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Leia a história de Paula Endriukaitis
Do Diário do Grande ABC
30/01/2011 | 07:03
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Perfil

Paula Endriukaitis, 17 anos, de Santo André

Adquiri o hábito de exprimir minhas ideias e pensamentos em textos que misturam ficção e realidade. A fuga do clichê e do piegas é algo presente em minhas redações. Sou uma enamorada da música em todos os seus âmbitos, considerando-a uma ótima aliada para a busca de inspiração. Creio que fatos, ilusões e questionamentos podem levar qualquer um a redigir um texto.

Enigma

Impossível esquecer sendo lembrada a cada ultrassom, a cada chute, a cada náusea. Após a maldita noite, o silêncio reina entre meus familiares. O arrependimento latente incomoda mais e mais com o passar dos meses. Um sofá, um quarto de hotel, um tapete desconhecido, imagens que injetam adrenalina em minha mente ao serem lembradas.

Uma noite fria e chuvosa. O vento reinava sobre mim congelando os ossos ao entrar pela porta escancarada. Sentia-me estranha, como se, além dos pertences, faltasse algo. Latejavam a cabeça e o estômago.

Confusa, com o rosto ensopado por lágrimas, tentei levantar e me localizar. Apoiei sobre os cotovelos, erguendo o pescoço em busca de algum vestígio explicativo. Estava grogue. Minhas mãos, tateando o tapete e o lençol, encontraram uma seringa semivazia. Achara explicação para a vertigem. As costas queimavam e a dor me consumia. Comecei a encontrar hematomas sob a pele branca, além de rasgos nas vestes. O gosto ácido de arrependimento na boca. Como fora idiota! Um homem, a estrada, farol alto cegando-me. Imagens surgiam em meu cérebro. Tão jovem, o que faria eu na rua só?

Enquanto tentava acalmar o coração, deparei-me com meus pertences espalhados pelo cômodo desconhecido. Tudo se encontrava ali. Minhas roupas estavam destruídas; a íntima, sumido. Tal fato desencadeou mais lembranças, além de calafrios e lágrimas. Como fora imbecil! Perdera a dignidade! Por que fugira de casa? Ninguém me procuraria!

O efeito da intravenosa se esvaía e eu recordava os momentos que se antecederam. Fora agredida na cabeça e adormeci. Lembrava-me involuntariamente do ato, do abuso e do furto de minha inocência. Uma pontada no estômago e fui dominada pela vertigem. Não me permitia desmaiar, devia manter-me forte e procurar ajuda. Era inevitável, havia algo muito errado comigo.

O sol nascia e invadia o quarto maldito. Iluminava minha pele arroxeada e o sangue no tapete, apenas agora visível. A queimação nas costas aumentava e tornava-se insuportável. Hemorragia. Pouca, mas existente. Fraca, vulnerável e carregando o sentimento de culpa nas costas, gemi enquanto buscava toalhas para estancar o pequeno ferimento na lombar. Enrolei-me com a roupa de cama e vi-me abandonando aquele filme de terror, quase intacta. Fui socorrida ao chegar à recepção do hotel.

Quanto aos meus familiares, bem, foram comunicados, ficaram perplexos e hoje assumem a culpa pelo fato em si, como se lhes restasse alguma. Carrego a cicatriz da faca penetrada na coluna juntamente com o filho daquela noite sombria. Não o amo, mas não penso em perdê-lo ou abandoná-lo. Quanto ao pai, talvez eu conheça seu rosto ao dar à luz.

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