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'Meu interesse é produzir humanidade', diz ativista LGBT
Por Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
31/12/2019 | 06:13
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Neon Cunha, servidora pública há 37 anos em São Bernardo, celebra em janeiro uma marca rara para pessoas transgêneras: chegar aos 50 anos. No Brasil, a expectativa de vida dessa população é em torno de 35 anos.
Ativista da causa LBGTQIA+ (Lésbicas, bissexuais, gays, travestis e transexuais, queer, intersexuais e agêneros, entre outros), Neon é formada em arte, educação e publicidade e foi a primeira mulher trans do Brasil a conseguir, em 2016, a mudança de seu nome civil sem se submeter a laudos médicos. A ativista avalia com otimismo a atuação de movimentos sociais durante o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, que foi eleito após uma campanha marcada por ataques às minorias. “Meu único interesse é produzir humanidade”, afirma.

Em 2016, Neon entrou com uma ação judicial de retificação de registro civil, para mudança de nome e gênero e se negou a passar por exames que atestassem disforia de gênero (condição descrita pela medicina como desconforto de uma pessoa com a genitália). A servidora não só se negou a passar por avaliações médicas, como pedia morte assistida se o pedido não fosse aceito. Sua reivindicação foi deferida em outubro daquele ano.

É a partir dessa perspectiva que Neon fala da necessidade de os ativismos produzirem humanidade. Eloquente, ela cita diversos autores e pensadores enquanto discute sobre cissexismo (conjunto de ações discriminatórias que estabelecem pessoas transgêneras como inferiores às pessoas cisgêneras, aquelas que se identificam com o gênero atribuído ao nascer), privilégios da branquitude e equidade. “É meu único interesse produzir humanidade. Até porque, não sou considerada humana de acordo com o biopoder”, cita a servidora pública.

Neon lembra que a sua ação, ingressada na Justiça após muita pesquisa sobre o que os movimentos sociais já vinham discutindo sobre o tema, mais do que reivindicar a sua humanidade, também questiona como os grupos que dominam o que se convencionam por regras morais determinam a forma de viver de outras pessoas. “Tem a ver com religiosidade, com capital, que tem tudo a ver com patriarcado, e que patriarcado é esse? Quem nos jogou neste lugar de idealização branca e de apagamento histórico?”, questiona.

Há pouco mais de um ano, Neon emprestou seu nome ao primeiro Centro de Cidadania LGBT de São Bernardo, a Casa Neon Cunha, que vem sendo tocado por ativistas da cidade. Ainda sem muita estrutura física, o grupo vem debatendo as necessidades dessa população e realizando ações. A mais recente foi uma festa de natal para a população LGBTQIA+ que vive em situação de rua na cidade. “Nunca tivemos tantas transexuais e travestis morando na rua como hoje. Mas reforço, para a sociedade que elas que moram na rua ou eu que sou funcionária pública e ocupo esse espaço também como ativismo, não somos diferentes”, pontua.

Em que pese a eleição de um presidente declaradamente contra as minorias, Neon faz questão de frisar que os grupos minoritários sempre estiveram sob ataque, mas que é importante destacar que tem havido uma grande reação. “Temos mandatos coletivos, pessoas como Erica Malunguinho (deputada estadual de São Paulo pelo Psol), que só foram eleitas porque diferentes movimentos se articularam. Movimentos negros, de moradia, de ocupação, periferias. Não foi uma conquista apenas da comunidade LGBTQIA+.” A ativista, que pretende este ano retomar a atuação como artista plástica, também pontua que, independentemente dos ideais dos governos, algumas pautas são inegociáveis. “Parafraseando Sueli Carneiro (filósofa, escritora e ativista antirracista), entre direita e esquerda, sou uma mulher negra, ameríndia e não-cisgênera”, conclui. 




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