Cultura & Lazer Titulo
O dúbio Gigi
Mariana Trigo
Da TV Press
22/01/2006 | 08:34
Compartilhar notícia


Galãs hollywoodianos da década de 40 foram a inspiração de Pedro Paulo Rangel para compor o impecável Gigi que interpreta em Belíssima, novela de Silvio de Abreu, na Globo. Ternos bem cortados e com um acabamento de lenços ou gravatas minuciosamente escolhidos também foram pontos de partida do personagem. Aliás, desde que estreou na TV, como o Gastão de Bicho do Mato, em 1972, o ator de 57 anos tem virado um expert em compor personagens sempre a partir do que vestem. Foi assim também com seu primeiro e único galã na carreira, o Dirceu, de Saramandaia, em 1976. Mas o figurino de Gigi denuncia uma característica comum à maioria de seus papéis na TV: uma certa dubiedade sexual e uma comicidade maldisfarçada. “Por mais sérios que eles pareçam, escapa algum humor, é muito sutil”, concorda o ator.

Essa capacidade de transparecer a sutileza cômica é uma marca do trabalho do ator. Mas talvez seja por causa dessa característica que Rangel nunca tenha sido chamado para fazer um vilão na telinha. “Queria um vilãozão de verdade. Em O Fim do Mundo fiz um quase vilão, mas no final ele ficava bonzinho. Ora, só me chamam para os bonzinhos!”.

Na pele do amável tio-avô, que é o grande amigo e confidente de Júlia – vivida por Glória Pires –, o romântico Gigi sonha em fazer sucesso como roteirista de cinema. Mas com seu parco talento como autor, mal conseguirá dar conta do show que escreve para as ex-vedetes e “certinhas do Lalau” Mary Montilla e Guida Guevara, interpretadas por Carmen Verônica e Íris Bruzzi, respectivamente. “Esse show tem sido cobrado até pelas crianças, que vivem me parando nas ruas e gritam: cadê o sssshow? E o sssshow?”, diverte-se.


PERGUNTA:
Você costuma dizer que constrói os personagens de fora para dentro. Que características do Gigi serviram de inspiração?

PEDRO PAULO RANGEL: O jeito como ele se veste, como anda. Quando a Gogóia Sampaio (figurinista) me trouxe aquela coisa meio Júlio Rêgo (estilista), meio Jorginho Guinle (playboy), entendi tudo. Achei ótimo ele ser assim, meio dândi, com lencinho no bolso. Comecei por esses detalhes e costurei com o texto.

PERGUNTA: Parece que você tem se divertido muito com ele...

RANGEL: E como! Mas se você não tem um material bom, nem Laurence Olivier consegue trabalhar. Além do texto ser ótimo, estou muitíssimo bem cercado. Nunca tinha trabalhado com a Fernanda Montenegro. Sempre quis ter um contato mais profundo com ela.

PERGUNTA: De alguma forma, você, Íris Bruzzi e Carmen Verônica arriscam um tom de chanchada?

RANGEL: O Silvio tem um pé na chanchada. Ele escreveu muitas comédias dos anos 70, como roteirista. Eu tive uma formação baseada no cinema brasileiro dessa época. Minha avó era portuguesa e não sabia ler, só podia assistir a filmes brasileiros porque não têm legendas. Isso me fez assistir a todos os filmes brasileiros, não só as chanchadas.


PERGUNTA: Seus personagens cômicos tiveram origem na TV Pirata. Você acha que o programa iniciou uma nova linguagem de humor na TV?

RANGEL: Sem dúvida. Tenho sorte do Guel (Arraes) sempre me chamar para trabalhar. A TV Pirata foi muito importante para mim porque eu era uma pessoa muito tensa na hora de gravar. Ainda sou, mas era mais. Estava acostumado com teatro, com dois meses para elaborar uma cena. Em novela fazemos 20 cenas por dia, às vezes 30. Aquilo me incomodava muito e na TV Pirata fazíamos cinco ou seis personagens por dia. No início foi uma tortura, mas depois me deu uma cancha muito boa, acabou um pouquinho com esse meu defeito de caráter que é o perfeccionismo.

PERGUNTA: Você continua sendo muito crítico com seu trabalho?

RANGEL: Continuo, mas já me gosto mais um pouco, já consigo me assistir (risos). Teatro eu não assisto. Só vejo minhas peças depois que elas saíram de cartaz. Na televisão vejo a revisão. Encho o saco das pessoas: “vem cá, deixa eu ver como ficou essa cena que gravei agora!”. Tenho muito cuidado para saber que tom de humor eu passo em cada cena.

PERGUNTA: Estréias de teatro ainda são um martírio para você. Como foi, então, na estréia da sua carreira, quando fez a peça Roda Viva?

RANGEL: Era complicado, mas depois relaxava. Foi nessa fase que realmente decidi ser ator. Como filho de funcionários públicos, meus pais queriam para mim uma carreira segura. Pensei que fosse ser um funcionário do Banco do Brasil ou um militar. Cheguei a fazer cursos preparatórios, mas desisti. Quando meus pais viram que eu me dedicava, passaram a estimular. Fazer teatro foi meu primeiro ato de rebeldia que deu frutos a meu favor.

PERGUNTA: Era uma forma de contestação por estar num período de ditadura?

RANGEL: Na verdade eu não tinha noção do que estava acontecendo no país. A Marília Gabriela me perguntou uma coisa parecida e eu disse: “a única coisa que eu sabia era que eu era fã da Marlene e não da Emilinha” (risos). O resto eu não sabia nada. O máximo da minha contestação era ser fã da Marlene. Quando entrei para a escola de Teatro, em 1966, comecei a ter noção do que estava acontecendo. Em Roda Viva a gente foi atacado duas vezes por um grupo militar e a peça foi proibida em todo o território nacional. No final de dezembro, veio o AI-5 e nada podia ficar mais claro. Minha cabeça foi sendo feita aos poucos, nas coxias dos teatros.




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;