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‘Temos de punir infratores', acredita o advogado criminalista Fernando José da Costa
Fábio Martins
Nilton Valentim
Do Diário do Grande ABC
26/04/2021 | 00:32
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Claudinei Plaza/DGABC


Em meio à pandemia de Covid-19, o advogado criminalista Fernando José da Costa aceitou o convite do governador João Doria (PSDB) e assumiu a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo. Ele também está à frente do Imesc (Instituto de Medicina e Criminologia) e da Fundação Casa, instituição destinada a ressocializar menores infratores. “Em 1940 era razoável apontar que jovens de 16 e 17 anos não tinham este discernimento (sobre a prática de crimes), todavia, em 2021 os jovens sabem o que é certo ou errado”, afirma Costa, justificando o motivo de ser favorável à redução da maioridade penal.

O senhor fez carreira como advogado criminalista. Como está sendo a experiência de atuar como secretário da Justiça e Cidadania?

Exerço a advocacia criminal há mais de 20 anos e nunca me imaginei exercendo outra profissão que não a defesa dos interesses dos meus clientes, além de lecionar em faculdades as disciplinas de direito penal e processual penal. Todavia, um dia recebi um desafiador convite do governador João Doria (PSDB) para ser secretário da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo. Até então jamais havia pensado deixar a minha profissão, mesmo que por um curto período, e trabalhar no setor público. Todavia, ser secretário era uma oportunidade única e não poderia desperdiçar. É uma experiência indescritível. Trabalho todos os dias, por cerca de 12 horas, com o objetivo de defender os direitos à cidadania, principalmente daqueles que mais precisam da proteção do Estado.

O que levou o senhor a aceitar o cargo de secretário?

Por ser neto e filho de advogados, respiro o direito desde meu nascimento. Ser o secretário responsável pela defesa da Justiça e da cidadania no Estado de São Paulo, com uma população de cerca de 45 milhões de brasileiros, para um professor de direito e advogado é uma oportunidade única de trabalhar em defesa da igualdade de direitos e no combate à discriminação, preconceito e ódio. Não posso dizer que foi uma decisão fácil deixar a advocacia, abrir mão de cuidar dos meus clientes, mesmo que temporariamente, de pautar minha agenda ou de diminuir drasticamente o convívio com minha família para exercer um trabalho voluntário, pois, como o governador, eu doo meu salário a entidades sociais, mas após alguns meses posso dizer que não me arrependo de ter aceitado este desafio. Pelo contrário. Agradeço o governador Doria por ter confiado em mim.

Como a pandemia de Covid-19 impactou a pasta que o senhor comanda?

Eu sou um dos poucos secretários do governo de São Paulo que só ‘secretariaram’ na pandemia, isso porque entrei na pasta há seis meses, em plena pandemia. Fui contaminado uma semana após minha entrada, e até hoje não saímos dela, portanto, ainda não tive, mas se Deus quiser em breve terei, a oportunidade de exercer este trabalho em tempos normais, com aglomerações de pessoas, reuniões, eventos, palestras presenciais etc. Portanto, quando assumi a pasta, não existia um protocolo de ações, na verdade, ninguém tinha experiência de como agir frente a este grave problema sanitário. Defrontei-me, ao lado de uma excelente equipe de servidores, com o desafio de tomar, em curtíssimo período de tempo, decisões impactantes, sempre seguindo orientação do centro de contingência do Estado e da Organização Mundial da Saúde.

Quais têm sido os maiores desafios à frente da secretaria?

São muitos. O principal deles é não suspender os serviços essenciais que o Estado oferece à população carente, como programas de empregabilidade, capacitação, distribuição de alimentos e produtos de higiene, além do combate ao machismo, à discriminação étnico-racial e religiosa.

Em épocas passadas, quando se chamava Febem, a atual Fundação Casa era considerada um ‘barril de pólvora’, hoje pouco se ouve falar de rebeliões ou outros problemas. O que mudou?

Tudo. A Febem ficou no passado. Hoje a Fundação Casa mudou os antigos centros que tinham elevada quantidade de jovens, alguns passando de 1.000 internos, para centros pequenos, com média de 50 jovens, onde os servidores os conhecem pelo nome, conhecem seus familiares e o atendimento é individual. Também nos adaptamos aos novos tempos, com medidas socioeducativas atualizadas, uma radical inclusão digital, uma preocupação com os egressos, com projetos que visam capacitá-los e auxiliá-los após sua saída, com orientação psicossocial, diminuindo as chances dos jovens praticarem novamente atos infracionais. Também estamos priorizando a capacitação dos servidores e trabalhando para ter uma corregedoria e um departamento jurídico atuantes. Todas estas mudanças são responsáveis por reduzir significativamente as rebeliões, agressões entre jovens e mesmo entre os jovens e os servidores. Importante frisar que estes resultados positivos são fruto de um competente e ininterrupto trabalho de 11 mil servidores.

Em sua opinião, quais as principais ações necessárias à ressocialização dos menores infratores e sua não reincidência?

Manter ou iniciar seus estudos nos ensinos fundamental, médio, superior, além de cursos de capacitação. Orientação pedagógica, estímulo à prática de esporte e artes, integração ao mundo digital, acompanhamento familiar, dentre tantas outras medidas. Hoje temos mais de dois servidores por jovem atendido. Sobre a não reincidência, temos investido na capacitação e orientação psicológica e familiar. Muitos jovens, antes de receberem as medidas socioeducativas, nunca tiveram possibilidade de ser capacitados ou de receber uma orientação. Estamos trabalhando para oferecer a estes jovens uma oportunidade de estudarem e se preparar para uma vida fora da Fundação.

O que falta para o Brasil ser um País justo?

Infelizmente falta muita coisa! Mas não podemos desistir, temos que fazer nosso papel e esperar que os demais façam o seu. Precisamos de uma Justiça mais célere, reformar leis desatualizadas, ter pessoas capacitadas e mais dispostas a trabalhar pelo País, mesmo que em um curto período, em cargos públicos. Temos que deixar de ter a política como profissão, e sim como uma vocação que atende as demandas e necessidades da população. Temos que punir os infratores e mostrar à sociedade que aqui a lei funciona. Enfim, esta pergunta mereceria um livro para discorrer sobre o que falta para o Brasil ser um País justo.

O senhor tem pretensões políticas?

Eu não tenho pretensões políticas. Tenho pretensões de sair da secretaria no fim do mandato do governador pela porta da frente, entregando significativos resultados que ajudem a população, principalmente a parcela mais carente.

O que pensa das ações desenvolvidas no combate à Covid nas esferas federal e estadual?

Penso que as ações desenvolvidas pelos Estados – e faço aqui uma ressalva para dizer que o Estado de São Paulo, sem desrespeitar os demais, foi precursor nas medidas de combate ao coronavírus, tendo como exemplo o Plano São Paulo, o centro de contingência, a transparência das medidas tomadas, com coletivas e entrevistas, além da importação da vacina Coronavac, responsável pela vacinação de 8,5 a cada dez brasileiros. Enquanto isto, lamentavelmente o governo federal, além de não ajudar, atrapalha, tendo seus líderes estimulando a aglomeração, a não utilização de máscaras e álcool gel. Além disso, a demora na compra de vacinas e o estímulo ao tratamento precoce, com a compra e distribuição de medicamentos não reconhecidos pela medicina como eficazes na cura do coronavírus, foram alguns dos grandes responsáveis pelo aumento de contaminados e, consequentemente, de mortes.

Como o senhor vê a questão da redução da maioridade penal? Acredita que poderia resultar em queda na criminalidade ou a situação poderia apenas piorar, com diminuição da idade dos menores infratores?

As pessoas que são contra a redução da maioridade penal apontam que os presídios estão lotados e não ressocializam. A questão é que não são estes os argumentos que embasam a maioridade penal. A maioridade penal é fundamentada pelo discernimento do agente em saber o que é certo ou errado. Sou favorável à redução da maioridade penal, isso porque tal maioridade está condicionada ao amadurecimento do agente. Em síntese, se ele não souber que matar é errado, ele não deve ser responsabilizado criminalmente. Em 1940 era razoável apontar que jovens de 16 e 17 anos não tinham este referido discernimento, todavia, em 2021 tais jovens sabem o que é certo ou errado, assim, devem responder criminalmente pelos seus atos. Todavia, isso não significa dizer que eles não poderiam receber medidas socioeducativas, bem como serem acolhidos em locais separados, ter sua ficha limpa de antecedentes ao completar 18 anos. Hoje entendo que deveríamos aumentar esta faixa etária de jovens que deveriam receber um tratamento diferenciado para 21 anos, só não podemos sustentar hoje que eles são inimputáveis, por não terem amadurecimento de entender o que pode ou não ser feito. Sobre a redução da maioridade penal, a lei tem como uma de suas finalidades a intimidação. A teoria é bem simples, se você praticar esta conduta proibida, você será punido, assim, é possível sustentar que queremos redução na criminalidade. Todavia, gostaria de deixar bem claro, como já disse, que não é este o motivo que justifica a redução da maioridade.

Qual a sua avaliação sobre a condução da Lava Jato, em Curitiba? Após todo esse período, acredita que a operação mais construiu ou destruiu no País?

Sempre defendi a Operação Lava Jato e todas aquelas que combatem a criminalidade. Todavia, igualmente sou um defensor dos direitos fundamentais e, dentre eles, temos o do acusado ser julgado por um magistrado imparcial, caso contrário, este julgamento deve ser anulado. Verificamos, pela Operação Lava Jato, que existia uma corrupção sistêmica entre servidores de estatais, empresários e políticos responsáveis pela indicação de tais servidores e, neste aspecto, tal operação teve seu lado positivo. Entretanto, o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou algumas decisões desta operação por descumprimento de preceitos legais. Em que pesem tais decisões serem comuns no Poder Judiciário, não podemos deixar de analisar tais decisões como negativas à Operação Lava Jato.

Como o senhor considera as anulações das condenações do ex-presidente Lula no STF?

Não li o processo, portanto, não irei opinar sobre o caso concreto. Todavia, é sempre negativo uma pessoa cumprir uma pena preventiva em um processo que, posteriormente, foi anulado por apontar parcialidade do magistrado em suas decisões. 

RAIO X

Nome: Fernando José da Costa.

Estado civil: casado.

Idade: 48 anos

Local de nascimento: São Paulo.

Formação: advogado e professor universitário.

Hobby: praticar esportes.

Local predileto: Brasil.

Livro que recomenda: Uma Terra Prometida, de Barack Obama.

Artista que marcou sua vida: U2.

Profissão: advogado.

Time que torce: São Paulo.

Onde trabalha: Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, Fundação Casa e Imesc (Instituto de Medicina Social e Criminologia). 




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