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São Bernardo respira cinema
Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
20/01/2005 | 12:55
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Faça chuva ou faça sol, a Mostra Internacional de Cinema em São Bernardo tem de continuar. A inundação que ingressou sem convite no Teatro Cacilda Becker na semana passada acarretará na paralisação do espaço, localizado no Paço Municipal, até meados de fevereiro. A Mostra, rumo à sua quinta edição, foi então transferida para o recém-reformado Teatro Martins Pena e começa, às 20h, com a exibição do multinacional Diários de Motocicleta, do brasileiro Walter Salles, e do curta de animação A Calabresa, realizado por alunos da Oficina de Animação de Bonecos de Massinha de São Bernardo (mais informações nesta página). A mudança foi meramente geográfica, já que os filmes e horários da programação permanecem como previstos inicialmente, quando a sede seria o Cacilda. Não muda também o preço dos ingressos, inalterado desde 2002: R$ 2.

A Diretoria de Cultura implanta otimismo na troca de endereços. Acredita que a Mostra, evento de alta cotação entre as ações culturais do município, desviará a atenção popular para o Martins Pena, que não mereceu devida repercussão desde que foi reinaugurado, em março de 2004. Tampouco a capacidade menor da sala – 200 lugares, enquanto o Cacilda Becker comporta 394 espectadores – preocupa a organização da Mostra. Para justificar que a modéstia numérica de acomodações não incide em prejuízo, basta o exemplo do filme recordista de público na história do evento: A Professora de Piano, de Michael Haneke, que em 2003 atraiu 145 pessoas, em média, em cada uma de suas três sessões.

Para remediar transtornos a espectadores que, ainda não cientes da transferência de endereço, possam aparecer na porta do Cacilda Becker, a Diretoria de Cultura colocará à disposição duas Kombi que farão constantemente o itinerário entre o Paço e o Martins Pena, tanto na ida como na volta, destinadas a transportar o público.

A seleção – A escolha de Diários de Motocicleta como peça de abertura leva em conta o prestígio que o filme adquire conforme a sua maturidade no circuito internacional. Dirigido por Walter Salles, diretor brasileiro que brilha no exterior, debruça-se sobre os dias de Ernesto Che Guevara (Gael Garcia Bernal) antes das revoluções que lhe identificaram como ícone da esquerda latino-americana. Trata-se de um preâmbulo humanístico dessa figura de contestação, no recorte de sua primeira viagem de motocicleta pela América do Sul ao lado do amigo Alberto Granado (Rodrigo de la Serna), em 1952. Entre as conquistas de Diários de Motocicleta, indicações para Cannes e o Globo de Ouro e outras sete para o Bafta, o importante prêmio inglês.

Uma feliz coincidência é que neste mesmo fim de semana passará o norte-americano Sob a Névoa da Guerra, de Errol Morris, documentarista considerado dos melhores justamente por Walter Salles e seu irmão João Moreira (Entreatos). O documentário só não interessa a quem considera a história uma ciência exata, porque seu diretor promove uma inquisição retroativa no modelo democrático do século XX. Utiliza para tal tarefa, implícita, a figura de Robert McNamara, ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos entre 1961 e 1968, intervalo que compreende a crise de mísseis em Cuba e parte do conflito no Vietnã. Sob a Névoa da Guerra inclina-se a criticar anseios delegados (centralizados?) de uma população a um representante político – conforme o receituário da democracia – e fala diretamente a um tempo em que condoleezzas e rumsfelds afrontam sociedades inteiras, em nome da planificação política.

Nas semanas seguintes, a Mostra convida o espectador a uma volta ao mundo em outros dez filmes. Por exemplo, Adeus, Lênin!, longa alemão que obteve relativo sucesso popular na sua observação das ideologias mortas; Queimando ao Vento, do italiano Silvio Soldini, o mesmo de Pão e Tulipas; Dogville, em que o dinamarquês Lars Von Trier se entrega a uma valsa brechtiana para resenhar a crueldade de uma nação (a norte-americana); Spider, do canadense David Cronenberg; a animação francesa e “semi-muda” Bicicletas de Belleville; e Osama, o primeiro filme afegão após a queda do regime talebã. Uma enxurrada de obras que, por suas qualidades técnicas e/ou históricas, são permeáveis ao interesse do cinéfilo.



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