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Dança dos desejos
Por Cássio Gomes Neves
Do Diário do Grande ABC
05/09/2005 | 07:56
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Nunca é bom confiar na disponibilidade dos ingressos quando o espetáculo desejado pertence à Cia. de Dança Deborah Colker. No próximo dia 23 chega ao Teatro Alfa, em São Paulo, o novo produto artístico da companhia: Nó, que estreou em maio na Alemanha e aporta pela primeira vez na capital paulista. O seguro morreu de causas naturais, é sabido; portanto, aproveite que os ingressos para os oito dias da brevíssima temporada, no teatro com 1.134 lugares, já estão à venda nas bilheterias do Alfa, e garanta o seu antes da possível extinção.

Nó é o sétimo espetáculo da companhia fundada há 12 anos no Rio e de cujo repertório reluzem itens como Mix (1995) e Casa (1999). Obras de títulos compactos, mas que solidificam uma complexidade espacial e aeróbica, uma simbiose entre corpos e espaços minimamente preenchidos por cenários, tornada logomarca do grupo.

O novo espetáculo segue direção semelhante. Dividido em dois atos, Nó se enreda com a sensação do desejo e suas expressões na conduta humana. No primeiro ato, desembaraça-se do teto um novelo de 120 cordas, ora trançadas, ora dispersas, que envolvem os bailarinos. Metáfora cenográfica para os suplementos do desejo, a custódia e a liberdade simultâneas, o elo e o desapego em uma via única. Nas palavras da criadora, nó que estrangula e sustenta, que aperta e liberta, que impede e aproxima. Os tais nós (o substantivo, se bem que poderia ser o pronome) que o título evoca.

Os figurinos, idealizados pelo requisitado estilista Alexandre Herchcovitch, acompanham essa neutralidade – no sentido de imparcialidade emocional – do ato inicial. Roupas da tonalidade da pele dos 16 bailarinos, maculadas por tarjas pretas que atalham a atenção dos olhares para as redondezas genitais dos bailarinos, extensões físicas do desejo.

No segundo ato, Nó altera a rota cromática e conceitual. Uma caixa transparente de 3,1m x 2,5m e emoldurada por bordas vermelhas – criação do cenógrafo Gringo Cardia – toma o palco. Um aquário gigante cujas origens remetem a uma viagem da coreógrafa Deborah Colker às ruas de Amsterdã (Holanda), algumas das quais povoadas de vitrines cujo conteúdo são prostitutas em franca exibição aos clientes. O desejo, novamente segundo as considerações da companhia, agora analisado sob a relatividade de suas distâncias: tão próximo nas escalas espaciais quanto inacessível devido à barreira (a vitrine) que separa os corpos. Uma materialização do equilíbrio entre primitivo e civilizado, no decorrer de um ato em que o vermelho ruge como senhor das sensações, tanto nos figurinos como nos cenários. Na trilha sonora, Chet Baker, Ravel e Elisete Cardoso, sob direção musical de Berna Ceppas.

Nó levou dois anos para ser concebido e executado por Deborah, co-diretora junto ao irmão, Flávio Colker. Um prazo bastante adequado, e durante o qual foram desenvolvidos dez roteiros, para a equação comum às coreografias da companhia: dança contemporânea e anatomia humana, reunidos para solucionar enigmas espaciais – com a geometria ao mesmo tempo simples e agravante dos cenários. O de sempre, em suma.

  Para encerrar: em meio à temporada do espetáculo, precisamente às 20h dos dias 24 e 28, haverá palestras para introduzir o público ao universo e aos propósitos de Nó, ministradas pela crítica de dança Ana Francisca Ponzio.

Nó – Espetáculo da Cia. de Dança Deborah Colker. Estréia no dia 23, às 21h, no Teatro Alfa – r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, São Paulo. Tel.: 5693-4000. De quarta a sábado, às 21h; domingo, às 18h. Ingr.: de R$ 30 a R$ 70. Até 2 de outubro. Censura livre.

O repertório

Vulcão (1994)

Espetáculo que apresentou a companhia para a cena coreográfica nacional. De início, movimentos inspirados nas máquinas; por fim, uma crônica coreográfica sobre as formas de amar, que são muito mais que duas ou três. O meloso, o piegas, o inconseqüente; todos numa só cumbuca, musicada por Roberto Carlos, Elvis Presley e Edith Piaf.

Velox (1995)

Na segunda montagem, atenção especial para as expressões desportivas do movimento, com segmentos dedicados ao kung fu e a outros esportes. No movimento endereçado à arte dos alpinistas, bailarinos desfilavam – para não dizer que voavam – numa parede vertical de mais de 6m de altura. Como complementos, as coreografias Cotidiano e Mecânica.

Mix (1996)

Como indica o próprio título, um espetáculo resultante do encontro – se bem que, na dança aeróbica de Deborah Colker, o termo colisão não é descartável – de movimentos das duas primeiras montagens, como Desfile e Esportes. E a reiteração de que o universo pop interessa como artigo referencial para a coreógrafa. Apresentada em Londres em 2000, a coreografia rendeu a Deborah o prestigiado prêmio Laurence Olivier.

Rota (1997)

Os trapezismos do grupo tornam-se cada vez mais visíveis, sobretudo neste quarto espetáculo, que consolida sua vocação pop aliada à pesquisa muscular dos bailarinos. A atração principal é a roda-gigante de mais de uma tonelada que ocupa o centro do palco, na qual os artistas serpenteavam e se agarravam feito carrapatos. De pasmar!

Casa (1999)
Exercícios de levitação e homens-aranha infestam a ousadia geométrica da montagem, acondicionada dentro de uma gigantesca casa de bonecas, uma adaptação tridimensional e descolorida dos enquadramentos de Mondrian. A segurança do lar e de atividades caseiras como fritar ovos e tomar uma ducha face aos perigos dos acidentes domésticos – e da reclusão.

4 por 4 (2002)

Espetáculo em quatro frações, quatro coreografias que gradativamente recuperam o balé como primeira garantia do êxito na arte do movimento; acrobacias e cenários são apêndices, ou melhor, obstáculos que acentuam a dependência da dança, contemporânea ou não, junto ao balé. Pianos de cauda e grandes quinas preenchem os cenários. O mais impressionante fica por conta do final, com os 90 vasos de cerâmica dispostos no solo de modo a exigir dos bailarinos habilidades ofídicas.




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