Economia Titulo Previdência
Propaganda sobre alíquotas de contribuição é ‘canto de sereia’

Para especialistas, desconto de R$ 5 a quem recebe salário mínimo é ineficaz e penaliza mais pobres

Arthur Gandini
Do Diário do Grande ABC
24/03/2019 | 07:28
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Dentro da estratégia de buscar a aprovação do projeto de Reforma da Previdência, o governo federal tem buscado divulgar peças publicitárias para informar a população e demonstrar pontos positivos da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 06/2019, apresentada ao Congresso Nacional no final de fevereiro.

Uma das propagandas que mais tem sido divulgada nas redes sociais se trata da redução da contribuição previdenciária para quem ganha um salário mínimo. O percentual de desconto nos salários para trabalhadores dentro do RGPS (Regime Geral de Previdência Social) está em taxas de 8% a 11%, e caso aprovada a reforma, as alíquotas de contribuição passariam de 7,5% a 11,68%.

Entretanto, de acordo com a economista e coordenadora de pesquisas e tecnologia do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Patrícia Pelatieri, é preciso tomar cuidado com o que o governo divulga para não cair em um ‘canto da sereia’. “Em troca de R$ 5 a menos, que é o que significa a diferença de 8% para 7,5% do salário mínimo, o governo tem falado que a reforma vale a pena, pois quem ganha menos vai pagar menos. Estamos falando de muito pouco, e parte significativa dos trabalhadores vai pagar mais. A faixa salarial de R$ 2.000 a R$ 3.000 vai pagar entre 8,25% a 9,5%”, alerta.

Conforme as regras atuais, trabalhadores urbanos que fazem parte do RGPS e recebem salários de até R$ 1.751,81 têm descontados 8% de sua remuneração para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Já para quem ganha entre R$ 1.751,82 e R$ 2.919,72 e os que recebem de R$ 2.919,73 até o teto previdenciário de R$ 5.839,45, as alíquotas são, respectivamente, de 9% e 11%.

Já o projeto de reforma da Previdência traz alíquota de 7,5% para quem ganha até um salário mínimo, hoje em R$ 998; de 7,5% a 8,25% para quem ganha entre R$ 998,01 e R$ 2.000; de 8,25% a 9,5% para a faixa salarial de R$ 2.000,01 a R$ 3.000; e de 9,5% a 11,68% entre R$ 3.000,01 até o teto de R$ 5.839,45.

“A propaganda utilizada pelo governo federal para ganhar a aceitação da população sobre a reforma traz o slogan nova Previdência. É para todos. É melhor para o Brasil”, lembra Erick Magalhães, especialista em direito previdenciário e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados. Para ele, as mudanças propostas têm a função, na verdade, de agradar ao setor financeiro e atender aos anseios do mercado. “A reforma não é socialmente justa, uma vez que se distancia de ser alcançável, pois, por exemplo, impõe aos homens idade mínima excessiva de 65 anos de idade, quando a expectativa de vida é abaixo dos 73 anos. O slogan utilizado não reflete a realidade.”

Para a especialista em direito previdenciário do escritório Stuchi Advogados, Joelma Elias dos Santos, a própria diminuição de alíquotas destacada pela propaganda oficial é contraditória e também pode ser alvo de questionamentos, já que o governo justifica as mudanças nas regras da aposentadoria com base na necessidade de corte dos gastos públicos. “Essa redução se trata de máscara atrativa para convencer a população de que a reforma traz benefícios para o trabalhador, ocultando, porém, que, dependendo do tempo de contribuição e da idade do trabalhador, este poderá ter redução significativa no valor de sua aposentadoria e que terá que trabalhar muitos anos a mais”, avalia.

Joelma cita o exemplo de uma mulher com 40 anos de idade e 21 de contribuição. Pela atual regra, ela poderia se aposentar em nove anos mas, pelas mudanças propostas pela reforma, teria que aguardar até no mínimo os 57 anos de idade, o que seria possível devido à regra de transição que ainda permite a somatória da idade com o tempo de contribuição, opção que será excluída com a reforma e não estará mais disponível para os futuros segurados.

No exemplo, as mudanças resultam em contribuição de mais 17 anos para se aposentar com o valor do benefício reduzido e, para ter a integralidade do valor da aposentadoria, a segurada em questão teria que trabalhar até os 62 anos de idade, ou seja, por mais 22 anos.

“As pessoas pobres continuarão a ser penalizadas, seja pela inexistência de mudança real e efetiva no valor das contribuições, seja porque precisarão trabalhar por muito mais tempo. Do que adianta pagar R$ 5 a menos por mês, mas precisar trabalhar por 40 anos?”, questiona Leandro Madureira, especialista em direito previdenciário e sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, em relação à aposentadoria integral, hoje alcançada com um mínimo de 35 anos de contribuição.


Reforma pode afetar reajuste de benefícios

Outro ponto que tem sido utilizado pelo governo para buscar o apoio da população para aprovar a reforma da Previdência no Congresso é o fato de que os segurados atuais não serão afetados pela mudança.

Contudo, de acordo com a economista do Dieese Patrícia Pelatieri, não é bem assim. Isso porque pode não haver mais garantia de que os benefícios sejam ajustados pela inflação, mesmo em relação aos que já são concedidos atualmente. “O valor daquele benefício pode durar por anos, como se nós não tivéssemos perda salarial”, assinala ela.

Segundo o advogado previdenciário Erick Magalhães, a Constituição Federal assegura atualmente que os benefícios sejam reajustados para preservar, em caráter permanente, seu valor real. “Agora, o governo pretende excluir da Constituição essa regra, o que significa dizer que, se a proposta for aprovada, valerá para todos os aposentados, quer aqueles que já se aposentaram, quer seja aqueles que ainda vão dar entrada na aposentadoria.”

A advogada Joelma Elias dos Santos também alerta que a exclusão pode dar margem a reajustes cada vez menores, “levando muitos beneficiários a terem sua renda diminuída consideravelmente até o limite do salário mínimo”.

Na visão de João Badari, especialista em direito previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, o grande problema da mudança é tirar o reajuste da Constituição. “Isso trará maior liberdade para o governo. Essa desindexação é uma medida forte, que trará grande economia”, explica.

Para ele, quando se analisa a reforma, é importante ter em mente que ela é necessária para que o sistema previdenciário se mantenha estável, mas de modo que as regras propostas sejam ajustadas para a realidade social brasileira. “Deve sim haver reforma, mas o foco deve ser o corte de privilégios. Não basta fazer uma reforma apenas para sair da recessão econômica que estamos passando”, opina Badari.

O debate além da economia é posição com a qual também está de acordo o professor da escola preparatória Meu Curso e doutor em direito previdenciário Theodoro Vicente Agostinho. Para ele, é importante a participação de especialistas em Previdência no debate para que ele não seja pautado somente nas questões econômicas. “Acima de tudo, as questões previdenciárias são atreladas ao caráter social. A proposta atual é interessante em alguns pontos, mas, em outros, deixa a desejar. Se não forem feitos ajustes, acho difícil encontrar apoio de deputados e senadores para aprovação”, defende o docente.

Leandro Madureira frisa que a proposta de reforma é nada menos que o pior projeto já vivenciado na história do país. “Sob a justificativa de que o País pode quebrar, o governo transfere ao trabalhador a responsabilidade sobre o seu desajuste. A classe média vivenciará altas taxas de empobrecimento na velhice caso essa proposta seja aprovada”, alerta. 




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