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Três artistas ocupam o Museu Brasileiro da Escultura
Do Diário do Grande ABC
27/06/1999 | 15:37
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O Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) foi tomado de assalto pela arte contemporânea brasileira. As exposiçoes de Carlito Carvalhosa, Laurita Salles e Renata Padovan, que serao inauguradas segunda-feira, às 19 horas, procuram explorar ao máximo o belo prédio situado na esquina da Avenida Europa com a Rua Alemanha, apropriando-se do espaço generosamente grande com obras quase monumentais ou dialogando com sua arquitetura impactante.

Cada um desses trabalhos segue seu percurso solitário - e nao foi mesmo a intençao do museu promover aproximaçoes ou parentescos -, mas sua combinaçao num mesmo local só faz confirmar a riqueza dos caminhos explorados atualmente pela produçao brasileira e a necessidade real de os artistas terem à disposiçao uma infra-estrutura adequada para dar continuidade e mostrar a evoluçao de suas experiências.

Deixando evidente esse anseio, Carlito Carvalhosa nao resistiu e praticamente transferiu seu ateliê para o museu, confeccionando in loco uma parcela importante de seus trabalhos. "Esse é meu primeiro trabalho realmente grande", comemora.

Além da evidente facilidade de produzir uma mostra tao pesada in loco (uma das obras chega a pesar oito toneladas), essa imersao no cenário do MuBE permitiu ao artista estabelecer um interessante contraponto com a arquitetura do museu. "Quis dar um nó nesse espaço", diz. Esse efeito é garantido pela presença incômoda das peças no museu. Suas curvas invertidas e o jogo entre o desenho interno e externo das peças parecem contrastar com as linhas secas do prédio do arquiteto Paulo Mendes da Rocha.

Paradoxo - A idéia de Carvalhosa é explorar o máximo o caráter paradoxal das esculturas, refletido até no título da exposiçao: Duas Aguas. Elas sao feitas de um material extremamente frágil para a escala utilizada (até realizar as primeiras peças, Carlito nem sabia se seu projeto seria viável); o gesso é poroso por natureza, mas foi tratado para tornar-se o mais liso possível; os trabalhos sao muito pesados, mas causam uma profunda sensaçao de leveza. Outra característica interessante dessas esculturas é que elas vao sofrer a açao do tempo, tornando-se mais leves conforme for secando a água que ainda impregna o gesso.

Ocupando uma área de 500 metros quadrados, essas esculturas apenas pontuam o espaço, ao mesmo tempo provocando o espectador e reservando uma aura de mistério. "É como se o trabalho guardasse algo de indevassável", explica Carvalhosa.

Segundo ele, esta característica está presente há muito tempo em sua produçao, desde os tempos em que integrou o grupo Casa 7.

"O trabalho fala sempre de uma coisa só", diz ele, arriscando que essa unidade seja garantida por uma certa ironia, uma certa impossibilidade presente nos trabalhos. Carvalhosa inaugura no dia 8 uma exposiçao equivalente no Paço Imperial do Rio de Janeiro, onde também mostrará pinturas em vidro e gesso.

O desafio de trabalhar em grande escala também constitui a base das exposiçoes de Renata Padovan e Laurita Salles, o que indica um interesse crescente dos artistas brasileiros em superar as barreiras tímidas dos museus e galerias para ganhar as ruas. Enquanto a primeira optou por fazer uma intervençao na parte externa do museu, Laurita Salles trouxe uma ampla seleçao dos trabalhos que desenvolveu nos últimos cinco anos.

Escala industrial - Esse panorama revela o interesse da artista em apropriar-se dos amplos recursos permitidos pela indústria, dando um caráter indiscutivelmente contemporâneo à sua produçao e ampliando cada vez mais a escala de sua obra - que ela faz questao de apresentar nao como um trabalho de criaçao individual mas o resultado de um esforço conjunto, que depende integralmente dos operários que a ajudaram a tornear as peças, a banhá-las em ácido.

"Meu ateliê é a cidade", diz Laurita, dizendo-se encantada pela possibilidade de trabalhar, de viver nessa gigantesca escala. Pode-se dizer que seu percurso recente tem duas vertentes principais. De um lado, a artista, com sólida formaçao no campo da gravura, decidiu trazer essa técnica para seu tempo, mostrando o equívoco de se confundir gravura com estampa. "Gravura nao é artesanato, nao é Idade Média, é exatamente a quebra do feudo, a criaçao de um meio de comunicaçao e a produçao da noçao de uma técnica moderna", explica.

Partindo dessa idéia e do questionamento de como trazer essas questoes para o presente, Laurita ousou e deixou de lado a manufatura para abraçar as modernas técnicas industriais. É possível notar ao longo da exposiçao - intitulada Cilindros - o interesse de Laurita para descobrir as potencialidades da gravura (entendida como incisao, criaçao de diferentes padroes ou texturas nas superfícies de peças tridimensionais) e as potencialidades industriais.

Algumas peças têm grandes dimensoes, como as três que fez no ano passado com água-forte industrial, graças à bolsa que recebeu da Fundaçao Vitae. Laurita "descobriu" esse tipo de operaçao de usinagem ao visitar, em 1995, a fábrica de avioes da Embraer, em Sao José dos Campos, ficando encantada com as enormes piscinas de ácido que viu no local.

A corrosao química também é o foco principal dos trabalhos apresentados pela primeira vez por Laurita durante a defesa da dissertaçao de mestrado, mas neste caso a escala é menor e o efeito do ácido mais delicado e controlado, já que a artista nao contava com um suporte industrial. Ela sofreu um acidente com ácido nesse período, chegando a ficar uma semana internada no hospital, e dedicou-se ao estudo da química com mais afinco desde entao.

Mas há também na mostra uma série de trabalhos extremamente complexos, criados a partir da usinagem mecânica. As primeiras pesquisas com torno foram desenvolvidas num estágio numa escola do Senai, experiência que encantou a artista. Um dos destaques da exposiçao é uma peça híbrida, que combina uma forma torneada em latao, cuja extremidade ganhou uma impressionante curva orgânica, enquanto a outra metade é feita de um plástico altamente resistente e sedutor (que faz lembrar o mármore), "esculpido" como uma agulha.

Desenho no espaço - Se Laurita saiu da tradiçao bidimensional da gravura para conquistar o espaço, Renata Padovan transformou o espaço externo do museu numa pauta de desenho, que serviu de suporte - como se fosse um papel quadriculado - para os traços que "desenhou" com grama.

Inicialmente, ela pretendia usar pedra em sua intervençao, mas após namorar esse espaço "maravilhoso" por meses, ela acabou optando por usar a grama verde, material que contrasta mais com as linhas secas e o excesso de concreto que formam o museu e que também permite registrar de forma bastante intensa o efeito do tempo.

Infelizmente, os custos nao permitiram a ocupaçao de toda a área. Mesmo assim, foram utilizadas 800 caixas de grama, cujo plantio exigiu uma semana e meia de trabalho intenso.

Curiosamente, esse trabalho acabou tornando-se uma espécie de contraponto da intervençao feita por Renata na Floresta da Tijuca, há dois anos. Lá, como o mais exuberante era o verde, ela usou o piche para constrastar com o cenário.




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