Cotidiano Titulo COLUNA
Vidas despedaçadas
Por Rodolfo de Souza
Do Diário do Grande ABC
16/01/2020 | 00:01
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O avião despencou com quase duas centenas de pessoas a bordo. Partira da mão do homem a decisão sobre o destino que deveria tomar o aparelho naquele dia, logo após a decolagem. Certamente que o comandante não fora comunicado da mudança de rumo nem que fomentaria, por meio dos noticiários, o choque para aqueles que ainda devem permanecer um pouco mais por estas bandas. 

E aquela gente toda metida dentro da aeronave sequer teve tempo de perceber que chegara o fim, que o ser humano, seu semelhante, determinara que a sua caminhada terminaria ali, na nova rota do voo que acabaria aos pedaços no chão. 

Quem conhece a rotina de aeroportos sabe que são repletos de pessoas quase sempre cheias da expectativa de uma viagem tranquila, que conduza a todos ao endereço escolhido, sem percalços. Nunca se imagina um desastre, muito menos um ataque. Ninguém quer pensar nisso no momento que antecede a decolagem. Somente os que sofrem de algum distúrbio de pânico e que sempre carregam um comprimido que deve ajudar, é que sentem algum calafrio nessas horas. Quanto aos demais, tudo é ansiedade... Por que não dizer, alegria? 

Dentro do avião também é possível sentir esse clima de descontração, apesar de ter decolado de uma cidade em ebulição o aparelho que viria a ser abatido logo mais. Talvez fosse mesmo motivo suficiente para espantar a tranquilidade dos passageiros, o tal voo ter partido de local turbulento. Ninguém, contudo, consideraria a possibilidade de ser derrubado um avião de carreira. Isso não.

E a imprensa falou, alguns governos criticaram, a opinião pública lamentou o fato que, não demora, cairá no esquecimento.

É assim, pois, que funciona a máquina de pensar do ser humano. A ciência a considera perfeita. Mas o que acontece quando ela se reúne com o estado maior, todo ele composto também por máquinas pensantes, para deliberar acerca do assassinato de alguém cujo prestígio, num determinado país, beira o prestígio concedido a um deus? Fora essa, afinal, a atitude que dera início a um conflito, por causa do qual explodiu-se um avião repleto de gente que não era motivo de ameaça a qualquer nação.

Alguém, por fim, teria admitido a culpa pela tragédia. O cérebro perfeito se equivocara ou teria sido ludibriado pelo olhar míope do lançador de mísseis, não se sabe ao certo. Fato é que tudo se transformou em escombros, e o que sobrou dos corpos foi metido em sacos pretos, como de hábito. Certamente que um punhado de qualquer coisa torrada e misturada fora entregue às famílias para o devido sepultamento em caixão lacrado. E, conforme o credo de cada um, alguma prece teria enchido os vivos de júbilo por saber que se encontra em lugar muito melhor o antigo dono daquilo que sobrou e agora jaz misturado a outros que aquele possivelmente nem conhecera em vida.

Mas e quanto às autoridades de todas as partes do mundo? São pessoas que têm o poder de tirar a vida, mas que não encontraram ainda a fórmula para restabelecê-la. Mesmo porque, se a tivessem, talvez nem precisassem usá-la nesses casos, já que sua mente seria capaz de entender que a estupidez é desnecessária e promove a morte, a verdadeira morte.




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