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‘Você cria um filho para depois vê-lo partir assim’

Sem saber de passeio, familiares de jovens mortos tentam superar a dor e entender a tragédia

Por Fábio Munhoz
Rafael Ribeiro
30/01/2014 | 07:00
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 Lágrimas, emoção e incerteza sobre o que aconteceu. Desolados, familiares dos cinco jovens mortos na tarde de ontem, após se afogarem no Tancão da Morte, em Santo André, ainda procuravam, mais que aceitar a dor da perda, entender o motivo das vidas terem sido perdidas de forma tão banal.

“Você cria um menino por 15 anos para depois ver ele partir desse jeito. Só Deus para nos dar força. De que adianta ter carro, casa e, a partir de agora, acordar e saber que ele não estará mais lá?”, disse o soldador Renê Pereira Lima, 38 anos, pai de Henrique Ferreira Lima e tio de Matheus Santos Dias de Souza.
Evangélica, a família disse que não sabia do fato de os jovens terem matado aula para ir à lagoa tomar banho. “Sempre dávamos conselho, falávamos. Infelizmente, se não vigiar de perto os meninos, algo ruim pode sempre acontecer, não tem jeito”, disse o primo deles, o também soldador Daniel Lauriano dos Santos, 29.

“A gente só foi saber à tarde, quando a polícia apareceu em nossa casa”, disse o pintor Roberto Carlos da Silva, 40, pai de Douglas Roberto Santana da Silva. “Ele nunca contou que vinha para esses lados de Santo André. A gente pensou que ele estava na escola.”

Douglas, Henrique e David de Moura Martins já teriam ido outras vezes ao local, mas as famílias reiteram que não sabiam das visitas à lagoa.

Abalada, a auxiliar de limpeza Maria José, 41, mãe de Anaílton da Silva, também mostrou desconhecimento. “Era para ele estar na escola. Eu não conhecia nenhum desses amigos. A gente trabalha o dia inteiro.”

Pai do único sobrevivente, Adílson Soares, o eletricista Pedro Antônio Soares, 47, suspeitou que algo havia acontecido pela demora do filho em voltar para casa. “Geralmente ele chega meio-dia. Eram 15h e nada. Quando a viatura chegou, só me restou agradecer a Deus que ele conseguiu escapar.”

ADEUS

A pedido das famílias, os jovens serão velados e sepultados juntos hoje, na cidade onde moram, em Mauá, segundo o prefeito Donisete Braga (PT).

O chefe do Executivo afirmou que a Prefeitura será responsável pelo pagamento das despesas. “São famílias carentes e vamos dar toda a assistência.”

O velório será realizado no Cemitério Vale dos Pinheirais, que conta com saguão amplo, enquanto o sepultamento está previsto para as 16h, no Cemitério Santa Lídia.

Vizinhos relatam ‘vazio’ no Jardim Oratório

Pelas ruas do Jardim Oratório, bairro de Mauá onde moravam os jovens afogados na manhã de ontem no Tancão da Morte, em Santo André, o clima é de tristeza e inconformismo. Os adolescentes, que tinham entre 12 e 17 anos, eram conhecidos pela alegria e irreverência. Amigos de infância afirmam que o grupo não era envolvido com atividades ilícitas.

“Eles curtiam jogar bola, ouvir funk e empinar pipa. Não estou acreditando que isso aconteceu. Crescemos juntos. Vão fazer muita falta”, comenta Rodrigo Martins, amigo dos garotos afogados. O menino ficou com lágrimas nos olhos ao ver, pelo celular, a foto de uma das vítimas no perfil de uma rede social. Ele relata que, no domingo, foi com os colegas pela última vez a uma festa funk. “Não imaginava que isso iria acontecer.”

Os colegas do bairro afirmam que os jovens mortos não tinham hábito de ir à represa nadar. “Acho que foi a primeira vez que eles foram lá, pelo menos a maioria deles”, disse Rodrigo.

A estudante Bianca da Silva, 17, comenta que, apesar de o grupo não ter envolvimento com atividades ilegais, os garotos eram ‘pestinhas’. “Corriam pela rua o dia todo e brincavam com todo mundo”, lembrou.

“As ruas estão vazias. Quando eles andavam por aqui, o clima era muito mais animado”, lembra Sarah Torres, 17. No bairro, o acidente no Tancão da Morte era praticamente o único assunto comentado nas rodas de conversa. Mesmo quem não conhecia os garotos lamentava o ocorrido.

Segundo vizinhos, dois dos meninos estudavam na EE Sada Umeizawa e os demais na EE Jardim Rosina, que fica nas proximidades do Jardim Oratório.

Tio de Henrique Ferreira Lima, 15, e Matheus Santos Dias de Souza, 12, o ajudante geral Anderson dos Santos Pereira, 26, também lamentou o ocorrido no Parque Guaraciaba. “A família está muito abalada. É muito difícil enterrar alguém tão jovem, com a vida toda pela frente. Fica um sentimento de vazio em todos nós. A gente nunca pensa que um dia irá passar por isso”, desabafa. (Fábio Munhoz)

Especialista vê descaso do poder público, além de desrespeito ao ECA

Para o presidente da Comissão de Infância e Juventude da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Bernardo e integrante do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, Ariel de Castro Alves, a Prefeitura de Santo André tem responsabilidade no acidente ocorrido ontem, no qual cinco garotos morreram afogados no Tancão da Morte.

Segundo o especialista, a falta de destinação adequada ao terreno público, e o não cercamento da área, possibilitando o acesso ao lago, são passíveis de responsabilização por ação civil pública. “Cabe à Promotoria da Infância e Juventude da cidade instaurar inquérito para apurar a responsabilidade.”

Além disso, Alves afirma que o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) foi desrespeitado. “O artigo 4º responsabiliza, entre outros, o poder público para garantir os direitos de crianças e jovens. Já o artigo 5º afirma que nenhuma criança ou adolescente será objeto de negligência, o que ocorreu neste caso.”

A Prefeitura garante que está cumprindo rigorosamente a ação civil pública impetrada pelo MP (Ministério Público), que obrigada a colocação de placas avisando do perigo (foram 97), instalação de portão alto e presença da GCM (Guarda Civil Municipal) em rondas 24 horas. (Camila Galvez)




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