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Perdoa-me por me traíres

Carlos

Carlos Brickmann
23/04/2017 | 07:00
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 Se quiser conhecer o caráter de um amigo, perca o poder. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que manteve os maiores empreiteiros do País como companheiros nos quase 14 anos de governo do PT, sofre agora em suas mãos. Patriarca do grupo Odebrecht, Emílio Odebrecht já colocou em toda a sua gestão a suspeita de só agir pensando em propinas. E Léo Pinheiro, da OAS, com quem, já fora da Presidência, mas com Dilma Rousseff (PT) em seu lugar, conversava nos fins de tarde, em caprichadas happy hours, entregou-o impiedosamente: não só disse que Lula era o dono oculto do famoso apartamento no Guarujá, como também que o ex-presidente lhe pediu que destruísse provas das propinas entregues ao tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. É uma acusação que, se comprovada, configura obstrução de Justiça, e pode justificar uma ordem de prisão (foi por algo assim, embora menos específico, que Marcelo Odebrecht parou na cadeia).

Vaccari e José Dirceu, reconheçamos, ficaram fiéis ao chefe, mesmo tendo ele perdido o poder, mesmo presos. Não aceitaram virar delatores para livrar-se de sentenças duríssimas. Já Antônio Palocci teve outro comportamento: disse muito, sem delação premiada, e se ofereceu em público para contar ao juiz federal Sérgio Moro “muito mais coisas” de interesse da Operação Lava Jato, cuja investigação “levará um ano de trabalho”. Michel Temer acaba de sancionar a lei que cria o Dia Nacional do Perdão. Perdão? Difícil: aproveita-se a delação, mas despreza-se o delator.

Tudo em público

É importante conhecer as condições em que Antonio Palocci depôs e as palavras exatas de sua proposta ao juiz Sérgio Moro. Ele não fez delação premiada. É processado por lavagem de dinheiro e corrupção ocorridas na entrega, à Odebrecht, de contratos com a Petrobras de afretamento de 29 sondas; e por pagamentos em caixa dois para João Santana e Mônica Moura, o casal de marqueteiros do PT (e de candidatos de esquerda em vários países latino-americanas, apoiados pelo partido, com financiamento da empreiteira).

O alvo oculto

Ex-ministro dos governos Lula e Dilma, Palocci começou seu depoimento surpreendendo o partido com fartos elogios à Lava Jato – abominada pelo PT. Respondeu tranquilamente às perguntas de Moro, e terminou oferecendo ao juiz “nomes e operações do interesse da Lava Jato”. Segue-se a frase completa: “Todos os nomes e situações que optei por não falar aqui, por sensibilidade da informação, estão à sua disposição o dia que o senhor quiser”.

Siga o dinheiro

Por que é importante saber exatamente o que Palocci disse? Por dois motivos: primeiro, as delações premiadas de 78 dirigentes da Odebrecht, organizadíssimas, já trazem nomes e informações de interesse da Lava Jato, e foram completadas pelo devastador depoimento de Léo Pinheiro, da OAS. Que restaria acrescentar ao dossiê empreiteiras? Segundo, Palocci sempre foi, desde a primeira campanha presidencial de Lula, o encarregado do relacionamento do PT com os meios financeiros.

Estaria Palocci, com seu pedido público de delação premiada, advertindo os bancos de que abandoná-lo quando perdeu o poder talvez não seja uma boa ideia? O poder passou, mas a memória continua.

Talvez Palocci nem pense nisso. Mas a possibilidade de que possa pensar nisso é suficiente para deixar preocupados os donos do dinheiro.

Um dia de problemas

O depoimento de Palocci, caso seja aceita sua proposta, não assusta só os donos do dinheiro. Para o PT, o risco é alto: até agora, o partido foi atacado na Lava Jato e operações conexas por “companheiros de viagem”, aliados eventuais mas não gente de dentro. Palocci é do núcléo duro.

Mas o que mais irritou os petistas foi o depoimento de Léo Pinheiro. Primeiro, por reforçar a tese de que o apartamento no Guarujá e o sítio de Atibaia são de Lula, enquanto Lula sustenta que nem o apartamento nem o sítio são seus. Segundo, por oferecer um motivo novo para que Lula seja preso, a obstrução das investigações. O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, acusou Léo Pinheiro de ter contado uma versão, criada de acordo com os promotores, para sustentar a tese de que Lula é o dono do apartamento do Guarujá. “A versão fabricada de Pinheiro foi a ponto de criar um diálogo – não presenciado por ninguém – no qual Lula teria dado a fantasiosa e absurda orientação de destruição de provas sobre contribuições de campanha, tema que o próprio depoente reconheceu não ser objeto das conversas que mantinha com o ex-presidente”, diz Zanin em nota oficial.

Lula, o verdadeiro

Lula, façamos justiça, sempre falou a verdade, embora muitos duvidassem dele. Sempre disse que o apartamento triplex no Guarujá era do amigo e que o sítio de Atibaia era do amigo. Agora, com as delações da Odebrecht, ficamos sabendo qual o apelido de Lula na empreiteira: Amigo.




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