Um mês depois de tragédia em Santos, moradores reclamam de descaso, mas falam em reconstrução do bairro
“O sonho é reconstruir nossa casa”. A frase dita com voz embargada, em meio a lágrimas, sintetiza o desejo da família Homme de Bittencourt, moradora há 42 anos da Rua Alexandre Herculano, no Canal 2, bairro Boqueirão, em Santos, cuja residência foi a mais afetada com o acidente aéreo que vitimou Eduardo Campos, então candidato do PSB à Presidência, há exato um mês.
De acordo com a advogada Wanda Maria Pettinatti Homme de Bittencourt, 49 anos, filha do casal proprietário – o aposentado Paulo Homme de Bittencourt, 85, e a professora Wanda Homme de Bittencourt, 76 – o sentimento durante esse período é de “total descaso”, o que motivou um processo judicial contra o PSB, requerendo indenização pelos prejuízos somados e danos morais.
“Absolutamente ninguém nos procurou. Nem do partido nem da companhia aérea para nos posicionar sobre a situação. Não tivemos escolha ao não ser optar pelo caminho judicial e definimos processar o partido em questão, pois tratava-se de viagem de campanha”, justifica.
Além de Eduardo, mais seis pessoas estavam a bordo: os pilotos Geraldo Cunha e Marcos Martins, o assessor de imprensa Carlos Augusto Leal Filho, conhecido como Percol, o fotógrafo Alexandre Severo Gomes e Silva, o cinegrafista Marcelo Lira e o ex-deputado federal Pedro Valadares Neto. Não houve sobreviventes no acidente.
A aeronave modelo Cessna 560XL, prefixo PR-AFA, caiu às 10h no quintal de 500 metros quadrados localizado nos fundos da residência da família Homme de Bittencourt. Minutos antes, o piloto teve de arremeter na primeira tentativa de pouso na base aérea de Santos, situada no Guarujá, onde o presidenciável realizaria atividade naquele dia 13 de agosto. O tempo estava ruim, com vento e neblina, e ele manobrava sobre o bairro para segunda chance de pouso.
O impacto abalou duramente as estruturas da propriedade. Wanda explicou que seus pais aproveitavam o local para o cultivo de árvores e preservação de gramado. O choque dos destroços do avião na residência provocou a destruição de parte do telhado, dos muros, além da quebra de vários móveis e aparelhos domésticos. “Acredito que o prejuízo está em torno de R$ 600 mil. Foi uma destruição total. Tivemos muita sorte da casa ter conseguido ficar em pé”, relembra Wanda, que hoje mora em simples apartamento de um dormitório com os pais.
A situação de desamparo foi compartilhada pelo professor de Educação Física e proprietário da academia Mahatma, Benedito Juarez Câmara, 69 anos. A localidade foi também duramente atingida pela queda da aeronave. “Isso aqui (academia) era a minha vida. Não sei o que fazer ainda”, explica Juarez, que tem o empreendimento há quase 40 anos e possuía 800 alunos.
Os destroços e o incêndio ocorrido após queda da aeronave causaram inúmeros danos, como a destruição de parte do teto, danificação do muro, além de várias rachaduras, que inutilizaram duas piscinas olímpicas e grande parte dos aparelhos de ginástica.
Para Juarez, que também admite a possibilidade de um processo judicial para reaver os danos – inclusive contra o PSB –, o principal foi conquistado. “Pouco antes do acidente, eu dava aula de aeróbica, no complexo superior, que foi o mais atingido. Deixei o local para tomar um café. Eu fiquei muito feliz que ninguém da academia morreu ou ficou ferido.”
Desde a tragédia, o prédio foi interditado pela prefeitura de Santos. Só foi liberado na segunda-feira para obras, o que, no entanto, não ajudou o proprietário. “Não tinha seguro e não tenho dinheiro para reformar. Estou tentando empréstimo com bancos, mas está muito difícil”, lamenta.
CENÁRIO
“O bairro do Boqueirão nunca mais foi o mesmo”, relatou o porteiro, Joeliton Barros, 38 anos, morador da Rua Alexandre Herculano, um dos poucos munícipes que aceitaram conversar com o Diário.
Antes caracterizada por ponto de interação dos vizinhos, a via agora vive clima fúnebre. Somente curiosos param em frente à residência mais afetada com a queda da aeronave. No local do acidente, foi recolocada terra para tapar a enorme cratera onde ficou enterrada a parte da frente do avião de Eduardo.
Morte transformou o cenário político
Até o dia 13 de agosto, a disputa pela corrida presidencial apontava mais uma polarização entre o PT e o PSDB. A chapa do PSB, que era encabeçada pelo ex-governador pernambucano Eduardo Campos e que tinha a ex-senadora Marina Silva como vice, aspirava crescimento no processo eleitoral, no entanto, ocupava distante terceira colocação em pesquisas eleitorais, variando em torno de 10% das intenções de voto. A presidente Dilma Rousseff (PT), que busca a reeleição, garantia liderança com 38% em média, seguida pelo senador Aécio Neves (PSDB), 23%.
Contudo, o cenário apresentou vertiginosa modificação logo no primeiro levantamento após a morte de Eduardo. Marina Silva foi oficializada como candidata a presidente da República pelo PSB e o deputado federal Beto Albuquerque, nomeado vice-presidente na coligação.
Desde então, a ex-senadora cresceu em todas as pesquisas, chegando atingir 34% de preferência eleitoral. Atualmente, está com 31%, contra 39% de Dilma – conforme pesquisa Ibope apresentada ontem. Em disputa no segundo turno, o cenário aponta empate técnico entre Marina e Dilma.
Quem mais sofreu com a alteração do cenário foi Aécio Neves. O senador mineiro viu a sua candidatura ruir desde então, despencando nas sondagens eleitorais, que mostram hoje que 15% do eleitorado são favoráveis ao tucano.
Inicialmente, os tucanos adotaram discursos de que o ‘efeito Marina Silva’ era variável, com tempo limitado e com apelo emocional. Conforme as pontuações em pesquisas foram se fixando, o tom de Aécio foi alterado e as atividades de campanha começaram a se caracterizar por inúmeros ataques à ex-senadora. Em agenda recente, o senador tucano declarou que “Marina Silva diz uma coisa em um dia e muda no outro, conforme a pressão sofrida”.
Sem o favoritismo de antes, Dilma também partiu para ofensiva contra a socialista. Ela criticou proposta de autonomia do BC (Banco Central) defendida por Marina, classificou a rival como presidenciável de banqueiros e até chamou de “vira-casaca” a ex-companheira de ministério no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A petista se recuperou nas pesquisas após o bombardeio.
PF adia apuração sobre acidente aéreo
Como o inquérito não foi concluído em 30 dias, a PF (Polícia Federal) pediu ontem ao Ministério Público a prorrogação das investigações sobre a queda do avião que matou o então presidenciável Eduardo Campos (PSB). Este procedimento é adotado quando não há encerramento de averiguação no prazo estabelecido.
A PF torna-se obrigada a solicitar ao MP extensão do prazo, com o objetivo de informar posteriormente as novas etapas da apuração do acidente. Entretanto, a investigação se restringiu às causas do acidente, sem entrar no mérito da procedência da aeronave – de propriedade de empresário de Recife, o avião também virou centro do noticiário político por não ter sido declarado à Justiça Eleitoral.
Irmão de Eduardo, o advogado Antonio Campos ingressou na segunda-feira com ação no MPF (Ministério Público Federal) de Santos solicitando abertura de ação judicial para a produção antecipada de provas sobre os motivos da queda. Ele se baseia na necessidade de investigação minuciosa sobre ocorrência de crimes de homicídio, citando a possibilidade de morte culposa (sem intenção) e atentado contra a segurança dos meios do transporte aéreo. O irmão de Eduardo também questionou a isenção da Aeronáutica para investigar as causas do acidente.
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