Política Titulo Entrevista da Semana
Advogado Leandro Petrin: 'A lei é para todos, inclusive para os procuradores’

Raphael Rocha
Do Diário do Grande ABC
05/08/2019 | 07:00
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Claudinei Plaza/DGABC


Advogado especialista em Direito Eleitoral e com passagem pela Prefeitura de Santo André, Leandro Petrin admite preocupação com os diálogos vazados pelo site The Intercept Brasil entre autoridades que conduziram a Operação Lava Jato. Para ele, que se coloca como defensor de toda a ação, o fato de a operação ter mudado paradigmas no País não pode mascarar a gravidade do conteúdo das conversas, como suspeita de conluio entre procuradores e juiz e de até investigação na vida particular de ministros do Supremo Tribunal Federal. “O lema da Lava Jato era que a lei é para todos. A lei é para todos, inclusive para os procuradores. Inclusive para o juiz.”

Nesta eleição, uma mudança profunda no pleito é o fim da coligação proporcional. Qual a melhor tática para superar essa questão?
Vamos ter de esperar 4 de outubro para saber. É uma triste situação a nossa de se mudar a regra a cada ano que antecede a eleição. Se muda sem uma discussão com a sociedade, é um problema. Nossa legislação eleitoral vira colcha de retalhos. Você tem impedimento da doação empresarial. Aí fez eleição só com doação de pessoa física, algo inviável para eleição presidencial. Então se cria fundo com recursos públicos para partidos, mas sem lista fechada de candidatos. Não há uma lógica enquanto sistema. Primeiro precisamos discutir o que queremos enquanto sistema. Fortalecer os partidos ou as pessoas? Se minha decisão é fortalecer partidos, preciso ter lista fechada, eventualmente voto distrital, e aí sim financiamento público porque a campanha será para aquele determinado partido. Se a lógica é a fulanização, com disputa aberta pelo voto, não me parece a melhor forma ter o recurso público. Então que se volte a doação empresarial, não do jeito que era, talvez com teto, de forma mais transparente. Falta essa discussão com a sociedade. Infelizmente toda mudança se dá aos 45 minutos do segundo tempo, com emenda de plenário, com deputado olhando para sua realidade. As pessoas precisam levar em consideração que a democracia tem custo. Se eu quero ter País democrático, com vivência, tem custo. Assim como é com a saúde, segurança, educação. Há custos político, social e financeiro. Não pode ter balela de não colocar recurso público aqui ou acolá. Precisamos reformar o cenário.

Mas o senhor julga acertada a decisão de encerrar as coligações proporcionais?
No status quo, não ter as coligações proporcionais é avanço. Começa a construir na prática partidos políticos de verdade. O que se tinha antes? Pegava três candidatos do partido A, com 15 do partido B e mais dois do partido C, faço uma salada, ideologicamente por vezes não têm o mesmo programa. Como eleitor quero que o parlamentar que me represente seja do A,voto no A e elejo o B. Os partidos não tinham preocupação em trazer pessoas para a agremiação. Vai provocar na prática com que partidos se preocupem em fazer suas bases, organização interna, ter militância. Voltar a ter coligação proporcional é retrocesso. A tendência, a permanecer sem a coligação proporcional, é que tenhamos menos partidos e partidos com mais representantes nas Câmaras. Porque o corte será feito a partir daqueles que tiverem quantidade maior de voto.

Será a segunda eleição municipal sem a possibilidade de emprego de recursos privados na campanha. O que ficou de aprendizado do pleito de 2016?
Aquele candidato com mais recursos, por poder empregar parte deles na própria campanha, terá grande vantagem. Aquele que tem relação boa com pessoas que fazem doação se sairá em vantagem. Agora tem outro elemento, o fundo partidário. Mas esse fundo é dado às direções nacionais dos partidos. O candidato no município terá de ter relação direta e de importância com o diretório nacional para que ele receba parte desse recurso. Esses partidos não vão doar para aventureiro, para quem pula de agremiação para agremiação. Os partidos vão querer se solidificar. Quem tiver história partidária, relação, ganhará vantagem por ter essa possibilidade de recursos vindos do fundo partidário. Ainda acho que no Brasil não há cultura da doação da pessoa física em larga escala. Mesmo esses candidatos que apresentam rede social ampla, que tenham adotado o crowdfounding, foi uma tática que se mostrou irrisória para as candidaturas. Poucos efetivamente tiveram dali seu grande volume. Os candidatos vão ter de se valer das redes sociais, de forma de campanha diferenciada para atingir os eleitores em baixo custo.

Na eleição de 2018, muito se debateu a legalidade das campanhas na internet, com suspeita de uso de robôs, fake news. Como combater esse tipo de estratégia?
A mentira na internet é a maior preocupação, não só de a gente que advoga, mas também da própria Justiça Eleitoral. Há até seminário sobre fake news. Há direito à informação garantida pela Constituição. Do outro lado, o eleitor precisa saber da verdade. O que é mentira efetiva e o que é opinião? Uma coisa é a mentira escarrada. A outra é interpretação daquele que põe na internet um fato que ele acha que é. Teremos que encontrar o equilíbrio. Não podemos imaginar, ainda mais na quadra política que estamos, de propor censura prévia. É inconcebível. Como que a gente atua de forma rápida para eliminar o crime, a calúnia, aquele que tenta detratar um candidato pelas redes sociais? As pessoas têm cada vez mais consciência que o sigilo não existe. O camarada que escrever aquilo será localizado. Não é mais verdade que ninguém acha quem está por trás do computador. As penas estão sendo mais duras. É papel também do próprio eleitor, de ele ter discernimento de saber o que é verdade ou não. Checar a informação. Muitas vezes o cara recebe a informação, gosta do que vê, acha que é mentira, mas ele concorda com aquilo e repassa. Essa educação política que precisamos ter. A polarização que vivemos hoje, com ausência de debate, só prejudica. Vivemos debate de 280 caracteres (número de um tuíte). É problema de educação, cognitivo por vezes, mas é processo de formação política. Momento de formar cidadão como político.

Qual o peso que a Operação Lava Jato pode ter na eleição do ano que vem? Neste ano há um ingrediente novo, que são os vazamentos de supostas conversas de procuradores que colocaram em xeque a credibilidade da operação...
É inegável a importância da Lava Jato ao desnudar um esquema de corrupção que existia. Há mérito da operação ao encontrar isso e ao conseguir localizar e entender a corrupção sistêmica que existia. Outro mérito da operação é ter chegado ao andar de cima da política. A gente via que grandes nomes da política nacional foram pegos e presos a partir da operação. Não podemos, em nome dos acertos da Lava Jato e deste bom resultado que ela produziu, admitir que a lei seja descumprida para continuar a atingir o combate do fim da corrupção. É necessário equilíbrio. O devido processo legal é fundamental para isso. O grande discurso que se deu a favor da Lava Jato era a lei é para todos. A lei é para todos, inclusive para os procuradores. Inclusive para o juiz. Não dá para falar em destruição de prova, de investigar ministro do Supremo (Tribunal Federal) sem legitimidade para tal. Eu pedir prisões preventivas sem ter fatos minimamente concretos para fazê-la? Fazer prisão para obter confissões e delações? Há devido processo legal que precisa ser respeitado. É a base da democracia. Não temos aqui que ter a imagem de um herói. Temos de ter instituições fortes, que respeitem a lei e que executem o que está na lei. Se está insatisfeito com a lei, saia candidato, eleja-se deputado federal e mude a lei.

Os diálogos revelados lhe preocuparam?
Muito. Em especial essa fiscalização a ministros do Supremo. Isso é inconcebível. É inconcebível tirar procuradora do caso porque quer. É o juiz dar o pênalti, o camarada bate e erra, e o próprio juiz manda voltar a cobrança exigindo a troca do batedor. Um juiz precisa ter a imparcialidade dele. Estamos em uma quadra de tensão política e de análise só até os 280 caracteres, se você faz essa reflexão, você vira mortadela ou coxinha. As pessoas não conseguem ver que é possível apoiar a Lava Jato em todo instante que ela esteja dentro da lei. E ser contra a Lava Jato em todo instante que ela for contra a lei. É possível ter as duas coisas. Meu Norte tem de ser a lei. Não defendo o bandido, seja ele em que quadra estiver. Ao descumprir a lei, cometo uma ilegalidade. É possível ter reflexão contrária a aspectos da operação Lava Jato sem que com isso seja a favor da corrupção.

O senhor está à frente dos processos nos quais o ex-prefeito de Mauá Atila Jacomussi (PSB) moveu para anular o impeachment que sofreu. Em qual estágio está esse debate?
A absurda cassação do mandato do Atila foi judicializada. Na primeira instância houve pedido de liminar rejeitado pelo juízo. Desta decisão, recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Está na 4ª Câmara de Direito, de relatoria da desembargadora Ana Liarte. Ele está pendente de julgamento e temos uma expectativa bastante interessante com relação a isso, ao retorno do Atila ao mandato porque a forma como se deu a cassação de seu mandato foi uma decisão exclusivamente política e sem nenhum embasamento jurídico. Dizer que pessoa, ao ter prisão preventiva decretada por determinado período se ausentou do município por mais de 30 dias? Quer dizer que se a Câmara rejeitasse o afastamento ele seria solto? Não é isso. Se ele tivesse sido sequestrado e em cativeiro por 30 dias ele perderia o mandato? Não há lógica. O afastamento do prefeito, a que se referiu a cassação, é afastamento voluntário e não decorrente de um ato que não depende da própria vontade. Ponto fundamental é que a segunda prisão preventiva do Atila foi reformada pelo STF como reclamação. O próprio Supremo disse que a segunda prisão preventiva foi ilegal e o reconduziu imediatamente ao cargo, por não haver fato novo para a segunda prisão. Quando algo é considerado ilegal pela Justiça, volta-se ao status quo. É como aquilo não tivesse existido. A prisão do Atila, considerada ilegal, os efeitos dela, como afastamento, foram usados para cassação. Ele é cassado por estar afastado do mandato diante de decisão ilegal da própria Justiça.

RAIO X
Nome: Leandro Petrin
Estado civil: Casado com Valquíria
Idade: 43 anos
Local de nascimento: Nasceu e mora em Santo André
Formação: Advogado
Hobby: Ir ao cinema com os filhos Arthur (14) e Sofia (8)
Time do coração: São Paulo
Livro que recomenda: O Processo, de Franz Kafka, e Travessuras da Menina Má, de Mario Vargas Llosa
Artista que marcou sua vida: Antônio Petrin, ator e seu tio
Profissão: Advogado
 




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