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Quase 70% dos casos de estupro na região são contra vulneráveis

Dos 454 registros da violência no ano passado, 314 foram sofridos por menores e deficientes

Por Bianca Barbosa
Especial para o Diário
18/02/2018 | 07:00
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Agência Brasil


Muito tem se falado sobre abuso de pessoas vulneráveis ultimamente. Uma das causas do assunto vir à tona é a repercussão da novela O Outro Lado do Paraíso, da Rede Globo. Na trama das 21h, a personagem Laura (Bella Piero) vive consequências de ter sido violentada sexualmente pelo padrasto Vinícius (Flávio Tolenzani) quando criança. Na vida real, os números são alarmantes. Conforme dados da SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo), 69,16% dos casos de estupro registrados em 2017 são relacionados a menores de 14 anos, pessoas com deficiência ou sem condições de se defender.

Somente no ano passado, dos 454 registros de estupro contabilizados na região, 314 são de vulneráveis. Em relação a 2016, a quantidade de denúncias à polícia teve alta de 245%.
“A novela está correta ao mostrar como esse abuso infantil acontece nas famílias e em incentivar denúncias. Nenhum assunto deve ser tabu. Tudo deve ser discutido em busca de solução.” Essa é a afirmação da advogada criminalista Luiza Nagib Eluf, procuradora do Ministério Público aposentada e ex-secretária nacional de Direitos da Cidadania. Segundo ela, é necessário tratar do assunto nas escolas, no núcleo familiar e nos meios de comunicação, já que a cultura da violência sexual resulta da ignorância e do patriarcado, “Temos de mudar os valores e aumentar o respeito dentro e fora de casa”, acrescenta.

A estimativa do Crami (Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância do Grande ABC) é a de que apenas um a cada dez casos de abuso sexual infantil seja denunciado, o que indica que o problema é ainda maior. “A maior parte dos casos que atendemos pode não estar contemplada nos dados da SSP, pois as famílias relatam não terem aberto boletim de ocorrência”, diz o órgão em nota. O principal motivo para a subnotificação é o fato de o agressor, na maior parte dos casos, ser familiar ou até mesmo o pai.

Atualmente, o Crami atende 66 crianças e adolescentes com menos de 14 anos que sofreram este tipo de abuso, sendo 46 meninas e 20 meninos. Para o coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, os números apontados pela SSP são significativos e demonstram que os menores estão vulneráveis. “Defendo que os pais devem abordar formas de prevenção, como evitar que crianças e adolescentes andem sozinhos e que não devem aceitar convites de pessoas estranhas, inclusive por meios virtuais”, aconselha. O advogado entende que é importante ter orientações sobre sexualidade e prevenção aos abusos sexuais nos postos de Saúde e nas escolas, porque muitas vezes o agressor pode ser alguém da família, então as providências deverão ser tomadas pelos agentes de Saúde, educadores, conselheiros tutelares e policiais.

OUTROS CASOS

No caso dos registros de vítimas com idade acima dos 14 anos e em condições de se defender, foram contabilizados 140 registros de estupro no ano passado, número que corresponde a 30,83% do total de ocorrências notificadas entre as sete cidades.

“Na maioria dos casos, observamos que os responsáveis não deram muita atenção à vítima na época do ocorrido, então existe essa denúncia posterior. Em muitas ocorrências, a vítima denuncia por perceber que o algoz continua praticando atos em relação a outras crianças e adolescentes. Mas também ocorre por conta de (a vítima) se sentir libertado do responsável legal”, destaca a delegada titular da DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) de Diadema, Renata Cruppi.

Segundo o Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, o GT (Grupo de Trabalho) Gênero, em parceria com os GTs Igualdade Racial, Criança e Adolescente, Pessoa com Deficiência, Assistência Social e Saúde, tem articulado o debate e a proposição de diretrizes para estruturação de políticas públicas contra a violação dos direitos das mulheres, em consonância com a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres.


Polícia investiga denúncia de abuso sexual em escola infantil


A Polícia Civil da região investiga denúncia de suposto abuso sexual cometido contra menina de 6 anos dentro das dependências da Emeief (Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental) Comendador Piero Pollone, no bairro Centreville, em Santo André.

Segundo Barbara de Cassua Mendes, 32 anos, mãe da criança, a filha teria sido abusada por funcionário da unidade de ensino, responsável por cuidar de alunos deficientes, durante festa de Carnaval. “Quando ela voltou da escola, notei que ela estava estranha. Questionei se tinha acontecido algo, mas ela não falou nada. Foi aí que percebi que sua calça estava molhada e com cheiro forte”, disse a mãe. “Pensei que minha filha tinha urinado na roupa, mas depois notei inflamação nas partes íntimas.”

Por estar sonolenta, a criança acabou dormindo sem falar sobre o assunto. Porém, na manhã seguinte, ao acordar se queixando de dificuldade para urinar e de dor nas partes íntimas, a garota detalhou o episódio. “Ela me contou que, durante o intervalo, foi seguida por funcionário da escola. Minha filha disse que até tentou correr, mas caiu numa escada e foi dominada pelo agressor, que a levou para o banheiro”, diz a mãe.

O caso foi registrado no 1º DP (Centro) de Santo André como estupro de vulnerável. A criança chegou a ser encaminhada ao IML (Instituto Médico-Legal) da cidade, onde realizou exame sexológico. O laudo deverá ficar pronto em prazo de 15 dias.</CW>

Segundo a Prefeitura de Santo André, a Secretaria da Educação “está colaborando com as investigações e não abre mão de que a Justiça seja feita”. (Daniel Macário)

Sociedade ainda enxerga vítima como culpada, destacam especialistas


Culpar a vítima é algo cultural, alertam especialistas ouvidos pelo Diário. A advogada criminalista Luiza Nagib Eluf considera que culpar a vítima “é o caminho para quem quer manter tudo como está”. “As mulheres, em geral, são manipuladas pelos agressores, que quase sempre são homens. Elas não querem enxergar a ocorrência de sérias agressões aos filhos, porque isso exigiria reação, uma tomada de posição da qual elas têm medo”, alega.

Para a delegada titular de Defesa da Mulher de Diadema, Renata Cruppi, nada justifica a conduta de cunho sexual contra a vontade da vítima, no entanto, muita gente ainda considera a vítima culpada porque “seduziu, deu a entender algo, ou vestiu roupas que tenham provocado o ato”. “É extremamente importante publicar o que é a violência sexual, para que outras vítimas ou pessoas que estejam observando de fora abram a mente. Na dúvida, denuncie”, incentiva.

O coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, entende que as medidas tomadas até hoje para tentar coibir os crimes de estupro estão sendo insuficientes. “Faltam incentivos às denúncias, orientações preventivas para as próprias crianças e adolescentes, investigações dos casos denunciados. Também precisamos que os conselhos tutelares e as varas da infância e juventude sejam mais bem estruturadas”, cobra.
 




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