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Fernando Cândido Villafranca: videoteca para salvar imagens do Grande ABC
Ademir Medici
18/06/2018 | 07:00
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André Henriques/DGABC


 O trabalho que o sr. realiza neste campo da recuperação de filmes e vídeos é amplo, não?
As imagens são telecinadas, e são muitos os exemplos, como a recuperação de um filme que documenta a inauguração do Autódromo de Interlagos, em 12 de maio de 1940. E há filmes que nós mesmos produzimos, como a cobertura que fizemos dos Jogos Abertos do Interior de Santo André em 1985, os 180 anos da imigração alemã no Brasil, a inauguração do órgão da Matriz da Boa Viagem em São Bernardo, a criação do Museu de Arte Sacra Sagrada Família de São Caetano, o 10º Encontro dos Corais da Língua Italiana de São Bernardo, o baile dos Anos Dourados do Tênis Clube de Santo André, a história do cinema, escrita e documentada, os 200 anos da Paróquia da Boa Viagem, que foi a primeira do Grande ABC. Esses casos citados representam 1% do que fizemos até aqui.

O sr. manteve um contato estreito e documentou a obra de Cláudio Pastro, considerado o principal artista sacro do Brasil, seu amigo.
Sem dúvida. O Cláudio Pastro é autor de mais de 300 obras no Brasil e no Exterior. Trabalhou com três papas. Decorou 350 igrejas, capelas e catedrais no País e no mundo. E fez uma obra importante para o Museu de Arte Sacra da Sagrada Família, em São Caetano.

Nesta caminhada, várias vezes o seu trabalho cruzou com a criação e evolução do Diário do Grande ABC...
Foram três grandes momentos. O Diário começou como News Seller, na Zona Leste de São Paulo. Eu morava na Vila Prudente e os seus idealizadores, na Vila Zelina. E os quatro proprietários permaneceram juntos por praticamente 50 anos.

E qual foi o primeiro momento deste contato?
O Maury (de Campos Dotto, um dos fundadores do Diário) era meu amigo. Eu tinha um escritório na Rua Direita, no triângulo paulistano. Toda semana, quando o News Seller era rodado em oficinas de terceiros, ele passava no meu escritório e me dava um exemplar. Ao mesmo tempo eu tinha um jornal na Vila Prudente, Vila Prudente em Notícias. Depois fundamos o Bandeirante em Notícias, também na Vila Prudente. Esse jornal teve uma tiragem de seis edições, porque o bairro não tinha um poder aquisitivo alto. Foi por essa razão que o News Seller mudou para o Grande ABC e aqui se transformou no grande Diário.

E o seu trabalho com vídeo, quando começou?
Foi bem depois, e essa é a minha segunda ligação com o Diário. Antes de trabalhar com vídeo fui modelo, posando para inúmeras peças publicitárias, inclusive internacionais.

A sua segunda relação com o Diário, quando foi?
Comecei a trabalhar com vídeo. Eu filmava em 8 milímetros e depois Super-8. Quando surgiu o vídeo eu já morava no Grande ABC e precisava divulgar o meu trabalho. Procurei o Diário. E o colunista social da época, Serafim Vicente, me abriu as portas da sociedade de Santo André e do Grande ABC para a minha profissão. Nós nos tornamos grandes amigos e fiquei muito conhecido.

O trabalho com vídeos deu certo, então?
Deu certo. Nesses 40 anos, permaneço no ramo, fazendo vídeos, entre eles empresariais. Só para a Firestone, hoje Bridgestone, produzi durante 35 anos. Registrei os meios de produção, simpósios de vendas e solenidades diversas por esse Brasil afora. Passei por cinco presidentes. Fiz um filme sobre os 100 anos da empresa, em duas versões, a completa e um compacto. E trabalhei para a Pirelli e outras 500 empresas. Um trabalho comercial que hoje ajuda na construção da memória.

O sr. guarda esse material, esse trabalho realizado?
Guardo. Sei que é importante. Tanto que surgiu a ideia da videoteca.

E a sua terceira atividade junto ao Diário, como foi?
Foi antes da internet. Eu tinha um aparelho chamado videoprint, que transformava o vídeo em foto. Fizemos coberturas memoráveis durante a Olimpíada de Barcelona (em 1992), fiz cobertura para vários jornais e revistas. E no dia que Rogério Sampaio (no judô) ganhou a medalha de ouro, um sábado à tarde, o Diário já estava rodando a edição de domingo. E o Justo, que era o chefe da oficina (hoje é meu vizinho), me ligou perguntando se eu havia feito a foto. Disse que sim. Ele parou a rotativa, mandou buscar a foto. Não deu tempo de colorir, porque o jornal era feito à base de fotolitos. Mas a foto saiu em destaque, na capa. O Diário foi o único jornal brasileiro a publicar essa imagem no dia seguinte (2 de agosto de 1992). Registramos a vitória de Robson Caetano na arrancada dos 200 metros. Focalizamos o vôlei vitorioso de Ana Mozer e companhia. O depoimento do motorista que derrubou o presidente (Fernando) Collor. E no campo do vídeo, cobrimos o lançamento do Chevette, entre tantas coberturas.

O sr. vibra muito com o seu trabalho...
Eu faço com paixão. São 60 anos que produzo fotos e vídeos. E faço com amor.

E agora o sr. está escrevendo livros.
Editei dois livros. Um sobre uma obra de arte da minha família, que pesquisei durante 25 anos, Um Pintor Sem Nome, de arte flamenga do século 15. Depois escrevi livro sobre a história do cinema, Do Cinema ao Blu-Ray e 3D. Tenho um terceiro, já pronto, Será que Valeu a Pena?, sobre a minha vida, que ainda não foi lançado.

Há o novo projeto, uma videoteca para o Grande ABC?
Temos muito material, e não apenas do Grande ABC. Telecinei um filme sobre a passagem do dirigível Zepelim no Recife, de 1926, original em 16 milímetros. O VHS, que não se usa mais, tem o problema da deterioração. As fitas são magnéticas. Guardadas, com o tempo emboloram. Tenho máquinas para limpeza dessas fitas e depois recupero e passo para o DVD, sempre com a recomendação: guardem as fitas, porque o DVD, se riscar, perde o conteúdo. Com o VHS o máximo que pode acontecer é embolorar. Dependendo do lugar onde foi guardado, pode ser recuperado. Uma vez recebi um VHS de Ribeirão Pires. Lugar úmido. A fita colou e arrebentou.

As empresas se preocupam em preservar os vídeos que idealiza?
De uma forma geral, as empresas não cuidam da sua história. Infelizmente. Falta essa consciência, daí a importância de uma videoteca.

E as casas de memória, cumprem bem o seu papel de estudar e construir a história?
Hoje há uma preocupação maior. Antigamente não havia, por isso é preciso ir atrás dos raros materiais que podem estar guardados em algum lugar. O grande desafio é saber quem tem essas imagens. Às vezes a pessoa tem, mas desconhece o valor que aquela fita antiga representa.

O momento, então, é de conscientizar essas pessoas?
Eu tenho uma foto de uma alavanca de bonde da Vila Prudente. O bonde 32. Um tio meu era tradutor de línguas do jornal A Gazeta, Fernando Robespierre Vita. Faleceu jovem, 29 anos, num acidente aéreo no chão. O avião aterrissava e a hélice bateu na cabeça dele. Meu nome Fernando é em sua homenagem. Não o conheci. Um dia, vindo do trabalho, meu tio discutiu com o motorneiro do bonde. O motorneiro pegou a alavanca para atingi-lo. Ele tirou a alavanca do condutor. Deve ter dado uns tapas no camarada e levou a alavanca embora. Essa alavanca deve ter uns 80 anos. Guardei comigo. Depois pensei: ‘Na minha casa, ninguém vai saber o que é isso’. O Circulo Operário da Vila Prudente tem um acervo histórico. Doei a alavanca para eles. Vai ser preservada lá. Faz parte da história da Vila Prudente.

Que conselho o sr. daria às famílias que guardam essas relíquias? Fazer o que com elas?
Hoje em dia todo mundo filma com o próprio celular. Quem tem foto antiga, um filme raro, deveria preservar esse material e doar ao museu e arquivos públicos, para ficar preservado para sempre.

E essa ideia de criar uma videoteca regional?
Essa ideia é do professor Andrade. Ele leciona na Universidade Metodista. Convive com um mundo que faz história. E percebeu que se nada for feito, muito se perderá.

Recentemente publicamos a história de uma moça que filmou o primeiro show do antigo Mappin ABC, hoje Shopping ABC, em 1988. Show do Guilherme Arantes. Jussara Balleroni foi fotografada pelo Celso Lima com uma filmadora a tiracolo. Infelizmente a moça é falecida. Mas é possível que aquele vídeo tenha sido preservado.
Também filmei a inauguração do Mappin ABC, a partir de uma loja Pixolé. Ao longo dos anos filmei muito para a Pixolé. É uma das empresas do meu catálogo. Todo esse material está devidamente guardado.

E aquela fita recuperada do Autódromo de Interlagos? O autódromo tem as imagens?
Agora tem, porque eu doei a eles. Recentemente eles publicaram aquelas cenas. Não deram crédito ao meu trabalho, o que é comum (e antiético). Creditar quem trabalhou é uma forma de reconhecer esse trabalho.

Seria muito importante que o sr. fosse chamado às escolas para palestras, até para conscientizar alunos e professores a respeito.
Tenho três palestras montadas. Sempre que procurado, estou à disposição.

RAIO X

Nome: Fernando Cândido Villafranca

Estado civil: Casado

Idade: 76 anos

Local de nascimento: Maternidade Santa Terezinha, na Mooca

Formação: Curso científico

Hobby: Automobilismo

Paixões: A família, mulher, filhos e sete netos

Livro que recomenda: Todos do Machado de Assis

Filme: E o Vento Levou

Profissão: Fotógrafo, cinegrafista e palestrante

Onde trabalha: Estúdio na Rua Marina, bairro Campestre, Santo André




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