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CPI dos Medicamentos acaba em pizza
Por Alceu Luís Castilho
Especial para o Diário
13/03/2006 | 07:56
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A da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) dos Medicamentos está sendo servida aos pedaços. Entre 1999 e 2000, a comissão encerrou com muito barulho seus trabalhos, denunciando 42 multinacionais por cobrança de preços excessivos. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), porém, adotou uma decisão-padrão em relação a esses casos: arquivamento. Uma a uma, reunião após reunião do Cade, as empresas estão sendo isentadas de responsabilidade, sob um silêncio da mídia e dos deputados de todos os partidos.

O Congresso realizou naquela época um verdadeiro show de apuração – com custos evidentes ao dinheiro público. Quarenta e três deputados, quase um décimo da Casa, participaram das apurações, que duraram 195 dias. Eles fizeram 37 audiências, 64 reuniões, enviaram 937 ofícios, analisaram 2.488 documentos gerais e mais de 150 mil documentos bancários. Nada disso teve validade para o Cade e para o Ministério Público, que consideraram as provas insuficientes e o trabalho, "inconsistente".

Em relação ao efeito político, não dá para fazer cálculos. Todos os seis deputados paulistas que participaram da CPI – Arnaldo Faria de Sá (PTB), Bispo Wanderval (PL), Celso Russomanno (PPB), Ricardo Berzoini (PT) e Robson Tuma (PFL) – participaram da primeira diligência para o Estado, ao lado de outros oito deputados. Em outra diligência, quatro deles estiveram presentes em sua base eleitoral. Fortaleza e Recife ganharam a visita de nove deputados da comissão; o Rio, sete; Curitiba, seis; Uberlândia (MG), três; Teresópolis (RJ) e Goiânia, dois.

Não foram só deputados que participaram da CPI. Ela teve a participação de quatro servidores do Banco Central, três representantes do Banco do Brasil e do TCU (Tribunal de Contas da União), dois do Ministério da Saúde, da Fiocruz e do Ministério Público Federal, um da Polícia Federal e outro do Ministério da Fazenda. Fora 12 consultores e o secretário da Comissão. A divisão do trabalho se deu em sete subrelatorias, entre eles Tuma e Faria de Sá – este foi também um dos vice-presidentes.

A CPI teve um ápice midiático, em fevereiro de 2000, quando o presidente da Associação Brasileira das Redes de Farmácias (Abrafarma), Aparecido Bueno Camargo, denunciou a venda por farmácias de remédios 'B.O.' Indagado pelos deputados sobre o que significa a sigla 'B.O.' Camargo explicou que eram medicamentos inócuos, ou seja, "Bons para Otários".

42 pedaços – A pré-temporada de arquivamento no Cade começou em 10 de fevereiro de 2005, com o arquivamento de processo contra a Baxter Hospitalar e Fresenius Medical Care. Mas a temporada de entrega da 'pizza' começou mesmo em novembro, com o arquivamento de processos contra as empresas Medley, Eli Lilly do Brasil, Biobrás e Marjan. No mês seguinte a Merck ficou livre de qualquer condenação por aumento de preços. Em janeiro foi a vez da Minancora, Johnson&Johnson, Laboratórios Biosintética e Prodomo. Em fevereiro, Schering e Zeneca.

Todas as demais empresas acusadas pela CPI serão absolvidas, informa o procurador José Elaeres Marques Teixeira, que acompanha os processos no Cade. A conclusão dos conselheiros do Cade, diz ele, apenas corroborou os estudos feitos pela SDE (Secretaria de Direito Econômico), também do Ministério da Justiça. Motivo: não foi encontrada nenhuma razão para condenação por aumento abusivo (42 empresas acusadas) ou formação de cartel (acusação contra 17 delas).

Houve, é verdade, em outubro de 2005, a condenação de 20 laboratórios por formação de cartel, pelo mesmo Cade. Foi uma votação apertada – três conselheiros pela condenação, dois pelo arquivamento – em uma decisão que previu multa de 1% do faturamento bruto, em 1998, de 19 das empresas (2% no caso da Janssen-Cilag): Abbott, Eli Lilly, Schering Plough, Roche, Monsanto, Biosintética, Bristol-Myers Squib, Aventis Pharma, Bayer, Eurofarma, Akzo Nobel, Glaxo Wellcome, Merck Sharp & Dohme, Astra Zeneca, Boeringher, Aventis Behring, Sanofi-Synthelabo, Wyeth-Whitehall e Byk.

Mas esse processo, relativo a uma acusação de boicote na entrada de medicamentos genéricos, não teve origem na CPI dos Medicamentos, mas numa representação do Conselho Regional de Farmácia do Distrito Federal. A CPI chegou a capitalizar o episódio, mas não teve qualquer participação direta. No que dependeu do trabalho do Congresso, as multinacionais podem respirar à vontade. "A gente aperta, mas não sai muita coisa", diz o procurador do MP sobre trabalho da CPI. Para José Elaeres Marques Teixeira, órgãos responsáveis por investigação aprofundada ficam "perplexos" com a superficialidade do Congresso.

"Não tem outra saída a não ser arquivar." A declaração de Teixeira sobre as denúncias feitas pela CPI dos Medicamentos ganha força na medida em que o procurador acompanhou todas as investigações do Cade. E porque seria ele, em caso de discordância da conclusão unânime dos conselheiros, o responsável pela abertura de processos. Como considera o relatório da CPI "genérico", "no ar", "sem consistência", a Justiça não apreciará qualquer denúncia relativa às investigações de deputados feitas em 1999 e 2000 em quatro regiões brasileiras.

Teixeira descarta qualquer problema nas investigações do Ministério da Justiça. A SDE (Secretaria do Direito Econômico) e o Cade, segundo ele, fizeram o dever de casa. A secretaria encomendou um estudo à Universidade de Brasília para saber se houve mesmo aumento abusivo de preços. Analisou planilhas de custos, consultou a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda, mas nada foi provado.

"Em todos os casos a SDE tem recomendado que não há elementos para se promover a condenação, e o Cade tem seguido", explica o procurador. No caso da representação movida pelo Conselho Regional de Farmácia do Distrito Federal, Teixeira explica que havia outros elementos comprobatórios – a começar de uma ata que indicava a formação de cartel. O próprio Teixeira deu pareceres aos órgãos do Ministério da Justiça. "Trabalho em cima de estudos, que realmente não mostram, pelo contrário alguns afirmam que não havia elemento que demonstrasse conduta anticoncorrencial", diz o procurador. "Não tem outra saída, tem que arquivar. O relatório da CPI foi muito genérico, sem detalhes que foram apurados pela SDE".

Segundo Teixeira, o trabalho dos deputados foi muito vago. "Não vejo como prosseguir numa investigação onde não há provas", sentencia. "No caso da CPI, nem uma prova, mesmo que frágil, foi apresentada." Em relação ao Cade, ele ressalta que os conselheiros têm agido de forma "criteriosa" nesses casos. O procurador acha que a CPI teve tempo suficiente para produzir provas. "Não quero fazer críticas às CPIs, mas o problema é que há um forte elemento político que guia os trabalhos, e quando chega aos órgãos mais indicados para aprofundar investigações eles caem na situação de ficar perplexos. Aperta, mas não sai muita coisa, fica tudo muito solto, e para condenar alguém tem de amarrar, com uma gama de provas."




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