Setecidades Titulo Tancão da Morte
Tragédia não inibe banhistas do Grande ABC

Em áreas impróprias para prática de natação, calor supera preocupação com a segurança

Rafael Ribeiro
Do Diário do Grande ABC
02/02/2014 | 07:00
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Orlando Filho/DGABC


Nem mesmo a tragédia que deixou cinco jovens mortos por afogamento no Tancão da Morte, em Santo André, na quarta-feira, impede banhistas da região de enfrentarem o risco para se refrescar do calor em áreas consideradas impróprias para o banho.

O Diário visitou três locais onde já foram registradas mortes: o Açude Rebizzi, em Rio Grande da Serra, a Ponte da Light, em Ribeirão Pires, e o trecho da Represa Billings localizado no bairro Montanhão, em São Bernardo, abaixo de ponte do Rodoanel. Em nenhum deles havia fiscalização ou placas avisando os banhistas do perigo, apesar dos registros de acidentes já ocorridos nessas áreas.

Em Mauá, no mesmo bairro onde a maioria dos jovens mortos no tancão morava, crianças e adolescentes também aproveitam para se refrescar em espécie de piscina natural formada às margens da Avenida Jacu Pêssego. A água, porém, corre o risco de acabar em breve.

“O poder público deveria olhar com mais carinho para esse espaço. Isso pode ser transformado em uma opção de lazer para esses jovens, que são carentes”, disse João Lopes, líder comunitário do Jardim Oratório.

“É o nosso point, aqui todo mundo se reúne, é nossa diversão. A polícia até passa, para, mas só olha, sabe que temos noção do que estamos fazendo”, disse o desempregado Hebert Corrêa, 20 anos, que se arrisca pulando da ponte de seis metros construída sobre um braço da Billings no Parque do Governador, em Ribeirão Pires.

“Não posso dizer que é perigoso se nunca aconteceu nada comigo ou minha filha”, disse o entregador Luís Castro, 29, que aproveitava o sol no Montanhão.

Piscina do Oratório diverte jovens no mesmo bairro de vítimas do tancão

Há cinco anos as obras do Trecho Sul do Rodoanel fizeram brotar no Jardim Oratório, em Mauá, uma bica. O volume acumulado de água gerou um açude, com cerca de 1,5 metro de profundidade, que hoje serve como piscina para os jovens moradores humildes das margens da Avenida Jacu Pêssego.

Jeferson Tavares, 24 anos, olhava os cinco primos brincarem na água. Com o calor, o espaço fica lotado durante o dia. “É o único lazer que eles têm aqui”, disse.

O bairro é o mesmo de quatro das vítimas fatais do tancão andreense. Apesar de os jovens não frequentarem o local, são conhecidos. Depois do ocorrido, a luta é pela manutençao do espaço. Com a construção de uma fábrica em terreno próximo, a Prefeitura pretende canalizar o córrego, o que acabaria com a diversão. “Não vamos permitir”, garantiu Tavares.

Por ser raso, não há registros de afogamentos. Mas até há pouco tempo havia ali ferragens da construção do Rodoanel. Gilmar dos Santos, 14, exibe nas costas as cicatrizes dos ferimentos que teve ao esbarrar nas vigas. Mas os próprios meninos conseguiram retirar os ferros. “A gente cuida disso aqui. É nosso e não vamos deixar ninguém estragar.”

Descuido de turistas é apontado como responsável por fatalidades no Rebizzi

O espaço é amplo, a paisagem exuberante. Nos fins de semana de sol, barracas vendem churrasquinho e o pagode anima os frequentadores. O Açude do Rebizzi, em Rio Grande da Serra, poderia ser um parque. Mas a memória do local é marcada pelas mortes de banhistas que desafiaram a prudência. Em dezembro, por exemplo, foram duas vítimas, ambas de Mauá.

O armador Edcarlo Lourenço, 44 anos, frequenta o açude desde os 9. Aos 19, quase se afogou. Desde então, toma cuidado. E perdeu as contas de quantos banhistas conseguiu salvar nesse tempo. “A maioria (que se afoga) é gente de fora, que quer ir muito para o fundo, fica descuidado e não conhece bem a água”, lamentou.

O aspecto familiar é visível. Mães brincam com filhos pequenos, com menos de 5 anos. “Não vejo perigo. Os que morrem são sempre adultos, nunca crianças. Aqui nunca proibiram o povo de nadar”, disse Lourenço.

Ele concorda que deveria haver ao menos salva-vidas ali para prevenir acidentes. “A água é traiçoeira. E já é uma tradição vir aproveitar o calor”, destacou.

Morte de menina não impede saltos de ponte com seis metros de altura

Em fevereiro de 2012, a jovem Mitchill Guilherme de Carvalho, 9 anos, foi atingida por uma moto aquática e morreu em Ribeirão Pires. O caso gerou grande repercussão quanto ao uso e regulamentação não só do veículo, mas também dos espaços da Represa Billings próprios para banhos.

Quase dois anos depois, o local, conhecido como Ponte da Light, no Parque do Governador, vê a tradição ser mantida: jovens pulam de altura de seis metros da ponte que passa sobre um braço da represa na cidade.

“A gente vem aqui desde criança. Não tem que ter medo. Se morrer, do fundo da represa a gente não passa”, afirmou o pintor Marcos Rezende, 20 anos.

São cerca de 15 metros de profundidade. Os próprios jovens relatam ter visto corpos despejados no fundo, além de carcaças de carros roubados. “A única preocupação é prender o pé em um desses carros”, destacou o jovem. “Se não for para vir aqui, tem que ir até as cachoeiras de Paranapiacaba. Mas lá é muito longe. Aqui é do lado de casa.”

Mesmo não recomendado, Montanhão tem público fiel

O aviso é claro: banhos são permitidos apenas na região da Prainha, no Riacho Grande. Mas mesmo assim, sob as pontes do Rodoanel, dezenas de pessoas seguem nadando na Billings no trecho correspondente ao bairro Montanhão, em São Bernardo.

O motivo para a proibição são as ferragens da construção da pista no fundo da represa. Mas jovens ignoram o risco e lotam as águas para aproveitar o calor.

O público do espaço é fiel e fez crescer a oferta de bares no local, quase sempre com funk em volume alto e até consumo de drogas, conforme o Diário flagrou na sexta-feira.  




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