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Seattle reforça processos regionais e bilaterais
Por Do Diário do Grande ABC
18/12/1999 | 14:17
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O fiasco de Seattle (EUA), onde foi realizada a 3ª Reuniao Ministerial da Organizaçao Mundial do Comércio (OMC), provocou um dos primeiros questionamentos sobre o multilateralismo. O Itamaraty e o setor privado brasileiro acreditam que o fracasso da OMC demonstrou que os processos regionais e bilaterais têm, pelo menos no momento, maior relevância do que o multilateralismo.

Poucos dias depois da "ressaca" de Seattle, alguns setores produtivos do país promoveram, em Sao Paulo, uma série de seminários para fazer um balanço sobre o fracasso da OMC na sua tentativa de lançar uma nova rodada de negociaçoes multilaterais de comércio.

O Itamaraty, responsável pelas negociaçoes comerciais do Brasil, afirma que o denominador comum em Seattle era mesmo o protecionismo e que o tema agrícola nao foi o único responsável pelo fracasso. "Era tal o nível de divergências e intransigências sobre os temas que foi quase necessário começar do nada", comentou na semana em Sao Paulo o embaixador Valdemar Carneiro Leao, diretor geral do Departamento Econômico do Itamaraty.

Os empresários, cada vez mais conscientes de que as exportaçoes agrícolas dependem mais de Genebra do que do Banco do Brasil, se perguntam sobre o futuro da OMC e indagam qual ou como será a postura do Brasil a partir do próximo ano, quando termina uma série de acordos no âmbito da OMC - como os subsídios permitidos pelo TRIMs (Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionados ao Comércio), por exemplo - e quando começam outras negociaçoes que estao embutidas na agenda da organizaçao, em decorrência do final da Rodada Uruguai do Gatt - como serviços e agricultura.

"Dado o avanço das negociaçoes comerciais da Uniao Européia com o México, Centro-América e com o Leste Europeu, me pergunto se nao é o momento de o Brasil voltar a discutir o bilateralismo, seja entre países ou blocos", disse Michel Alaby, diretor executivo da Associaçao das Empresas Brasileiras para a Integraçao no Mercosul, durante uma mesa redonda sobre Seattle/OMC.

Indiretamente, essa posiçao tem sido defendida pelos Estados Unidos, que têm feito esforços para alavancar a Alca (Area de Livre Comércio das Américas), onde seu poder de barganha seria maior do que nas negociaçoes multilaterais, que incluem pesos-pesados como Japao e Uniao Européia, que deve crescer ainda mais para o Leste com a adesao de pelo menos mais 10 países. O embaixador Carneiro Leao acredita ser difícil, no momento, mensurar qual será o impacto de Seattle nos processo regionais, como a Alca, por exemplo.

"O que posso afirmar é que o Brasil nao quer e nao está interessado em acelerar os acordos entre os blocos, mas aprofundar e ampliar a integraçao do Mercosul, que é um processo irreversível", afirmou o embaixador, que participou das reunioes em Seattle. Alaby acredita ser necessário caminhar, também, em busca de uma identidade latina. "Nao abandono a importância do multilateralismo, mas acho que devemos reforçar, num primeiro momento, a idéia de buscar apóio mais amplo na integraçao regional", disse o executivo da Adebim, também vice-executivo da Câmara Arabe Brasileira de Comércio.

Embora com algumas ressalvas, Luis Fernando Furlan, presidente do Conselho de Administraçao da Sadia e vice-presidente da Fiesp e Marcos Sawaya Jank, professor do Departamento de Agricultura Econômica e Sociologia Rural da USP, concordam com a avaliaçao de Alaby. "O Brasil precisa ampliar as chamadas coligaçoes, o bilateralismo e o regionalismo, mas também reforçar, internamente, o nível geral de conhecimento e coordenaçao sobre comércio", afirmou o professor da USP, em uma mesa redonda para fazer um balanço sobre o fracasso da OMC.

Furlan, que esteve em Seattle junto à delegaçao brasileira, vai mais longe. "Historicamente, o Brasil teve e tem uma posiçao muito defensiva. Agora, é o momento de buscar uma estratégia de negociaçao e tentar entender o que realmente ocorreu em Seattle e o que o outro lado quer", disse. Para o executivo da Sadia, a grande habilidade do negociador nao é entender o que ele vai ganhar, mas o que o outro quer ganhar. "O que o outro quer ganhar nao é necessariamente o que você está disposto a perder" explicou Furlan.

Com base a esse raciocínio, o professor Sawaya Jank acredita que o Brasil, aliado ao Grupo de Cairns, cometeu equívocos por nao ter aceitado a multifuncionalidade, por exemplo, como instrumento de barganha para conquistar algumas concessoes na área agrícola (ver retranca OMC2 a seguir). O professor da USP atribuiu ao fracasso de Seattle a insistência européia de incluir a multifincionalidade na declaraçao, a exigência do Grupo de Cairns de eliminar os subsídios agrícolas às exportaçoes e a persistência norte-americana de incluir o meio ambiente nas negociaçoes comerciais.

Parceiros - Se do ponto de vista de negociaçao multilateral a 3ª Conferência Ministerial da OMC em Seattle foi um fracasso, para o Brasil houve pontos positivos. Um deles foi, pela primeira vez a atuaçao harmônica entre governo (três ministérios), entidades privadas e representantes dos países do Mercosul - 48 pessoas fizeram parte da delegaçao brasileira a Seattle.

"O Brasil reconheceu que, na OMC, se joga cartada de valor para o país", disse Furlan. De acordo com ele, na Rodada Uruguai do Gatt, que terminou em dezembro de 1994, o Brasil foi representado apenas por três delegados. Desta vez, acrescenta o executivo da Sadia, "acredito estar havendo uma sensibilizaçao em todos os setores sobre a postura que o Brasil deve tomar na área de relaçoes internacionais".

Apesar do alto grau de impasses para acertar uma agenda mínima de negociaçoes para uma nova rodada no âmbito da OMC, empresários, acadêmicos, diplomatas e advogados acreditam que essas divergências nao devem perdurar indefinidamente. "É importante que o Brasil aproveite esse período, antes que uma nova conferência seja lançada, para entender melhor o que é mais valioso para o país e definir uma estratégia de barganha a ser utilizada nas negociaçoes multilaterais", afirmou Furlan.

Alaby, da Adebim, acredita que o setor de agronegócios mostrou estar preparado, mas lamenta que o setor de serviços, por exemplo, nao tenha se preocupado em definir uma estratégia para as participar dessas negociaçoes. "Teríamos muito a barganhar em setores como o comércio eletrônico", disse Alaby.




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