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Superlotação em CDP obriga detentos a dividir colchonetes

Em visita à unidade de Santo André, ontem, equipe do Diário ouviu relatos dos presos; celas têm oito camas, mas abrigam até 25 homens

Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
01/02/2017 | 07:00
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Ricardo Trida/DGABC


Com capacidade para 534 detentos, mas com 1.365 amontoados na unidade, o CDP (Centro de Detenção Provisória) de Santo André mantém cerca de 25 internos em cada cela, local onde deveriam estar em torno de 15. O resultado da superlotação é que não há camas disponíveis para todos, o que obriga boa parte dos presos a dividir os colchonetes espalhados pelo chão, segundo relatos feitos à equipe do Diário, que esteve do lado de dentro do CDP ontem pela manhã.

“São cerca de 25 pessoas em uma cela, e não tem cama para todo mundo. São quatro colchonetes no chão (e oito camas), que chamamos de praia, e muitas vezes precisamos dividir entre dois”, afirmou um detento que está na unidade há três anos por latrocínio.

Os internos dizem que embora chame a atenção, o cenário atual é melhor do que o observado há alguns anos. “Logo quando entrei, em 2014, a situação era pior. Já chegou a ter 58 pessoas em uma cela”, destacou um dos entrevistados. Conforme ele, a saudade da família é mais difícil de suportar. “O pavilhão é aberto e podemos ir até a biblioteca e ter acesso às aulas durante o dia.”

O coordenador das unidades prisionais da Região Metropolitana, Antônio José de Almeida, afirmou que a lotação é um problema em todo o sistema, mas que a situação está sob controle em São Paulo. “O Estado garante que o preso tenha condições de cumprir a pena com dignidade”, disse.

O diretor geral da unidade, Antônio Carlos da Silva, esclareceu que são oferecidos colchões e não colchonetes, itens que precisam ser disponibilizados por causa da demanda maior do que a oferta de leitos. “São 534 vagas, ou seja, 534 camas. São oito por cela e, de acordo com a metragem, colocamos mais colchões para que os presos durmam. Eles são individuais e ocupados por um detento cada, mas em algumas celas eles acabam dormindo em mais de um, até por conta do frio.”

O diretor do CDP afirmou que as audiências de custódia, implementadas no ano passado e que devem ser realizadas em até 24 horas após a prisão do indivíduo, são fundamentais para redução da população carcerária, o que já vem acontecendo. Conforme números da SAP (Secretaria de Administração Penitenciária), na última semana, o número era de 1.408 detentos. “Temos 45 presos já condenados pela Justiça. Eles aguardam o procedimento, que tem prazo de 90 dias, para serem transferidos.”

Segundo a administração da unidade, entre 40 a 60 detentos dão entrada no CDP a cada semana, número 37% menor do que o registrado em anos anteriores.

A unidade não é a única do Grande ABC que está com lotação acima da capacidade. Conforme números disponibilizados pela SAP na última semana, a unidade de São Bernardo mantém 1.549 detentos, mas tem capacidade para 844, Diadema tem 1.206 presos para 613 vagas e Mauá 1.205 homens, quando deveria abrigar 624.

Questionado sobre as rebeliões que aconteceram no início do ano nas penitenciárias do Norte e Nordeste do País, Almeida afirmou que a situação é diferente em São Paulo. “Nós também lidamos com presos de facção, mas é um cenário diferente das penitenciárias. Nos últimos anos, os presos dos CDPs têm mantido a disciplina e não temos grandes problemas.”

Jornada prevê fazer mais 1.500 atendimentos na unidade até hoje

O CDP de Santo André recebeu ontem a primeira jornada de cidadania e empregabilidade do ano, que realizou mutirão com atividades voltadas aos internos. A previsão é a de que mais de 1.500 atendimentos sejam realizados até hoje, entre os quais emissão de documentos, assistência jurídica, corte de cabelo e palestras sobre o mercado de trabalho.

Para o coordenador das unidades prisionais da Região Metropolitana, Antônio José de Almeida, regularizar a documentação dos detentos é o primeiro passo para a ressocialização. “É extremamente necessário, porque a maioria não possui todos os documentos em ordem. Quando saírem daqui, vão precisar estudar e trabalhar, o que não é possível sem documentos.”

A ação é realizada desde o ano passado em 17 CDPs do Estado, incluindo os quatro do Grande ABC. Neste ano, a primeira unidade a receber a jornada foi Santo André, mas há previsão de que os outros espaços participem no decorrer do ano. “O objetivo é fazer com que todo preso saia daqui com os documentos em ordem. Pode parecer algo simples, mas é uma oportunidade de inclusão”, disse o diretor da unidade Antônio Carlos da Silva.

No decorrer do ano, os presos têm aulas de empreendedorismo e orientações sobre o mercado de trabalho. Conforme o diretor, apesar de a unidade ser antiga, espaços foram adaptados para as atividades. “Foi construída em 1994 para ser um cadeião e depois foi adaptada para CDP. Mesmo assim, conseguimos manter sala de aula e palestras, onde os detentos têm cursos e aulas de pintura, além da biblioteca.”

A ação foi realizada em parceria com a Arpen-SP (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo), para emissão de documentos, e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), para tirar dúvidas dos internos em relação aos processos. Também participaram voluntários das igrejas Universal, com corte de cabelo, e Testemunha de Jeová, responsáveis por auxiliar na alfabetização de 33 presos que não concluíram a Educação Básica.

Presos têm foco nos estudos e trabalho

Condenado por latrocínio e à espera do julgamento de recurso, professor de Educação Física de 32 anos já está há três no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Santo André. Ele, que alega ser inocente, teve a impressionante nota de 890 pontos no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2016. Foi a maior entre os 50 detentos inscritos na prova.

Ele aproveitou o período no CDP para estudar. “Leio três livros por dia e aproveito para aperfeiçoar os estudos. Tenho duas formações em Ensino Superior e pretendo fazer Pedagogia, porque quero ajudar os colegas e fazer a diferença.”

Ele é monitor do curso de empreendedorismo junto com colega de 51 anos, que está há um ano e dois meses na unidade e também prestou a prova. O homem foi preso após tentativa de homicídio contra o pai. Alcoólatra e com problemas de depressão, encontrou refúgio nos livros. “Tinha muitos problemas e me descontrolei em uma briga entre meus pais. Nem lembro direito o que aconteceu, mas sei que errei e tenho que pagar.”

Um detento aposentado, 63, está há dois anos preso e prestes a ir para o regime semi-aberto. Autuado na Lei Maria da Penha por agressão à mulher, ele se mostra arrependido. Antes, trabalhava como segurança em Diadema e hoje faz manutenção no CDP. “Faço isso porque ajuda a distrair a mente e ainda é uma possibilidade de redução da pena.”

A manutenção também foi opção de interno de 37 anos, que está há três na unidade por homicídio. Ele é formado em Engenharia Mecânica e pretende voltar para a área. “Acho que a principal lição que tiro daqui é que todos têm uma família e merecem segunda chance. Quero mudar de vida e curtir a minha família”.




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