Cultura & Lazer Titulo
Rainha dos Venenos
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
08/11/2010 | 07:26
Compartilhar notícia


A personificação dos males humanos é recorrente na humanidade. Hipócrates (460-377 a.C.), pai da medicina, em seu estudo sobre os humores corporais, classificou a bile negra como uma secreção fria e nebulosa que o baço soltava, escurecendo o humor das pessoas e deixando-as em estado de melancolia.

O absinto não fugiu à regra da mitificação. A bebida que foi moda entre a classe artística no final do século 19, de fada verde, como era conhecida, tornou-se rapidamente a responsável pelos males que assolavam os valores tradicionais. 

O escritor Phil Baker, em CF51Absinto - Uma História Cultural (Nova Alexandria, 228, págs., preço médio R$ 50), traz à tona a história da bebida, relacionando personagens e casos que compuseram a fama do líquido.
A controversa reputação do absinto - que tem teor alcoólico entre 40% e 85% - é destrinchada pelo autor na obra. Desde o início do uso da artemísia (planta que dá origem à bebida) - usada com uma das ervas medicinais mais valiosas no antigo Egito ao seu uso atual, que provavelmente, segundo Baker, teve início no fim do século 18, na França.

Da utilização do líquido nas guerras coloniais francesas, na África do Norte, ao uso burguês, que definiu, nos países que valorizavam a cultura francesa, que entre às 17h e 19h era a hora verde, período em que "o cheio de absinto flutuava no ar, saído dos boulevards parisienses", o livro traz coletânea de opiniões sobre o assunto.

Além, traz apêndice que reúne textos históricos sobre a bebida e um manual que remonta os rituais criados ao longo do tempo para bebê-la.

Faz um ranking também das marcas disponíveis no mercado atualmente, período em que, principalmente no Leste Europeu, a bebida está em alta. Baker descreve a década de 1880 como a época da perdição do absinto, que passou a ser designado como bruxa verde ou rainha dos venenos. "Nesta época uma série de safras escassas de uva tornou-o mais barato que o vinho. O consumo paralelo levou ao cruzamento entre a boêmia e classe operária, condenando a ruína generalizada artistas e trabalhadores", escreve o autor.

LITERATURA - A francesa Marie Corelli, em seu livro Wormwood (artemísia em inglês), de 1890, conta a história de Gaston Beauvais, jovem digno e inteligente, que se transforma em um ser asqueroso por conta da bebida. "Ela consegue fazer do absinto o tipo de bebida que a Família Addams poderia abrir no Natal", comenta Baker sobre a escritora.Em uma passagem do livro, ela escreve: "A morbidez da mente francesa moderna é bem conhecida e admitida até pelos próprios franceses; o ateísmo não disfarçado, a dureza de coração, a frivolidade e a flagrante imoralidade (...) há muitas causas, sem dúvida, para o nível desastrosamente baixo de responsabilidade moral dos parisienses (...) mas não exito em dizer que uma das causas é a desavergonhada mania do absinto."

Os franceses, para justificar o problema alcoólico nacional e a falta de disciplina do exército na Primeira Guerra Mundial, baniram a bebida do país em 1915. Seu apelido, na ocasião, era ônibus para Charenton (mais conhecido manicômio francês.

"Se o absinto não for banido nosso país se tornará rapidamente um imenso cubículo forrado, onde a metade dos franceses estará ocupada em colocar camisas de força na outra metade", escreveu um militante do proibicionismo, já tomado pela comoção que transformou a bebida no demônio.
A Inglaterra do fin-de-siècle, designação da decadente década de 1890, quando iniciava o fim do puritanismo da Era Vitoriana e o nascimento da Era Moderna, também teve figuras clássicas que colaboravam para o medo da fada verde, muitos influenciados pela cena francesa. Entre eles, destacavam-se Oscar Wilde e Ernest Dowson.

Wilde (1854-1900), um dos mais célebres usuários da bebida - embriagado de absinto, ele já viu tulipas florescerem em suas pernas -, em uma passagem do livro cita como o ciclo do vício era aterrador. "Depois do primeiro copo você vê as coisas como gostaria que fossem. Depois do segundo você vê as coisas como não são. Para terminar, você as vê como elas são de verdade, e isso é a coisa mais horrível do mundo", depôs.
Sobre o poeta Dowson (1867-1900), que ganha capítulo especial no livro, os amigos da época descreviam "algo estranho no contraste entre suas maneiras refinadas e sua aparência geralmente acabada e desgastada. Sem alguma sordidez à sua volta, ele nunca parecia realmente à vontade ou ele mesmo."

Sua concupiscência trazia tanta identificação com a embriaguez por absinto que quando morreu, aos 32 anos, seus amigos regaram seu túmulo com a bebida.

Entre outros famosos consumidores de absinto evocados por Baker, estão Verlaine, Rimbaud, Van Gogh, Toulouse-Lautrec e Ernest Hemingway.

O QUE O ABSINTO FAZ? Um dos capítulos desmistifica e deixa claro os principais problemas do consumo da bebida. A tujona, substância presente na artemísia, que, segundo o escritor, sem dúvida alguma "dá um barato" (ela atua no sistema receptor, fazendo com que os neurônios transmitam sinapses com excessiva facilidade e quantidade, fazendo os sinais cerebrais ficarem fora de controle),, leva parte da culpa, mas para Baker, o principal problema é o álcool. "A maioria dos escritores e artistas citados neste livro eram alcoólatras. Eles pertenciam a um bando numeroso e infeliz" resumiu o autor.

Trecho

”A notícia de uma tragédia especialmente horripilante eclodiu nas manchetes da imprensa européia em agosto de 1905. Um homem de 31 anos, Jean Lanfray, camponês suíço de origem francesa, bebeu dois copos de absinto (...) e atirou na cabeça da mulher grávida. Quando a filha de quatro anos do casal, Rose, apareceu na porta do quarto para ver o que estava acontecendo, ele atirou nela também. Em seguida, o homem foi para o quarto ao lado, onde a filha de dois anos, Blanche, dormia no berço; houve novo disparo. (...) A reação ao caso Lanfray foi extraordinária e concentrou-se em um só detalhe. Ninguém atentou para o fato de Lanfray ser um alcoólatra contumaz e de ele, no dia anterior ao massacre, ter consumido não só as duas relatadas doses de absinto (...) mas também um crèm de menthe, um conhaque, seis taças de vinho, uma xícara de café com brandy, um litro de vinho e um café com CF160marc/CF. Ninguém ligou para o fato de que todo mundo sabia que Lanfray chegava a ingerir cinco litros de vinho por dia.Niguém tinha dúvidas: CF160deve ter sido o absinto que o levou a fazer aquilo/CF. Dali a algumas semanas,a população local, 82.450 pessoas, assinou uma petição: queriam banir da Suíça o absinto, feito conseguido apenas no ano seguinte. Nennhuma bebida, nem o gim das Imagens londrinas do escritor William Hogarth, jamais alcançara tão péssima reputação.”




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;