Cotidiano Titulo
Descarada paixão pelos edifícios
Rodolfo de Souza
03/08/2017 | 07:00
Compartilhar notícia


 Gosto de edifícios. Soa, inclusive, meio estranho, até constrangedor, admitir em público este amor. Sinto mesmo queimar o rosto por sentir que traio meu grande amor pelos bichos, pelo cheiro de mato e, sobretudo, a paixão pelas árvores. Mas o que há se fazer? Todo ser humano é assim, afinal: além dos defeitos natos evidentes e descarados, ainda guarda umas esquisitices que nem o próprio dono é capaz de entender.

Convenhamos, contudo, que edifícios são obras da natureza arquitetônica do homem e eu não consigo deixar de admirá-los, até porque nasci em meio a uma floresta urbana recheada deles. É provável até que seja esta a razão de apreciá-los a ponto gastar horas debruçado sobre este papel só para escrever uma crônica bonitinha que fale deles. É fato que me acostumei à sua presença, embora seja obrigado a me render também à beleza das formas arrojadas de alguns. Tacadas geniais com pinturas realçando terraços e janelas dão um toque de beleza que se pode vislumbrar de longe e que, poucos admitem, são verdadeiras obras de arte.

Às vezes penso que melhor seria se tivesse escolhido a engenharia. Mas sempre considerei frios os números. Meio sem personalidade, os considerei assim que me foram apresentados lá nos bancos escolares de outrora. Por isso não me atraiu a ideia de buscar o extraordinário mundo da arte por meio deles. Já com as letras, a afinidade nasceu nos primeiros tempos de minha vida. De fato apaixonei-me por elas antes mesmo de ter percebido a imponente presença dos prédios altos e suas medidas que esbanjam números.

Ao contrário do que possa pensar o enfastiado leitor, talvez cansado de prédios e números, não moro em apartamento. Tampouco me simpatizo por este tipo de moradia.

Só o prédio me fascina.

Pensava, aliás, sobre isso enquanto estacionava numa grande área reservada para quem deseja forrar o estômago numa badalada empresa de fast food e, complicação da vida moderna, encontra-se motorizado. Tentava ali imaginar o porquê de tamanha área não ter sido entregue ainda às vorazes garras de empreendedores imobiliários. Doía-me no coração, inclusive, imaginar lugar como aquele atirado ao apetite do construtor que arranca sem dó toda a vegetação que encontra pelo caminho e revolve sem piedade a terra, cuidadosamente arada para fazer germinar garboso edifício.

Mas gosto de deles...! Por que motivo então tenho que sofrer por este pedaço de terra que muito em breve se encontrará debaixo de enormes colunas de concreto e ferro?

Paciência!

E o conflito se segue: eu estacionado no terreno, à espera de alguém, pensando na beleza que oferece às cidades seus prédios, em contrapartida ao chão ocupado todos os dias pela especulação imobiliária.

Logicamente que a defesa urbana argumentará que não há mata nativa nas cidades, razão mais do que suficiente para se fincar as estacas em seu solo e partir para a especulação. Guerra perdida esta contra o poder econômico, afinal. Fazer o quê? Só me resta celebrar a felicidade de amar os edifícios, ora!




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;