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Em 28 anos, região perde 58% das indústrias de grande porte

Quanto aos empregos gerados no setor, houve enxugamento de 48% dos postos

Por Yara Ferraz
Do Diário do Grande ABC
18/02/2018 | 07:00
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Nario Barbosa/DGABC


Desde o fim dos anos 1980, o Grande ABC vem passando por diversas transformações em sua economia. A região, conhecida pela forte presença da indústria, principalmente a automobilística, possui hoje número maior de empresas do ramo. No entanto, perdeu 58,3% das grandes indústrias (com mais de 500 funcionários). Entre as principais consequências deste processo está a drástica redução no número de empregos no segmento, que caiu quase que pela metade, dos 363.333 postos de trabalho em 1989 para 186.378 em 2017.

Os dados foram levantados pelo Inpes (Instituto de Pesquisa) da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) e cedidos com exclusividade para o Diário. O estudo considera a evolução dos empregos formais no setor e de estabelecimentos da indústria de transformação nas sete cidades, tendo como base informações do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego).

De acordo com as informações, o número total de indústrias cresceu 42,2% ao longo de 28 anos, de 4.166 para 6.164, impulsionado principalmente pela disparada de pequenas firmas (de um a 19 trabalhadores), que em 1989 somavam 2.596 estabelecimentos e, em 2016, passaram a 4.784, alta de 84,2%. Em compensação, a presença das indústrias com mais de 500 trabalhadores caiu de 120 para 50 (58,3%) no mesmo período.

O economista e professor da Escola de Negócios da USCS Jefferson José da Conceição, responsável pelo levantamento, destaca diversas razões para a mudança do cenário. Dentre elas, a fragmentação da grande empresa em pequenas unidades, a terceirização de serviços e os novos processos produtivos que, devido ao avanço da tecnologia, exigem espaços menores.

“A grande empresa também já não toma como referência o número de empregados, ela vê o grande volume de funcionários como algo ineficiente. Além disso, as empresas terceirizaram muitas atividades e, enquanto uma parte vai para fora do Grande ABC e até para outros Estados, ao mesmo tempo outra parte da terceirização é feita por pequenas empresas. Outro motivo que leva a isso é a busca pela redução da carga tributária, pois as indústrias contratam uma parte do efetivo como empregados diretos e, a outra, como PJ (Pessoa Jurídica).”

Um dos casos mais emblemático de São Bernardo é a Volkswagen, que chegou a empregar cerca de 40 mil pessoas no fim dos anos 1980 e, hoje, possui pouco mais de 9.000 – quase cinco vezes menos. De lá para cá houve terceirizações, abertura de plantas em outros Estados, crises econômicas e PDVs (Programas de Demissão Voluntária).</CW>

Para Conceição, entretanto, a perda de grandes indústrias ou a redução delas é prejudicial para a região. “Em termos de números de empregados, a tendência é mesmo a redução <CF51>(leia mais abaixo). O que é ruim é que o valor adicionado do ponto de vista da produção foi enviado para fora da região.”

Outra razão, principalmente para a perda de empregos na região, é a influência de diversas questões da economia nacional. De 1989 até 1999 houve abertura acelerada às importações (que substituiu mão de obra nacional), juros elevados, valorização cambial (com o real chegando ao mesmo valor do dólar por conta de política do governo FHC), incentivos fiscais em outras cidades do Interior do Estado e a própria descentralização produtiva da região – o que gerou debandada, ao mesmo tempo em que os terrenos no Grande ABC escasseavam e, os imóveis, encareciam. Já nos últimos anos houve demissões após retomada das contratações entre 2002 e 2011 devido a crises política e econômica, das quais o setor começou a dar sinais de recuperação no segundo semestre do ano passado.

“O período até 2011 foi de crescimento por conta de diversos benefícios, voltados principalmente à indústria automobilística, como o desconto no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Isso acabou amenizando o processo mais duro dos últimos anos”, diz o professor do curso de Ciências Econômicas da Universidade Metodista de São Paulo e coordenador de estudos do Observatório Econômico, Sandro Maskio. “Depois, temos outro processo de desaceleração da economia, que sofre impactos da falta de demanda, então, assistimos muitas empresas que não conseguiram se segurar com essa escala menor e não tinham outros canais de fuga, sendo que muitas entraram em processo de recuperação judicial.


PESO DO SINDICATO

O coordenador do MBA em Gestão Estratégica de Empresas da Cadeia Automotiva da FGV (Fundação Getulio Vargas), Antônio Jorge Martins, cita que após os anos 1980 a centralização do movimento sindical na região também influenciou para a saída de empresas do setor. “Apesar de seis das grandes montadoras originais permanecerem no Grande ABC, houve companhias que saíram da região para não ficar tão dependentes do sindicato da região, que anteriormente teve postura mais combativa.”

O diretor de políticas públicas do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wellington Messias Damasceno, por sua vez, discorda, e cita motivos como a mão de obra e a automatização. “Muita empresa fechou porque quebrou. Houve movimento para fora do Estado até mesmo por conta da mão de obra mais barata, já que aqui a maior qualificação dos profissionais se reverte em maiores salários. Os sindicatos já foram muito combativos porque era necessário um enfrentamento, mas hoje negocia muito o viés da manutenção das fábricas e dos empregos. Na década de 1990 seria inimaginável discutir propostas para o setor de ferramentaria e até mesmo o Inovar-Auto e o Rota 2030.”


Especialistas dizem que vagas não voltarão a patamar dos anos 1990

Para os especialistas, mesmo que a situação da indústria na região se recupere, o nível de emprego não deve voltar a ser tão alto como no fim dos anos 1980. Por conta do avanço da tecnologia, a melhor solução avaliada é o investimento na capacitação para a geração de empregos no setor.

O coordenador do MBA da FGV, Antônio Jorge Martins, afirma que nos próximos anos, principalmente o setor automotivo deve exigir novo perfil de mão de obra. “Daqui para frente, a empregabilidade não será tão forte, mas a receita vai continuar a crescer, até por conta da automação industrial que existe no setor automotivo. Os municípios devem se voltar a novo perfil de mão de obra para novas oportunidades, agora mais voltadas à parte tecnológica. A tendência é que o Brasil acompanhe, o que já é sentido em alguns locais do mundo”, avalia.

Para o diretor do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo) Santo André, Norberto Perrella, é preciso haver mais atrativos para a região. “Necessitamos de maior investimento na infraestrutura e na questão viária, além dos incentivos fiscais.”

Já o diretor do Ciesp São Bernardo, Mauro Miaguti, aponta a necessidade do desenvolvimento de política que favoreça a fomentação de toda a indústria nacional para os próximos anos. “Além do que está sendo discutido para a indústria automotiva (Rota 2030), é importante ter plano que envolva todos os setores”, assinala.

Cenário enxuga empresas e as leva a processo de falência

Entre as empresas que fecharam as portas em 2017 está a gráfica Prol, de Diadema. No fim de 2015 foram dispensados cerca de 300 funcionários, e outros 350 foram desligados no ano passado, após decisão judicial que lacrou a fábrica, que chegou a manter 1.200 empregados.

Funcionário da gráfica por 14 anos, o mecânico elétrico Heloisio Antônio Pinheiro, 53, conta que, apesar das demissões em massa e dos boatos de fechamento, ele estava trabalhando normalmente, quando foi surpreendido pelo encerramento da fábrica no meio do expediente. “Começou uma correria imensa, e a única coisa que eu pensei foi em ir até o RH (Recursos Humanos) para salvar o computador onde estavam as nossas informações trabalhistas”, lembra.

Pinheiro tinha três férias vencidas, não recebia o pagamento havia três meses e ainda mantinha banco de horas equivalente há dois meses. O salário dele ficava em torno de R$ 7.000 mensais. Para se recolocar no mercado de trabalho, precisou fazer curso de refrigeração. “Apesar de voltar a trabalhar, ainda não recebi nada da Prol. É difícil ver a situação em que chegou, até porque dediquei parte da minha vida à empresa”, diz. Ele está entre os funcionários que constantemente fazem ronda no local, por conta própria, por medo de que o maquinário da gráfica seja furtado.

Já o impressor de máquina Luiz Marcelo Aparecido de Oliveira, 46, não conseguiu se recuperar do golpe. Demitido no ano passado, ele só conseguiu receber o benefício do seguro-desemprego após dar baixa na carteira de trabalho. Oliveira, que recebia cerca de R$ 5.000, conta que o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) não era depositado na conta dos trabalhadores havia cinco anos. Vivendo de bicos desde então, ele teve de sair da sua casa junto com a mulher e a filha, porque não conseguia arcar com as contas. “Fomos para a casa da minha mãe, que é aposentada e também acaba ajudando. Não consegui voltar ao mercado formal nem ter um salário próximo do que recebia.”

O Diário tentou contato com o advogado responsável pela massa falida da empresa, mas não teve sucesso. Porém, funcionária do escritório afirmou que não há expectativa de quando os trabalhadores devem receber a rescisão nem estimativa do montante a ser levantado com a venda do maquinário, já que há constantes furtos no antigo local onde a empresa funcionava. A antiga sede está completamente abandonada, sendo que até pneus dos caminhões foram levados. Também não há segurança nos portões.

Outra empresa que atualmente está em recuperação judicial é a autopeça Karmann Ghia, de São Bernardo. Apesar da decisão da falência recentemente ter sido suspensa pela Justiça, pela terceira vez, o processo que corre desde 2016 envolve 300 trabalhadores, que também não receberam nada e ainda não conseguiram dar baixa na carteira.


Desindustrialização já foi tema de suplemento do Diário em 2015

A desindustrialização foi tema da Carta do Grande ABC, documento que expõe os princípios editoriais do Diário, e de suplemento especial publicado em junho de 2015. Na época, a abordagem se deu em cinco matérias, que debatiam as consequências do enfraquecimento do setor industrial nas sete cidades. O eixo temático foi o primeiro entre dez a serem discutidos pelo caderno.

Entre o material apresentado, houve discussões sobre o valor dos tributos para a locação de imóveis e os altos custos de terrenos na região, o valor da mão de obra e a resposta das gestões municipais para a resolução do problema. Dados fornecidos pelo Consórcio Intermunicipal do Grande ABC também demonstravam o aumento do número de empresas e a aposta na diversificação dos setores.

Além disso, o processo de industrialização e suas consequências, que sempre foi pauta do Diário, rendeu ao veículo o Prêmio Esso Regional em 1976. Duas reportagens assinadas pelos jornalistas Edison Motta e Ademir Medici analisaram os impactos da instalação das montadoras na região e apresentavam abordagem crítica, ao contrário da positiva que era inspirada na época.
 




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