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Quando a música contribui na inclusão

Projeto da Emeief Paulo Freire estimula estudantes a se expressar e se relacionar com colegas

Selma Viana
Do Diário do Grande ABC
07/12/2011 | 07:00
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No exercício que tinha como ponto de partida a audição, a aula de expressão corporal foi destaque. Nenhuma surpresa para a professora Cirlene Aparecida Piloto da Silva. Ela está acostumada a trabalhar várias áreas da expressão artística desde pequena e sabe que no palco tudo pode acontecer. Estudou jazz e balé; participou de coral de igreja e aprendeu a tocar alguns instrumentos sem nenhuma didática.

Foi na pedagogia que aprimorou sua compreensão de que a musicalização desperta inúmeros sentimentos em regiões do cérebro que ajudam no desenvolvimento da criança. Como o assunto é complexo, ela pinçou alguns detalhes para desenvolver no 3º ano da Emeief Paulo Freire, no bairro Matarazzo, em Santo André, onde dá aula, o projeto Musicalização: um Despertar Contínuo.

O estímulo principal veio de dois alunos de inclusão. Cirlene conta que a partir desse projeto eles perderam a desconfiança, medo, insegurança, desconforto..., qualquer que seja o nome do entrave que os impedia de interagir com os colegas da classe.

Foram quatro as etapas: canto, Libras - linguagem brasileira dos sinais -, ritmo e banda. No canto mostrou aos alunos que não é necessário gritar para se expressar com firmeza. Boa entonação é o suficiente para prender a atenção do interlocutor.

Os alunos tiveram oportunidade de entrar em contato com uma outra língua, por meio da coreografia que a professora montou para falar sobre os sinais de Libras. Na sua opinião, era importante que o grupo conhecesse essa forma de expressão, já que no trabalho estavam sendo priorizados os sentidos - e a linguagem utilizada pelo deficiente auditivo usa muito gesto -, além do respeito à diversidade.

Na hora de ensinar ritmos surge a revelação. O garoto Bruno Kuniyoshi, 8 anos, tem irmão mais velho, que toca violão em uma banda. É tudo! Mas não dá para Bruno contar com ele. Então, se vira sozinho para aprender, ensaiar e corrigir erros dos passos que imita de Michael Jackson por meio dos DVDs que ganhou da mãe. "Eu paro o vídeo, danço, volto o vídeo e aprendo os passos", explica. Ele foi o grande incentivador da turma quando a professora quis trabalhar a coordenação motora dos alunos por meio do ritmo.

O menino chamou tanto a atenção para ele mesmo que a professora criou uma dança em que tem seu momento solo: arrasta os pés para frente, o corpo para trás, torce ombros e cabeça e lembra mesmo um nato dançarino de street dance. Mesmo tendo de fazer a sua parte, os colegas gritam frases como ‘Vai Bruno!' No final, duas pessoas de cada lado se juntam a ele para terminarem a dança abraçados. Involuntariamente, o aluno acrescentou ao aprendizado da sala o que é liderança e cooperatividade. O respeito entre eles já está estabelecido.

Professora também comemora melhora em sala de aula

A professora Cirlene Aparecida Piloto da Silva cumpre a sua última parte do projeto para dar exemplos de que acompanhar e esperar a vez do outro são muito importantes quando o trabalho é em equipe. Pandeiros, tamborins, caxixi (tipo de chocalho) e clava são usados para ensinar as marcações em uma bandinha.

As crianças melhoraram o desempenho escolar, já que estão mais concentradas. Mas para a educadora, outro dado positivo é que eles aprenderam a ouvir mais e a esperar pelo amigo que não terminou a lição sem conversar alto. E, ao menos nesta sala, a máxima de que mulher fala mais que o homem vai por água abaixo.

"Tenho 19 meninos e quatro meninas aqui. Eles viviam com aquelas brincadeiras de se baterem, falavam alto, sem parar. Agora estão mais legais."

Avanço de aluno ajuda outro a caminhar

A professora Ana Paula Moreira dos Anjos Novo, da Emeief Luiz Gonzaga, no Parque Erasmo, em Santo André, não é de deixar nada para depois, principalmente quando é algo relacionado à educação dos seus alunos.

Preocupada com o perfil da turma de 2º ano do Ensino Fundamental que apresentava nível de alfabetização abaixo do esperado para idade de 7 anos, ela decidiu intervir de maneira mais eficaz para acelerar o processo e evitar que a deficiência persistisse nos anos seguintes, agravando o problema. Ana Paula explica que a faixa etária do aluno interfere demais no processo de alfabetização, uma vez que sendo ele mais velho em turmas mais novas começa a perder a motivação e todo o desempenho acaba comprometido.

Para resolver a situação, ela se juntou a professora Melissa Emanuele Ribeiro, e as duas, com total apoio do corpo diretivo, aplicaram o sistema de agrupamento produtivo de alunos para intensificar o processo da alfabetização e desenvolveram o projeto Escrita e Leitura: A Guerra dos Animais.

Os trabalhos consistiram em identificar os níveis de conhecimento das crianças das turmas de cada professora e agrupá-las por semelhança de estágio de conhecimento para que uma ajudasse no desenvolvimento da outra.

Do total de 49 alunos, Ana ficou com 23, entre os quais 11 chamados alfabéticos funcionais, ou seja, aqueles que reconhecem as palavras, mas não produzem ou interpretam textos. O restante da turma ainda não compreendia o sistema de escrita. Já a professora Melissa ficou com 26, dos quais 17 alfabéticos funcionais e os demais sem noção do sistema de escrita.

Apesar do quadro bastante preocupante, já que as crianças aos 7 anos estavam no limite da idade para serem alfabetizadas dentro do padrão, elas conseguiram resultados surpreendentes ao longo do projeto.

Das 23 crianças da turma da professora Ana, 18 tornaram-se alfabéticos letrados, ou seja, produzem e interpretam textos com autonomia. "Os demais também tiveram avanços significativos, porém ainda necessitam de tempo maior para se apropriarem totalmente do sistema de escrita", comenta Melissa, cujos resultados também foram expressivos. Isso porque dos seus 26 alunos, 22 tornaram-se alfabéticos letrados e os demais tiveram desenvolvimento importante que facilitará a conclusão do processo mais rapidamente.

"Ao final, juntando os dados das duas turmas temos 35 alfabéticos letrados e cinco recém-alfabéticos", comenta Melissa, ressaltando para a eficiência do processo de agrupamento, apesar da prática não ser muito usada nas escolas.

Mas eficiência mesmo é possível ver na fala dos alunos, que se mostram felizes em conseguir entender sozinhos o que está escrito em livros como A Guerra dos Animais, tomado como referência para o desenvolvimento do projeto. (Mirela Tavares)

Parceria entre as educadoras é parte do sucesso da ação

A professora Ana reforça que o aprendizado rápido só foi possível graças à parceria dela com Melissa. "O trabalho com agrupamento produtivo é eficiente, mas trabalhoso, pois nem sempre as professoras gostam de misturar suas turmas e, muitas vezes, uma fica com um grupo maior do que a outra para poder ter os alunos do mesmo nível agrupados", diz ela, que ainda acrescenta: "Também é fundamental o apoio da direção da escola, pois por ser sistema trabalhoso, muitas vezes precisamos do suporte de outras professoras, até para darmos assistência a mais alunos na sala."

Mas para ela é também muito prazeroso ver a troca de ajuda entre os alunos agrupados. Ela exemplifica que ao usar o alfabeto móvel para construir palavras e frases, eles são colocados em dupla e a habilidade de um ajuda a eliminar a deficiência do outro. (Mirela Tavares)




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