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Região completa um ano do primeiro caso de Covid

Sete cidades acumulam marcas negativas em pandemia avassaladora; desenvolvimento da vacina acende esperança

Aline Melo
Do Diário do Grande ABC
Anderson Fattori
Do Diário do Grande ABC
Yasmin Assagra
Do Diário do Grande ABC
15/03/2021 | 07:00
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DGABC


Há exatamente um ano, a Prefeitura de São Bernardo confirmava: o novo coronavírus, que apavorava os continentes asiático e europeu e também já havia chegado no Brasil, estava circulando no Grande ABC. Em 15 de março de 2020, Cristiane Gassmann Calixto, 52 anos, e Edison Calixto Silva, 53, moradores do bairro Rudge Ramos (leia mais abaixo) se tornavam as primeiras vítimas. No mesmo dia, a Prefeitura de São Caetano também relatou um caso e depois disso as contaminações se multiplicaram em enorme velocidade, até chegar a 140.459 infectados ontem.

A primeira morte ocasionada pelo coronavírus, que é o causador da Covid-19, foi registrada em Santo André, em 25 de março. O paciente de 68 anos deu entrada na UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) Sacadura Cabral no dia 18 e morreu no mesmo dia, mas a confirmação demorou uma semana. Em 12 meses, as sete cidades já acumulam 4.910 falecimentos, o que fez de 2020 o ano mais mortal da história da região, de acordo com dados Arpen-SP (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais de São Paulo), com base nos atestados de óbitos. Do total de baixas, 3.480 foram computadas no ano passado, o que elevou o número geral, contando todas as outras causas, a 20.280 perdas, contra 16.227 de 2019.

A pandemia, que foi decretada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) no dia 11 de março de 2020, quando o vírus já havia sido identificado em todos os continentes, deixou marcas profundas na região. O primeiro pico, na metade de 2020, mantém alguns recordes, como o de maior número de casos registrados em um único dia, em 23 de junho, mesma data em que o Grande ABC alcançava a triste marca de 1.000 vidas perdidas.

A alta, puxada por São Bernardo, que naquele 23 de junho informou 2.455 casos, fez daquela semana, entre os dias 21 e 27 de junho, a com o maior número de contaminações até hoje, com 5.790. Mas os números seguiram em alta na semana seguinte, com 5.565 entre os dias 28 de junho e 4 de julho.

O primeiro pico da pandemia também é responsável pela marca de 598 mortes registradas em julho, maior número para um mês. A segunda marca mais expressiva, porém, é de janeiro de 2021, com 564.

Todos os outros recordes importantes da pandemia foram registrados recentemente. Os mais tristes dizem respeito ao número de mortes. No dia 12 de janeiro foram computadas 54 perdas, resultado de represamento de 31 mortes de Mauá, que ficou 13 dias sem divulgar os boletins epidemiológicos – o que provocou também a semana mais letal da pandemia, com 174 perdas entre 10 e 16. de janeiro. Na última sexta-feira, porém, foram 43 vítimas fatais, primeira vez que as sete cidades ultrapassaram a marca de 40 perdas em apenas 24 horas. Isso mostra que a pandemia segue acelerando mesmo um ano depois.



LUZ NO FIM DO TÚNEL
Desde que os primeiros casos da Covid foram descobertos na China, ainda nos últimos dias de 2019, e se espalharam pelo mundo, cientistas buscam desenvolver vacinas que sejam eficazes para controlar a doença. O desafio era dos maiores da história, já que a cada dia o novo coronavírus se apresentava mais contagioso e letal e o imunizante desenvolvido em menos tempo na história tinha sido o contra a caxumba, pelo médico norte-americano Maurice Hilleman, em quatro anos, em meados de 1967.

As novas tecnologias e a cooperação entre cientistas e laboratórios permitiram que não só uma, mas diversas vacinas fossem desenvolvidas, com técnicas mais variadas. A urgência fez com que agências reguladoras pulassem etapas, principalmente as burocráticas, para permitir que os imunizantes estivessem à disposição da população mundial em tempo recorde.

O laboratório da USCS (Universidade Municipal de São Caetano) teve papel importante na liberação da Coronavac, vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac, que tem o Instituto Butantan, de São Paulo, como parceiro. A infraestrutura da universidade da região foi utilizada na fase 3 de testes, em humanos, que agilizou a liberação do imunizante.

Aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no dia 17 de janeiro de 2021, a Coronavac passou a ser usada instantaneamente no Brasil. Começou por São Paulo e dia 19 de janeiro era aplicada, simultaneamente, nas sete cidades do Grande ABC, que hoje já protegeram, ao menos, 171 mil pessoas com a primeira dose.

Primeiros infectados relatam alívio por terem superado vírus

O casal Cristiane Gassmann Calixto, 52 anos, e Edison Calixto Silva, 53, do bairro Rudge Ramos, em São Bernardo, desembarcou no Brasil em 10 de março de 2020 após uma viagem a passeio pela Itália. Em poucos dias no País, passaram a sentir sintomas clássicos da Covid e cinco dias após o retorno eles entraram para a história como os primeiros moradores do Grande ABC infectados pelo novo coronavírus. O diagnóstico positivo, veio em momento no qual pouco ainda se sabia sobre a doença. E até hoje impacta a vida do casal.

Passado um ano, eles ainda lembram com preocupação de tudo que viveram e relatam que não podiam imaginar o que aconteceria nos dias seguintes à contaminação. “Desde que nos recuperamos da Covid, incorporamos as restrições em nosso dia a dia e, até hoje, permanecemos assim. Precisamos também fazer nossa parte, não sabemos se podemos pegar de novo ou não”, conta Cristiane.

Ela e o marido passaram a redobrar os cuidados. Tanto dentro de casa, quanto com relação aos funcionários e clientes da imobililária de que são donos. Cristiane diz que o medo da reinfecção é constante, mas se mostra aliviada por ter superado a doença.

O COMEÇO
Na época de quarentena, a equipe de reportagem do Diário conversou com o casal, que detalhou o primeiro contato com a doença.

Os moradores de São Bernardo embarcaram para Itália no dia 21 de fevereiro, quando o país europeu registrava 14 casos confirmados da doença. Na última semana por lá, em Cervinia – município de Valtournenche –, foram com grupo de brasileiros praticar esqui, quando perceberam que, além deles, outras pessoas já apresentavam os sintomas do vírus. “Febre muito forte, diarreia e desgaste físico. Só que, até então, achávamos que era alguma refeição que nos fez mal, tanto que eu acordava bem, mas sentia sintomas ao longo do dia”, diz Cristiane.

Hoje, o casal diz que não fica feliz em entrar para história da região por esse motivo. Mas, durante esse período, eles puderam ajudar muitas pessoas que tinham dúvidas sobre os sintomas da Covid-19 e, de alguma forma, acreditam ter acalmado quem passava pela quarentena. “O lado bom de ter ficado para a história é de poder ter contribuído com informações. Por exemplo, tenho uma amiga que a irmã dela está com o marido internado, então, inevitavelmente ela fica desesperada, me pergunta sobre os sintomas, se eu senti. Por mais que existam essas informações na internet, ouvir de alguém próximo conforta mais”, avalia.

A empresária lembra que tudo relacionado a Covid, em março do ano passado, era uma incógnita e que até hoje, com a chegada das vacinas no País “é difícil saber como essa doença reage”. “Ano passado nos recuperamos da Covid com reação do nosso próprio corpo e, até hoje, sabemos que muita coisa mudou, inclusive com relação a vacina. Sabemos que quem já teve a Covid possui anticorpos e, mesmo assim, é necessário tomar a vacina. Vamos tomar quando chegar nossa faixa etária”, declara Cristiane.

O casal está entre as milhares de pessoas recuperadas da Covid-19 no Grande ABC. Apesar de terem sobrevivido sem sequelas, eles acreditam que a luta contra a Covid ainda vai demorar para acabar.

“É triste, pois tudo isso que está acontecendo é fruto de uma ação humana. Infelizmente, envolve brigas políticas, econômicas e a luta ainda maior contra a doença. Ficamos a mercê de tudo isso”, lamenta Cristiane. “Hoje, talvez, vivemos nessas limitações, cheio de restrições, por conta de algo que não foi resolvido lá no início. Isso é preocupante. Mas, agora, só cabe a nós rezar e ter esperança de que vai passar”, projeta.

Bebês nascidos no início da pandemia viveram ano atípico

Em 15 de março de 2020 o Grande ABC confirmava o primeiro caso de Covid. Um ano depois, a região tem 140.459 pessoas contaminadas e 4.910 óbitos causados em decorrência da doença. Apesar da tristeza dos números, para algumas pessoas esse intervalo de um ano foi visto como alegria, recomeço e felicidade. São as famílias de bebês que nasceram naquele 15 de março e que hoje completam o seu primeiro ano de vida. Planos adiados, festas que não se realizaram, parentes que não foram conhecidos e uma situação que parecia passageira, transformou-se na rotina de todo o mundo.

A dona de casa Lauane Rodrigues Santana, 21 anos, deu à luz em 15 de março de 2020 a pequena Maria Alice. Moradora do Sítio dos Vianas, em Santo André, ela já era mãe de Adriene, 5. Os planos de ir para a cidade de Iraquara, na Bahia, para que tias e primas conhecessem a bebê, tiveram que ser adiados. “É ruim, porque a gente não pode ir para lugar nenhum. Acho que a minha filha mais velha aproveitou melhor o primeiro ano do que a pequena”, relatou.

Para a digitadora Raquel de Araújo Osório, 22, nem o chá de fraldas deu tempo de realizar. Maria Clara nasceu prematura, com apenas 27 semanas de gestação, e naquele 15 de março de 2020, uma cesariana de emergência salvou mãe e filha, que ainda permanecerem por algum tempo internadas. Raquel, com pressão alta, ficou três dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), e a bebê permaneceu dois meses e 16 dias internadas, ganhando peso. Moradora do bairro Cidade São Jorge, em Santo André, a digitadora afirma que sua maior alegria foi quando a filha finalmente foi para casa. “O pai dela e eu íamos visita-la todos os dias e ficava aquele medo de que ela se contaminasse com o vírus”, relembrou.

A festa de um ano, que seria realizada na próxima semana e que até já estava paga, terá de ser adiada. “Achei que não duraria tanto a pandemia”, afirmou. Poucos familiares conhecem a garotinha e, apesar de tudo, o sentimento de Raquel é de gratidão. “Foram momentos muito difíceis para todo mundo, mas foi também de muita alegria em ter a minha filha”, concluiu.

Para registrar o primeiro ano de vida de Luiza, a dona de casa Daniela Pellegrino Camargo de Souza, 34, e o instalador de calha Thiago Camargo de Souza, 38, tentam proporcionar na convivência doméstica intensa momentos de diversão. Moradores do bairro Mauá, em São Caetano, os dois são pais também de Alice, 3, e apenas Souza sai de casa para trabalhar e fazer compras, pois é grande o medo de contaminação. “A gente faz brincadeiras, piqueniques no quintal, para poder ir registrando, porque não temos muitas opções. Quando está calor, a gente monta a piscina, deixa elas brincarem e vamos registrando esses momentos”, pontuou a mãe.

O casal também não acreditava que a pandemia fosse durar tanto e lamentam todas as mudanças que precisaram ser feitas. “Só os avós e a madrinha já a conheceram. As lembrancinhas de nascimento dela estão todas guardadas. Eu ia voltar a trabalhar depois que ela nascesse, nada saiu como o planejado”, declarou Daniela. “Mas apesar de tudo isso, o que aconteceu de bom foi a chegada dela na nossa família. O nascimento dela foi a melhor coisa que nos aconteceu”, completou.

Filha mais nova da dona de casa Giovana Viviane Barbosa da Silva, 24, Hadassa também completa hoje seu primeiro ano. Sem poder sair com frequência, foi apresentada na igreja evangélica frequentada pelos pais, mas tem passado a maior parte do tempo com as irmãs Nicolly, 9, Nikelly, 6. Por medo da Covid-19, a maioria dos familiares ainda não a conheceram, nem ela foi com a família visitar parentes no Paraná. “Ela socializa bastante com as irmãs, mas acho que sente mais (os efeitos da pandemia) são as maiores, porque tenho que dar conta das aulas on-line, de cuidar da casa, é bem corrido.” 

A PANDEMIA EM NÚMEROS

54
maior número de mortes em um único dia, em 12 de janeiro

2.793
foi o maior número de casos em um dia, em 23 de junho

128.449
pessoas já se recuperaram da doença

5.790
foi o maior número de casos em uma semana, entre os dias 21 e 27 de junho, média de 827 por dia

174
foi o maior número de mortes em uma semana, entre 10 e 16 de janeiro, com média de 25 por dia

19.257
foi o maior número de casos em um único mês, em julho, com média de 621 por dia

598
foi o maior número de mortes em um mês, em julho, com média de 19 por dia

177.211
pessoas receberam pelo menos uma dose dos imunizantes até ontem

74.482
pessoas receberam duas doses dos imunizantes e estão com a cobertura completa




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