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Esquecida, Billings segue vulnerável

Especialistas alertam para os riscos das ocupações
irregulares e lançamento de poluentes no manancial

Por Daniel Macário e Yara Ferraz
13/03/2017 | 07:34
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Celso Luiz/DGABC


Prestes a celebrar 92 anos, no dia 27, a Represa Billings mais uma vez entra nos holofotes de especialistas e políticos. Desta vez, diferentemente de 2015, quando o manancial foi um dos responsáveis pelo fim da maior crise hídrica enfrentada pelo Estado de São Paulo, o reservatório chama a atenção por sua vulnerabilidade. Sem políticas efetivas voltadas ao controle e remoção de ocupações irregulares e, principalmente, ações para o tratamento do esgoto hoje despejado na represa, o gigante que corta cinco municípios do Grande ABC – Santo André, São Bernardo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, além de parte da Zona Sul da Capital –, mostra sinais de desgaste que, segundo especialista, servem de alerta para um futuro desafiador.

Sem dados precisos sobre a quantidade de famílias que residem às margens do manancial, estimativas apontam para cerca de 252 mil moradias somente em Santo André e em São Bernardo. Prefeituras da região persistem em tratar o manancial como segundo plano. Exemplo desse cenário tem sido a ineficiência do poder público no controle e fiscalização de invasões irregulares que a cada dia crescem no entono da Billings. “Infelizmente, as pessoas que estão perdendo emprego e não possuem condições para arcar com aluguel estão recorrendo à Billings como alternativa de ter um lar. A cada dia tem um barraco novo sendo levantando, e o pior de tudo isso é que os prefeitos fecham os olhos. Eles acabam sendo coniventes, afinal, árvore desmatada não dá voto. Mas eles se esquecem que um dia a pessoa que cortou essa vegetação vai precisar da água da Billings”, avalia o ambientalista e presidente do MDV (Movimento em Defesa da Vida) do Grande ABC, Virgílio Alcides de Farias.

Implantada há sete anos com o objetivo de reverter o quadro de invasões, por meio da regularização de assentamentos já instalados no manancial, a Lei Especifica da Billings pouco avançou desde então (leia mais baixo). Para piorar a situação, o lançamento de poluentes na represa tem se agravado a cada ano.

“As ocupações hoje são o menor problema da Billings. O Rio Tietê, por exemplo, continua jogando uma quantidade absurda de esgoto na represa, quantidade essa que aumenta significativamente quando chove em São Paulo, mas ninguém fala sobre isso, afinal, para as prefeituras o problema é somente as invasões”, ressalta o professor de Engenharia da UFABC (Universidade Federal do ABC) Ricardo de Sousa Moretti.

Na avaliação dos especialistas, é necessário que municípios e Estado unam esforços para rever o cenário alarmante vivido pelo manancial. “A continuar desse jeito, mais para frente as pessoas, quando o Estado enfrentar outra crise, terão de beber esgoto filtrado”, alerta Alcides.

Para a bióloga especialista em recursos hídricos e professora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) Marta Ângela Marcondes, o cuidado também deve se estender às ocupações. “O poder público hoje não dá conta, as ocupações são muito rápidas. Temos uma carência de fiscalização que precisa ser solucionada.”

Lei de proteção esbarra na burocracia

Assinada pelo então governador do Estado, José Serra (PSDB), no dia 13 de janeiro de 2010, com a promessa de pôr fim à insegurança de moradores de viver na ilegalidade e com a perspectiva de facilitar o processo para adquirir o título de moradias localizadas às margens do manancial, a Lei Especifica da Billings segue esbarrando na falta de entendimento entre Estado e municípios do Grande ABC.

Se de um lado prefeitos culpam o processo burocrático imposto pelo Estado para liberação de licenças, especialistas, por sua vez, fazem duras críticas em relação ao que chamam de ‘omissão’ dos governos na fiscalização que deveria ser realizada nas áreas do manancial.

“A lei é um instrumento facilitador, mas se não houver empenho de governantes ela não resolverá o problema sozinha”, avalia o professor de Engenharia da UFABC (Universidade Federal do Grande ABC) Ricardo Sousa Moretti. Omissos diante da problemática da falta de tratamento de esgoto, os municípios, segundo o especialista, têm tido parcela significativa na atual situação do manancial. “Muitos culpam as invasões pela grande parte dos problemas. E os prefeitos que não cobram do Estado o tratamento do esgoto, eles não têm parcela de culpa no atual cenário do reservatório?”, questiona.

Responsável por estabelecer parâmetros técnicos para regulamentação fundiária e remediação de danos ambientais no manancial, na prática, a legislação pouco interferiu no cenário do manancial desde sua implantação. Atualmente, as prefeituras e o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC sequer sabem precisar número de habitantes no entorno da área.

Para a bióloga especialista em recursos hídricos e professora da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Marta Ângela Marcondes, o cenário é preocupante. “A Lei da Billings não saiu do papel. É preciso ter uma política de moradia mais especifica, área com dignidade, não de qualquer maneira. Onde já estão instaladas as pessoas, que seja feito coleta e tratamento de esgoto, antes de chegar no reservatório.”

Após três anos em discussão no Consórcio, a pauta para rever tópicos da Lei da Billings volta agora à mesa de debate como possível alternativa para reverter o cenário de pouco avanço. A expectativa é a de que a reunião entre integrantes da entidade e Estado, agendada para hoje, dê novas perspectivas sobre o assunto. Na ocasião, a entidade deve propor mudanças, incluindo a de áreas de zona de restrição, liberando espaços para instalação de pontos de atividade econômica, essencialmente em Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra – cidade 100% localizada em manancial.




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