Interação Titulo Interação
Veja a cerveja com outros olhos

Pode parecer estranho, um tanto quanto paradoxal, mas por incrível que pareça...

Carlos Ferrari
20/07/2015 | 07:00
Compartilhar notícia


Pode parecer estranho, um tanto quanto paradoxal, mas por incrível que pareça é sempre um desafio para mim discutir ideias, propor conceitos ou mesmo externar pequenas opiniões, sem que tais situações tragam consigo o carimbo recorrente de que se trata de algo dito por um cego. Preciso dizer que não tenho qualquer problema com a cegueira e, ao contrário disso, busco sempre fazer da realidade concreta que me coloca como pessoa com deficiência, uma oportunidade para trabalhar melhores dias de inclusão e acessibilidade.

O que procuro sempre evitar é que a condição de cegueira se sobreponha a outras características pessoais, que acabei desenvolvendo independentemente da cegueira. Por exemplo, quando me apresento como professor para uma nova turma na sala de aula, não preciso falar antes da cegueira, pois trata-se de uma condição humana, e como tal não precisa ser destacada nem tão pouco omitida.

Já fui guitarrista, presidente de Conselho de Políticas Públicas, palestrante e sempre busquei pautar minha atuação partindo da premissa que a cegueira é apenas uma das tantas coisas que me fazem ser humano. Conto-lhes tudo isso, pois nesta última semana abri uma exceção para essa minha postura, ou seja, acabei permitindo que a cegueira aparecesse se sobrepondo para além do necessário. Isso aconteceu em uma entrevista que dei ao Beercast Brasil, melhor podcast do País quando o assunto é cerveja.

Se você ainda não sabe o que é um podcast, trata-se de uma espécie de programa de rádio, com o diferencial de poder ser ouvido e baixado a qualquer momento desde que se esteja conectado na internet. Ter a oportunidade de participar do Beercast e poder falar como o primeiro cego cervejeiro do Brasil (ao menos até onde me consta) foi fundamental para que eu pudesse contribuir para desmistificar um pouco sobre as limitações das pessoas cegas e sobre as inúmeras possibilidades abertas pela cultura cervejeira.

Falar de inclusão no mundo do trabalho, na escola e ambientes públicos é relativamente simples para nós militantes com tanto tempo de caminhada. Agora contar um pouco sobre as pequenas coisas que podem nos oportunizar grandes transformações no cotidiano, é sempre um grande desafio, pois imaginem só: para muitos, em uma sociedade ainda extremamente desinformada e por vezes preconceituosa, as palavras cego e cerveja não podem estar no mesmo espaço. Não podem porque, para muitos, ser cego é estar doente, logo, quem está com alguma doença não bebe. Para outros a cegueira pode elevar o ser humano a uma posição quase de super-herói ou mesmo reduzi-lo à casta dos muitos pobres coitados, logo quem é herói e/ou coitado também não pode beber.

Fora isso, ainda vivemos em um país no qual a cerveja é considerada pela maioria algo banal. Uma coisa que se bebe aos montes para extravasar, festejar, e o que vale mesmo é descer para dentro. O País agora começa a descobrir aos poucos que falamos de uma bebida com milhares de anos, de grande influência para enormes transformações culturais, tecnológicas, econômicas e sociais, vivenciadas ao longo da história da humanidade.

Falar como cego cervejeiro, apesar de ir na contramão do que costumo praticar, me permite abordar uma série de questões urgentes e importantes para a sociedade. Os cegos podem ser mais que o personagem Jeremias que pedia esmolas em Roque Santeiro, podem ser menos que Stevie Wonder e seu super ouvido absoluto, podem ser sim cidadãos com hobbies e atividades pouco tradicionais.

Para vender e falar de cerveja não é necessário transformar mulheres em objetos sexuais portadores de mensagens subliminares que se propõem serem mais eficientes que o sabor e/ou toda a experiência em ter contato com a bebida. Beber cerveja pode ser sim algo saudável e diferente do que se tem convencionado os grandes meios de comunicação e o inconsciente coletivo.

Tenho certeza que assim, muito rapidamente, quem ouviu ou ouvirá o Beercast logo perceberá, como tantas outras pessoas com quem interajo, que a cegueira e a cerveja podem ser enxergadas a partir de perspectivas bem mais bacanas e complexas. Te convido a visitar o link abaixo para que possamos em meu blog e nas redes sociais continuar esta conversa. Um brinde a novas possibilidades de enxergar a vida.

Segue o link: http://www.beercast.com.br/programas/um-papo-com-carlos-ferrari-beercast-114/.

* Carlos Ferrari é presidente da Avape (Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência), faz parte da diretoria executiva da ONCB (Organização Nacional de Cegos do Brasil) e é atual integrante do CNS (Conselho Nacional de Saúde).
 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;