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Vila Helena conta com pioneira na arte da tatuagem

Minoria entre os profissionais da área, a tatuadora Rosângela Aparecida Chaves, 51 anos, se dedica à profissão há 15 deles

Natália Fernandjes
Do Diário do Grande ABC
18/07/2015 | 07:00
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A fusão entre o conhecimento acadêmico, talento e atitude foram as principais armas utilizadas pela tatuadora Rosângela Aparecida Chaves, 51 anos, conhecida como Jan, para ganhar espaço dentro da profissão, ocupada predominantemente por homens. Se ainda hoje é difícil encontrar mulheres no comando de agulhas artísticas, imagine há 15 anos, quando a proprietária de estúdio na Rua das Hortências, na Vila Helena, em Santo André, começou a carreira.

“Era um grupo muito fechado e dominado por homens. Fui pioneira aqui na região, mas não foi fácil. No começo sofri muito preconceito. As pessoas chegavam e só queriam tatuar com os homens”, lembra a artista. Formada em Artes Plásticas pela Faculdade de Belas Artes, ela se apaixonou pelo ofício assim que segurou a agulha pela primeira vez para “brincar de tatuar” o pé do marido, com quem divide também o ambiente de trabalho. “Na época ele era meu amigo. Foi ele quem me deu a oportunidade de começar e me ensinou”, reconhece.

O talento para o desenho e a pintura, assim como o aprendizado a respeito de mistura de cores, traços e anatomia humana, obtidos na faculdade, foram facilitadores, considera Jan. “Eu sabia desenhar e pintar, mas no papel, tela, madeira. Agora, minha base é a pele, e cada uma responde de um jeito”, destaca.

Outro fator motivador para a artista foi a oportunidade de trabalhar com pessoas todos os dias. “Posso dizer que nunca tive um dia igual ao outro aqui. A tatuagem acaba representando o que a pessoa está vivendo no momento. Costumo dizer que elas procuram o estúdio pelo amor ou pela dor. Ou para comemorar o nascimento do filho, ou para homenagear um pai que morreu”, exemplifica a tatuadora, que acredita ainda que o momento da tatuagem é oportunidade de a pessoa se autoconhecer, inclusive o limite de dor.

Embora não tenha noção de quantas tatuagens já fez em seus clientes e amigos, a artista sabe de uma coisa: ninguém nunca interrompeu a sessão e foi embora com o serviço inacabado. “Um dos fatores que influenciam a sensação de dor é a leveza da mão do tatuador e também o momento emocional da pessoa que está sendo tatuada”, acredita.

Ao longo de sua carreira, Jan aprendeu a importância de respeitar seu corpo e, por isso, estabelece um limite de clientes por semana. “Procuro me poupar porque ficamos segurando a máquina sem apoio por até cinco horas fazendo o mesmo movimento repetidas vezes”, destaca. Em média, são quatro tatuagens pequenas, que levam cerca de meia hora a quarenta minutos para ficarem prontas ou dois trabalhos maiores, que demandam até três horas de dedicação por dia. “Nosso corpo também tem um limite de resistência à dor e é preciso respeitar”, diz.

Os horários são agendados e o preço do trabalho é definido de acordo com o tamanho da tatuagem e o tempo de duração das sessões. Os clientes tanto podem levar os desenhos prontos quanto apresentar ideia para que a artista crie a arte. “Vou analisar o perfil e criar o melhor para a pessoa”, garante Jan, que ressalta ainda a importância do uso de produtos descartáveis e esterilizados e de obedecer os critérios de segurança sanitária.

Cabeleireiro acompanha evolução

De dentro de seu salão, o cabeleireiro Oseas Rodrigues de Oliveira, 53 anos, vem acompanhando a transformação da Vila Helena ao longo dos últimos 33 anos. Durante todo esse período, o morador se dedica ao nobre ofício de cortar os cabelos de integrantes de gerações de famílias do bairro.

Segundo ele, as mudanças mais significativas no local estão acontecendo na última década, com a chegada de agências bancárias e clínica de saúde, além da inevitável expansão imobiliária. “Antigamente, o bairro era formado mais por aposentados, mas agora a clientela está sendo modificada com a chegada dos prédios sem condomínio e dos casais novos”, diz.

Uma das moradoras que mantém a tradição familiar de cortar o cabelo com seu Oseas é a comerciante Alexandra Yamashiro Nobrega, 42. Ela levou o filho Fernando Yudi Yamashiro Nobrega, 6, para receber os cuidados do velho conhecido. “Moro aqui desde que nasci. Meu pai, meus irmãos e, agora, meus sobrinhos só cortam o cabelo aqui”, revela.

As paredes do salão de Oseas guardam recordações de período alegre e intenso de sua vida. Fotografias mostram a Banda do Galo, bloco carnavalesco formado pelos comerciantes locais que existiu entre 2001 e 2005. “A gente chegou a ser convidado para abrir o Carnaval de Santo André e São Caetano. O grupo tinha entre 600 e 700 componentes”, orgulha-se.

Outro motivo de felicidade para o cabeleireiro diz respeito ao período em que integrou a elite do samba andreense, no fim de sua adolescência. Ele, que tocava pandeiro no grupo Lucidez, dividia os holofotes de bares e lanchonetes da cidade com outras bandas, inclusive a composta pelo sambista Péricles, ex-integrante do Exaltasamba. “Eles tiveram apoio e foram em frente. Já eu segui outra profissão para cuidar da mulher e dos filhos”, comenta Oseas.

Arte em gesso é ponto de referência

Desde que saiu do antigo emprego, há nove anos, a eletrotécnica Adriana de Souza Galdino Guedes, 43 anos, resolveu aproveitar o seu tempo livre para se dedicar à pintura de esculturas feitas em gesso e, assim, ter nova fonte de renda. A residência da artista, localizada na Rua das Hortências, virou ponto de referência para o pessoal que busca desde os tradicionais cofres infantis até imagens de santos e estátuas para jardim.

O modelo de negócio se desenhou por acaso, lembra Adriana. “Depois que me casei, deixei o emprego, mas não conseguia ficar parada. Então comprava as esculturas em gesso e pintava para vender na lojinha do meu irmão, em São Bernardo. Deixava as imagens secando na garagem e o pessoal que passa aqui começou a pedir”, comenta.

Para ela, colorir as esculturas é uma espécie de terapia, tendo em vista o benefício proporcionado. “Não posso nem cobrar caro por algo que me faz tão bem”, acredita. Os preços das peças de arte variam de acordo com o produto: os santos pequenos custam R$ 18, já os cofres em formato de porquinhos ou personagens de desenhos animados podem ser adquiridos por R$ 12. Em média, a artesão consegue vender R$ 100 por dia.

Quando se trata das peças mais simples, como as bolas de futebol e porcos, Adriana revela conseguir produzir até 15 por dia. Já itens que exigem mais detalhe e capricho, como as imagens de santos, levam mais tempo para ficarem prontos. Neste caso, ela consegue pintar no máximo dois por dia.

Apesar de todo o talento visível nas imagens, a artesã considera que tem muito a evoluir como profissional. “Já melhorei desde que comecei a pintar, mas ainda quero apresentar um trabalho mais fino”, destaca. Para isso, Adriana conta com auxílio de uma prima com “mãos de fada” que mora na Paraíba. “Faço questão de pagar as passagens dela uma vez por ano para que fique um período das férias aqui me ensinando algumas técnicas”, revela. 




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