-se sobretudo no teatro, mas atravessou as fronteiras do palco para alcançar a poesia, o ensaio e a prosa de ficção, lado menos conhecido de sua longa carreira de artista. A unir todos os gêneros, a necessidade incontornável de intervir sobre o próprio tempo. O que se chamou por muito tempo de "teatro didático" nada mais é, recolocando os termos, do que a intenção manifesta de deixar com que a arte e a política se confundam explicitamente em uma forma única. Brecht desde sempre notou que toda manifestação artística intervém na sociedade, sobretudo pela criação de um pensamento novo, e assim procurou intensificar o caráter transformador da arte através de uma explicitação de suas intenções formais.

Há quem diga que os efeitos estéticos da obra de Brecht acabariam reduzidos justamente por conta dessa intensidade ideológica – nada mais enganoso: não existe arte sem ideologia, já que nenhuma linguagem pode se constituir sem que escolhas sejam feitas. Dessa forma, Brecht não politizou a arte, mas sim aproveitou o caráter político que inevitavelmente encontraria na poesia, na prosa e, sobretudo, no teatro.

Sua intenção real, expressa no extraordinário e inexplicavelmente desconhecido Pequeno Órganon para o Teatro, era a de fazer a capacidade crítica do expectador refletir sobre a estrutura social em que se insere. Algumas de suas peças, inclusive a obra-prima Santa Joana dos Matadouros, tratam de maneira explícita de questões políticas. Outras trazem na forma algum tipo de inovação que esconde, por trás do rearranjo, a lembrança de que toda a estrutura é mutável.

Estando sujeita à modificação, qualquer ordem é artificial. Aí está o componente mais revolucionário da obra brechtiana: o esclarecimento de que não existe situação que não possa ser alterada, até mesmo a selvagem estrutura capitalista!

Ser brechtiano hoje em dia é simplesmente ter consciência do poder que a arte pode assumir caso seja manipulada para que sua forma produza significados novos. É provável que Plínio Marcos, por exemplo, seja profundamente brechtiano ao assumir no palco a precariedade cênica de suas personagens marginais e sem muito futuro. Ao contrário, não há nada de Brecht em manifestações que aderem à visão ornamental da arte, produzindo estardalhaço, cores, fogos, festas e nenhuma crítica.

Como dito no início, Brecht não inventou nada, apenas explicitou algo incontornável. Evidentemente, foi capaz disso por conta de uma inteligência aguda e sensível. Mesmo a arte ornamental é política; no caso representa tudo que é mais conservador na sociedade brasileira. E ainda nos deixa com a triste observação de que a burrice é sempre reacionária. É por isso que vale a pena repetir: precisamos voltar a ser urgentemente brechtianos.

Ricardo Lísias, 31 anos, é mestre em Literatura e História pela Unicamp e doutor em Literatura Brasileira pela USP. É escritor, ensaísta e professor. Escreveu, entre outros títulos, os romances Cobertor de Estrelas (Rocco, 1999), Dos Nervos (Hedras, 2004) e Duas Praças (Globo, 2005).

Algumas obras

Textos teatrais

O Círculo de Giz Caucasiano

(CosacNaif, 216 págs., R$ 47)

O Declínio do Egoísta Johann Fatzer (CosacNaif, 256 págs., R$ 46)

A Santa Joana dos Matadouros

(CosacNaif, 216 págs., R$ 47)

A Santa Joana dos Matadouros, (Editora Paz e Terra, 192 págs., R$ 6)

Bertolt Brecht – Teatro Completo vol. 1

(Paz e Terra, 235 págs., R$ 34,50)

Inclui os textos Baal (1918/19), Tambores na Noite (1919), O Casamento do Pequeno Burguês (1919), O Mendigo ou o Cachorro Morto (1919), Luz nas Trevas (1919), A Pescaria (1919), Ele Expulsa um Diabo (1919)

Bertolt Brecht – Teatro Completo vol. 2

(Paz e Terra, 232 págs., R$ 33,50)

Inclui Na Selva das Cidades (1921/23), A Vida de Eduardo II da Inglaterra (1923/24), Um Homem É um Homem

Bertolt Brecht – Teatro Completo vol. 3

(Paz e Terra, 266 págs., R$ 27)

Inclui A Ópera dos Três Vinténs (1928),

Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny (1928/29), O Vôo Sobre o Oceano (1928/29),

A Peça Didática de Baden-Baden

Sobre o Acordo (1929), Aquele que Diz Sim e Aquele que Diz Não (1929/30), A Decisão (1929/30)

Bertolt Brecht – Teatro Completo vol. 4

(Paz e Terra, 252 págs., R$ 36)

Inclui os textos teatrais: A Santa Joana dos Matadouros (1929/31), A Exceção e a Regra (1929/31), A Mãe (1931), Os Sete Pecados Capitais dos Pequeno-burgueses (1933)

Bertolt Brecht – Teatro Completo vol. 5

(Paz e Terra, 288 págs., R$ 42,50)

Inclui Os Cabeças Redondas e os Cabeças Pontudas (1931/34), Os Horácios e os Curiácios (1934), Terror e Miséria no Terceiro Reich (1935/38)

Bertolt Brecht – Teatro Completo vol. 6

(Paz e Terra, 266 págs., R$ 39)

Inclui Os Fuzis da Senhora Carrar (1937),

Vida de Galileu (1938/39),

Mãe Coragem e Seus Filhos (1939)

Bertolt Brecht – Teatro Completo vol. 7

(Paz e Terra, 232 págs., R$ 33,50)

Inclui O Julgamento de Luculus (1938/39), A Boa Alma de Setsuan (1939/40), Dansen (1939), Quanto Custa o Ferro?

Bertolt Brecht – Teatro Completo vol. 8

(Paz e Terra, 213 págs., R$ 30,50)

Inclui O Sr. Puntila e Seu Criado Matti (1941),

A Resistível Ascensão de Arturo Ui (1941)

Bertolt Brecht – Teatro Completo vol. 9

(Paz e Terra, 296 págs., R$ 43,50)

Inclui As Visões de Simone Machard (1941-1943), Schweyk na 2ª Guerra (1943), O Círculo de Giz Caucasiano (1942-1945)

Bertolt Brecht – Teatro Completo vol. 10

(Paz e Terra, 252 págs., R$ 36)

Inclui Os Dias da Comuna (1948-1949), Turandot ou o Congresso das Lavadeiras (1954), A Antígona de Sófocles (1948)

Bertolt Brecht – Teatro Completo vol. 11

(Paz e Terra, 198 págs., R$ 35)

Inclui O Preceptor (1950), Coriolano (1951-1953), O Processo de Joana D'Arc em Rouen, 1431 (1952)

Bertolt Brecht – Teatro Completo vol. 12

(Paz e Terra, 312 págs., R$ 45)

Inclui Don Juan (1953), Tambores e Trombetas (1954), Diversos Fragmentos (1922-1950)

Outros

Brecht no Brasil: Experiências e Influências, W. Bader

(Paz e Terra, 283 págs., R$ 44,55)

Brecht: A Estética do Teatro, Gerd Bornheim

(Paz e Terra, 384 págs., R$ 50,50)

Diários de Brecht, Bertolt Brecht

(L&PM, 190 págs., R$ 18,60)

Diário de Trabalho – Vol. 1, Bertolt Brecht

(Rocco, 215 págs., R$ 34)

Diário de Trabalho: 1941-1947 – Vol. 2, Bertolt Brecht

(Rocco, 345 págs., R$ 44)

Estudos Sobre Teatro, Bertolt Brecht

(Nova Fronteira, 256 págs., R$ 29)

Histórias do Sr. Keuner, (prosa) Bertolt Brecht

(Editora 34, 144 págs., R$ 29)

Poemas 1913-1956, Bertolt Brecht

(Editora 34, 358 págs., R$ 42)




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