No Grande ABC, mesmo sendo um dos principais polos industriais do País, reside uma das maiores populações rurais do Estado de São Paulo. Em São Bernardo 12.789 pessoas vivem nesta condição, segundo o Censo 2010, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O resultado garante que São Bernardo seja o 12º maior município com moradores em zonas rurais do Estado, inclusive na frente de cidades tradicionais do interior paulista, como Piracicaba, São Carlos, Sorocaba, São José dos Campos e Limeira, entre outras.

Essas pessoas moram em sítios, vilarejos e chácaras em dez bairros, localizados no distrito do Riacho Grande. Eles precisam utilizar balsa para chegar ao Centro de São Bernardo ou à Zona Sul da Capital. Andam em ruas de terra esburacadas. Criam porcos, cavalos, vacas, galinhas e cachorros, tudo em quantidade pequena. Adoram a tranquilidade e o barulho dos bichos do mato. Vizinhos dos mananciais, esses habitantes preservam a natureza, pois 40% do espaço está nos limites da área de proteção ambiental.

Eles garantem: não querem viver na ‘cidade' de jeito nenhum. Os moradores carregam sotaque do Interior, puxando a letra ‘R' em toda frase. E, por viver em locais bastante ermos, muitos admitem ter medo de ‘assombração'.

A equipe do Diário percorreu cinco desses bairros e dezenas de quilômetros para encontrar histórias de pessoas que, em plena Grande São Paulo, vivem de um jeito completamente diferente. A população rural representa 1,67% dos moradores de São Bernardo, mas ocupa 52,45% do território da cidade, ou seja 214,42 km², segundo informou a Prefeitura.

"Isso aqui é o melhor lugar do mundo. Mesmo com o problema da balsa, não trocamos por nada", avaliou o aposentado Luiz Novack, 74 anos, que nasceu no bairro Tatetos. Ele e sua esposa Erundina, 62, moram com um filho em uma casa erguida com madeira e barro em 1968. No quintal criam galinhas e um porco. A horta já foi maior. Devido à lesão na perna direita, o aposentado não realiza mais os serviços de agricultor que tanto gostou de fazer ao longo da vida. "Ajudo bastante, mas tem coisas que infelizmente não dá mais", comentou Erundina.

Segundo o IBGE, a população rural é representada por elementos físicos naturais e artificiais do terreno, tais como rios, estradas, localidades. No Grande ABC, somente São Bernardo tem bairros com tais características. Ali, o que se encontra são pequenas hortas, cuidadas pelos proprietários. Não existem grandes criações ou lavouras, já não pode haver destruição da mata nativa.

Isolamento é compensado com tranquilidade e ar puro

 Sobrevivência, amor e qualidade de vida. Alguns moradores contaram à equipe do Diário por que vivem tão distante de centros comerciais, supermercados, cinemas e pessoas.

O silêncio e o ar puro foram os motivos que levaram o metalúrgico Marcos Roberto da Silva, 34 anos, a deixar o bairro do Ipiranga, Zona Sul da Capital, para se mudar com a mulher e os dois filhos para uma chácara de 14 mil m², no bairro do Taquacetuba. "Meu filho vivia com problemas respiratórios. Depois de um ano vivendo aqui, não precisou mais tomar antibiótico."

O agricultor Manuel Santana, 47, deixou o Rio Grande do Norte há 20 anos e não quer outra coisa que não continuar a morar no meio do mato. "Isso aqui é bom demais, a vida é mais tranquila", disse. Ele eventualmente sobe no trator, carrega sacos de milho e sai para vender pelo bairro do Taquacetuba.

Uma multa serviu de lição para o pescador Pedro Souza, 38, que vive em um sítio no bairro Capivari. Há dez anos, ele desmatou parte do quintal da família e foi autuado pela Polícia Ambiental.Desde então, segue as regras. "Vim da roça e queria plantar. Mas não sabia dessas coisas todas."